terça-feira, 18 de agosto de 2009

A ONISCIÊNCIA, SONHOS E FANTASIAS
Daniel Antunes Júnior
Somos dotados da inteligência que falta aos irracionais e temos a natural curiosidade a respeito de nossa origem, finalidade, aptidões e destino.
O sonho da imortalidade no ser humano lhe é inerente, ainda que em termos, isto é, que se faça através de suas obras. Assim aconteceu, por exemplo, com os faraós que edificaram pirâmides, preocupados em deixar após si, de alguma forma, o rastro de sua passagem por este singular planeta, de que tanto gostamos, e que certamente é o único habitado em nosso sistema solar.
Essa singularidade, aliás, dá a medida da importância da Terra e dos humanos, dotados estes de extraordinária capacidade de realização. Tanto que estamos especulando, com o emprego do poderoso Humble e de sofisticadas sondas espaciais, o que ocorre nos outros planetas e seus satélites, visando a desvendar os mistérios da criação e saber como tudo começou.
Nas academias de letras e em outros sodalícios culturais, tem sido habitual tratar generosamente a seus consócios como imortais, porque suas obras, por ventura, vão além de sua existência terrena. Lembro-me bem de que meu saudoso amigo Felipe Machado Cury, para me ser agradável, dizia, bem humorado, que eu era imortal por merecimento e ele o era porque não tinha onde cair morto!...
O homem, animal racional, bípede e mamífero ocupa o primeiro lugar na escala zoológica. Biològicamente assemelha-se aos demais mamíferos e deles se distingue por sua faculdade espiritual própria, através da qual chega à concepção das idéias universais.
Na teoria de Jung, anima é o componente feminino da personalidade de todos os seres humanos.
Curiosamente, pretende-se que só o homem tem alma (do latim anima). Os bichos não a têm, apesar de serem animais - termo derivado de anima.
Mas, vamos ao que nos interessa neste comentário.
Note-se que, volta e meia, até bons autores empregam os substantivos mente (intelecto) e alma (ou espírito, parte imaterial do ser humano), como sinônimos. Mas há uma diferença sutil entre os dois termos. Se, como dizia Lucrécio, são outros elos de união os dotes do corpo e do espírito, implicitamente admitiu ele tal diferença na dualidade. Mas não nos propomos discutir o sexo dos anjos.
Entretanto, sabemos que psiquê é palavra grega que significa alma. Lembremos, apenas para sinalizar a tênue diferença, que na mitologia greco-romana Cupido, ou Eros, apaixonou-se de Psiquê, princesa de encantadora beleza, com a qual quis se casar, resultando daí a idéia da teoria cartesiana da relação entre a alma e o corpo - a interação.
Os psiquiatras tratam das doenças mentais contando, para isso, com antipsicóticos, antidepressivos e tranqüilizantes, mais ou menos eficazes, medicamentos esses cujos ingredientes são extraídos de elementos da natureza, e que agem diretamente sobre a constituição orgânica e fisiológica do sujeito. Mas isso ainda é pouco. Os profissionais dessa área da medicina, dispõem de outros recursos terapêuticos para atender os seus clientes com distúrbios e conflitos mentais (neuroses e psicoses), seja pesquisando o seu comportamento ou vasculhando o seu inconsciente. O divã constitui símbolo dessa terapia. Mas é curioso que ninguém fale de doença almal.
Podia ater-me a outros temas da vida, por exemplo, sobre economia e finanças, já que labutei quantum satis na administração do crédito real e fiduciário dos bancos, atividade que é alheia às investigações metafísicas, cartesianas, ou simplesmente psicossomáticas, mas exige uma boa dose de habilidade psicológica.
Foi assim que, sem pretender invadir as águas dos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas preferi, como curioso free-lance, esta ousada incursão à metafísica, que é teoria geral abstrata, e suas afinidades, fascinado pela indagação das origens, evolução, capacidade e performance do ser humano.
Sabemos perfeitamente que a geometria nos ensinou grande número de verdades, e a metafísica bem poucas. Mas vamos lá, sem qualquer pretensão novidadeira. Somos conscientes de nossas limitações. O próprio Sócrates, monumento do raciocínio (Ah, o grande Sócrates!) se apresentava como homem que nada sabia!...
Quanto à alma, disse Voltaire: “Seria maravilhoso ver a própria alma. Conhece-te a ti mesmo (esta inscrição estava gravada na fachada do templo de Delfos) é excelente preceito, mas só a Deus é dado pô-la em prática. Quem mais pode conhecer a própria essência?”
Contudo, não há dúvida que o homem se aproxima muito do criador de todas as coisas. Diz-se até que Deus o fez à sua imagem e semelhança. Pelo menos é o que consta do Genesis.
Vejamos, desde logo, esta referência lapidar:
Que obra de arte é o homem; quão nobre em sua razão; que infinito em suas faculdades; quão eloqüente e admirável em forma e movimento; como se assemelha a um anjo na atividade; e no entendimento como se parece a um Deus!
Assim falava Shakespeare, no Hamleto.
A Obra da Criação e a Onisciência
Para Tomaz de Aquino é importante considerar alguns elementos fundamentais, tais como o movimento, a causa eficiente, a noção do possível e do necessário, o grau de perfeição que se nota nas coisas e a ordem do universo.
De minha parte, entendo que Deus criou o mundo constituído de matéria e energia, e inventou a vida, tirando patente dela. Foi obra definitiva. Desde então tudo se realiza segundo uma ordem geral previamente estabelecida. Nada há de novo debaixo do sol.
O corpo humano, feito do barro da terra, de acordo com a Bíblia, representa, segundo conclusão científica, uma síntese dos principais elementos da natureza. Sem dúvida, é um prodígio. O homem, portanto, fisicamente está ligado a tudo que existe em torno dele.
Sabe como muitas coisas são feitas, mas não sabe fazê-las a seu modo, ou de outra maneira, embora tenha a seu alcance todos os ingredientes. Por exemplo, pode fabricar um grão de feijão de conteúdo e forma perfeitos, mas que não germina.
Resta ao homem o privilégio de ver as coisas acontecer e de realizar aquilo que, não sendo impossível, é possível. Como ser inteligente, constituído e organizado de maneira prodigiosa e providencial, além da faculdade do conhecimento das coisas através dos próprios sentidos, o homem potencialmente teria a visão transcendental, instantânea, de tudo que acontece no mundo, em qualquer parte, isto é, a onisciência. Como prová-lo? O raciocínio nos leva a considerações surpreendentes, ainda que não conclusivas. É bom lembrar que a matemática, como instrumento principal das demais ciências, tem por objeto, de um modo geral, a medida e as propriedades das grandezas físicas ou abstratas, e dela se valeu o judeu Baruch Espinosa, para suas notáveis conclusões filosóficas. Mas ainda resta o problema desconfortável das dízimas periódicas, que simbolizam o balizamento da capacidade humana... Afinal, o homem é limitado naquilo que é, ou que pode entender e realizar.
Ainda assim, tendo recebido do Criador o misterioso sopro de vida (energia espiritual), o Homo vivens com seus órgãos e glândulas em perfeita sintonia, fez-se indivíduo pulsante e pensante. Sequencialmente evoluiu para Homo sapiens, Homo faber, Homo ludens, Homo socialis e Homo culturalis.
Conta o homem com um cérebro e sistema nervoso que sob comando da mente lhe imprimem autonomia de pensamento e ação, em perfeita interação cartesiana de corpo e alma E é dotado, segundo certos pensadores, da capacidade de juntar aos conhecimentos por si adquiridos, a memória retroativa, isto é, o patrimônio cultural herdado dos antepassados por via genética. Além disso, acreditam alguns que não é demais concluir que esse ser singular, privilegiado, constituído de corpo e alma (corpus et anima), tenha recebido, potencialmente, o dom da onisciência. Todavia, essa faculdade originária veio a passar pelo estrangulamento de uma espécie de válvula redutora, em beneficio do próprio equilíbrio emocional.
Mas muita indagação ainda paira no ar, à espera de uma resposta definitiva.
William Blake, gravador e escritor espiritualista inglês do século dezoito, passou a vida em pobreza e acessos de loucura que lhe proporcionaram grandiosas visões, aproveitando-as para ilustrar os seus livros e os de Job, Virgílio, Dante e Chaucer. Teria ele, como antípoda da mente, transposto as portas da percepção de que nos fala Aldous Huxley? Se de fato não teve contatos imediatos com a Jerusalém Celestial, a cidade santa descrita no Apocalipse, não deixou de ser um poeta visionário. Escreveu coisas fantásticas sobre os mistérios da vida e versos de beleza extraordinária, como estes:
Ver o universo no grão de areia
E o paraíso em uma flor;
Segurar o infinito na palma de sua mão
E notar a Eternidade em uma hora.
Na “A Evolução Criadora”, sua obra prima, Henri Bergson fala do impulso vital, criador, que se aplica á matéria, e declara que os mais fecundos de todos os sistemas filosóficos têm como base a intuição.
No “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência” e em “Matéria e Memória” ele trata da inserção do espírito no mundo material, afirmando que a integralidade do passado se conserva na memória e que o cérebro apenas filtra as lembranças úteis à ação presente. Para ele, não é a inteligência que chega a compreender a vida, mas a intuição.
Aldous Huxley em suas especulações de ordem filosófica e religiosa, falando de sua experiência com alucinógenos, cita o pesquisador de Cambridge, Dr.C.D.Broad, segundo o qual “será bom considerarmos, muito mais seriamente do que até então temos feito, o tipo de teoria estabelecida por Bergson, com relação à memória e ao senso de percepção.”
Essa teoria acrescenta que a função do cérebro e do sistema nervoso é, principalmente, eliminativa e não produtiva. E segue que cada um de nós seria capaz de lembrar-se, a qualquer momento, de tudo que já ocorreu conosco, bem como de se aperceber de tudo que está acontecendo em qualquer parte do universo. Entretanto, a função do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos, na sua maneira inúteis e sem importância, eliminando muita coisa que, de ouro modo, deveríamos perceber ou recordar constantemente, e deixando passar apenas aquelas poucas sensações selecionadas que, provavelmente, terão utilidade na prática.
O Sonho e ilusões
Outro tema fascinante, que através dos séculos tem mobilizado tantas cabeças pensantes é o sonho - a sequência de imagens e de fenômenos psíquicos que ocorrem durante o sono.
O ato ou efeito de sonhar, propriamente dito, tem caráter involuntário e as imagens oníricas, geralmente ligadas à vida do indivíduo, constituem subsídio de grande interesse para estudos psicanalíticos.
Na mais remota antiguidade e mesmo muito tempo depois, o sonho era considerado como aviso divino, ou sobrenatural, destinado a prevenir o ser humano quanto a determinados acontecimentos.
Nos episódios bíblicos as interpretações de sonhos eram correntes e sempre foram aceitas sem discussão.
Entretanto, nos tempos modernos,vários estudos foram feitos e Freud chegou a elaborar a teoria dos sonhos, mas a sua interpretação é falha.
Como explica Huxley, a maioria dos sonhos diz respeito aos desejos e impulsos instintivos do paciente, bem como aos conflitos que surgem quando esses desejos e impulsos são frustrados por uma desaprovação do consciente, ou por um temor à opinião alheia.
A história de tais impulsos e conflitos é contada em termos de símbolos dramáticos e, na maioria dos sonhos, tais símbolos são monocromáticos. Qual a razão para isso? Suponho, diz ele, que seja porque os símbolos, para terem valor, não precisam ser coloridos. As letras com que escrevemos acerca das rosas não necessitam ser vermelhas, e podemos descrever o arco-íris por meio de sinais negros sobre o papel branco. Os compêndios são ilustrados com gravuras hachuriadas e fotogravuras a meios-tons, o que não impede possam esses diagramas e imagens monocromáticas representar as informações que se desejam.
Por extensão, sonhar também é fantasia, utopia, devaneio, ilusão. Eu, por exemplo, vivo sonhando em acertar na mega sena, pois, segundo velho adágio, um dia a casa cai...
É interessante observar que os sonhos de um homem doente tomam sempre um relevo extraordinário a ponto da própria realidade confundir-se com tais sonhos. O quadro que representam e todos os seus meandros sobre o organismo preso de excitação nervosa são de tal maneira verossímeis, cheios de minúcias tão imprevistas, tão engenhosas e tão adequadas, que o próprio individuo que os sonha seria incapaz de inventá-los acordado, fosse ele um artista da estatura de um Puchkin, ou Turgueniev.
Não é raciocinar com rigorosa lógica - diz um personagem de Dostoievsky, de maneira tão sugestiva - supor que tudo que aparece ao doente é devido ao delírio. Admite-se que as aparições não se mostram senão aos doentes. Mas isso só prova uma coisa: que é preciso estar doente para vê-las, e não que não existem na realidade.
As aparições são, de certa forma, fragmentos de outros mundos, seus embriões. Um homem com saúde não tem naturalmente razão alguma para vê-las, pois um homem são é sobretudo um homem terrestre, isto é material. Deve, portanto, ter uma vida terreal, em termos de harmonia e ordem. Mal, contudo, vem a adoecer e a ordem normal, terrestre, do seu organismo se perturba, a possibilidade de outro mundo começa logo a manifestar-se, enquanto, à medida que se agrava o mal, as relações com esse outro mundo se tornam mais estreitas até que a morte o faça penetrar nele inteiramente.
O homem, individualmente, como qualquer máquina ou entidade, tem duração limitada e está sujeito aos percalços de sua caminhada. Mas se eterniza na sua posteridade, através das gerações. Muitos gostariam de ser lembrados, através de sua obra.
Muito se tem falado e escrito de visões de quem esteve no limiar da morte, ou do outro lado da muralha e, por assim dizer, reviveu. Há quem atribui tais visões aos efeitos das drogas e ou às perturbações do cérebro enfermo.
O fato é que, exceto para os suicidas, isto é, para aqueles que perderam o controle emocional, a morte é indesejada e temida.
A razão disso é que a vida é bela, a tal ponto que muitos têm saudades antecipadas dela, como eu. Para outros o temor provem do desconhecido. Ninguém sabe o que acontece no mundo do além, pois ninguém de lá voltou para contar, a não ser Lázaro, ressuscitado ao terceiro dia da morte. Mas Lázaro nada contou de sua extraordinária experiência...

domingo, 16 de agosto de 2009

A história trágica de Amélia

Daniel Antunes Júnior

Em apêndice de meu livro “Lençóis do Rio Verde - Crônica do Meu Sertão” escrevi a história de Amélia, uma jovem tão tímida, de espírito tão sossegado e calmo, que corava de seus próprios anseios.
Amélia Pereira Freire, ou Amélia Freire Alkimin, era casada com meu tio-avô Evaristo Antunes de Souza, cujo irmão, Dom Lúcio Antunes de Souza foi o primeiro bispo de Botucatu-SP.
Não omiti nenhum detalhe do seu drama e de sua tragédia, esta registrada nos autos do processo-crime, que se encontram nos arquivos da Comarca do antigo Tremedal, hoje Monte Azul.
Abatida rudemente por seu marido, ela sofreu até a morte, sem que contasse com qualquer auxílio, nada podendo fazer senão apelar a um poder mais alto para que a amparasse naquele momento de dor e desespero.
No local de seu holocausto, logo depois de sua ocorrência, foram erguidas duas cruzes, uma maior, outra menor, simbolizando a mãe e o filho que esta trazia em suas entranhas. Há poucos anos, um conterrâneo que mora em São Paulo, devoto de Amélia, em reconhecimento por graça alcançada por sua intercessão, adquiriu o terreno, cena da tragédia, e ali construiu uma capela e um preventório destinado à população carrente.
Pairava no ar uma dúvida quanto ao procedimento da jovem e bela Amélia.
Entretanto, qualquer que tenha sido no passado a sua conduta, ninguém pode negar, em sã consciência, que a morte trágica lhe colocou sobre a fronte uma auréola de luz.
Ninguém pode duvidar que continuamente e cada vez mais, anos a fora, legiões de almas aflitas e sofredoras buscam e alcançam, na invocação de Amélia, um lenitivo para suas dores e um consolo para suas mágoas.
Na verdade, seria estranho que isto pudesse acontecer, sem que algo transcendente tivesse marcado aquele episódio sangrento, ocorrido há cento e cinco anos, na noite fria e estrelada de sexta-feira, 15 de julho de 1904.
Na memória gloriosa de seu sacrifício - a própria imagem do sofrimento que redime e santifica - vê-se que a sensibilidade popular, indiferente aos antecedentes da grande tragédia, instituiu e consagrou a devoção de Ameia, na inspirada crença de que, naquele martírio inenarrável, sua alma foi resgatada pura como o lírio dos pântanos, e resplandecente como sol que brilha no céu límpido, após a noite tenebrosa das tempestades e dos vendavais.
Sua alma goze da glória!

O Prêmio Nobel

Daniel Antunes Júnior

A Fundação Nobel - Nobelstiffelsen, é instituição sueca, regulamentada em 1900, de conformidade com as disposições testamentárias de Alfred Bernard Nobel, químico e industrial nascido em Estocolmo em 1833 e falecido em San Remo em 1896.
Ele foi o inventor da dinamite, (e sua denominação, derivada do grego dinamis - força, potência) obtendo a absorção da nitroglicerina, muito instável, por uma matéria porosa inerte. Criou posteriormente a dinamite-goma - altamente explosiva e largamente usada na indústria, na construção civil e na guerra - composta de nitroglicerina e areia.
Nobel amealhou considerável fortuna e a destinou à premiação anual, que traz o seu nome.
O ato constitutivo da Fundação é o seu testamento, datado de Paris a 27.11.1895 - um manuscrito do próprio punho do instituidor, com apenas 43 linhas.
Alfred Nobel, um amante da paz, viria a falecer no ano seguinte, deixando a totalidade de sua fortuna (mais de 30 milhões de coroas) a um fundo, cuja renda deveria ser distribuída anualmente aos que, no decurso do ano anterior, houvessem “proporcionado maior benefício à humanidade.”

DISTRIBUIÇÃO DA RENDA
A renda seria dividida em cinco partes iguais, a serem distribuídas da seguinte forma: uma parte a cada um dos que houvessem feito a mais importante descoberta ou invenção, ou tivessem dado a melhor contribuição para o desenvolvimento da física, da química e da fisiologia ou medicina; uma parte a quem produzisse a melhor obra no campo da literatura, e uma parte a quem tivesse desenvolvido o máximo esforço no sentido de promover a fraternidade das nações, a abolição ou redução dos exércitos permanentes e a formação e propagação de um congresso de paz.
Não há dúvida de que o Prêmio Nobel é a mais notável láurea concedida a indivíduos ou instituições que se destacaram nas respectivas áreas da cultura universal.
A propósito lembremos que láurea ou laurel é expressão derivada do latim laurus (loureiro), cujas folhas coroavam os generais vitoriosos - os heróis da Roma antiga.
Por suas características singulares, ao distinguir cidadãos do mundo por seu talento e seu trabalho visando ao progresso e ao bem estar da sociedade humana, independentemente de sua nacionalidade, os prêmios Nobel, a partir de 1901, conferem aos agraciados sólida e definitiva reputação.
Indiscutível é o nível artístico, técnico e científico dessa que é a maior promoção da inteligência, da operosidade e da capacidade criativa do ser humano, aferido pela Real Academia Sueca de Ciências, pelo Instituto Médico-Cirúrgico Karolinska e ainda pela Comissão Nobel do parlamento norueguês.
Significativo e louvável é o caráter universal, equitativo e livre, da premiação. Basta dizer, por exemplo, que o prêmio de Literatura, desde a sua instituição, já foi outorgado a escritores de nada menos de quarenta países espalhados pelos cinco continentes. O campeão foi a França, com 12 prêmios, seguida de perto pelos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.

NA TERRA DOS VIKINGS
Para divertir o leitor, e sem pretender desviar o rumo ou o tom comedido desta exposição, abro espaço para narrar um fato pitoresco e bem humorado. Num tour pela Europa, tive a idéia de trazer um souvenir de cada Pais.
Assim, ao chegar à Escandinávia, já havia adquirido, em Roma, a miniatura da loba amamentado Remo e Rômulo; em Paris, a da Torre Eiffel; em Madrid, a de um touro negro e chifrudo; em Lisboa, a do Galo de Barcelos; em Copenhagen, a da Pequena Sereia; em Londres a do soldadinho que guarda a rainha, no Castelo de Windsor, além de outras.
Chegara a vez de adquirir uma lembrança da terra dos Vikings, grandes navegadores. Então, perguntei à nossa graciosa cicerone:
- Por que será que os vikings usavam chifres?
Ela pensou um pouco e depois respondeu, de maneira surpreendente:
- Sei não... Mas acho que é porque eles viajavam muito...

O LOCAL DAS PREMIAÇÕES
Tive o privilégio de conhecer, pessoalmente, em Stokholmo, o local e as magníficas instalações em que são realizadas as imponentes solenidades da entrega dos prêmios Nobel, todos os anos, com as interrupções verificadas durante as duas guerras mundiais. As instalações são primorosas, dignas da magnificência do grande evento.
A premiação tem valor monetário significativo, mas condicionado às rendas do fundo. Entretanto, seu valor simbólico é incalculável.

À outorga do Prêmio Nobel não faz sombra a consagração conferida aos virtuoses das artes plásticas e da escultura, que deslumbram multidões nas melhores galerias e museus dos grandes centros; nem tão pouco a popularidade e renome alcançados por compositores, artistas e intérpretes que deleitaram e deleitam tantos aficionados da música, do balé e dos concertos sinfônicos no Alla Scala de Milão, na Opera de Paris, ou no Couvent Garden de Londres - para só falar dos mais importantes teatros de ópera e de espetáculos do mundo.
Em tais ambientes de refinamento se elevaram à glória Rossini, Donizetti, Verdi, Toscanini, Nijinski, Pavlova, Galina Ulanova, Isadora Duncan, Caruso, Maria Callas e tantos outros que atuaram magistralmente, mas diante de um público privilegiado.
E ainda, não lhe chega aos pés o cobiçado Oscar da Academia Cinematográfica de Holywood, que galardoa, com pompa e circunstância e sob grande publicidade, os expoentes máximos da sétima arte - a mais notável e acessível das atrações populares dos tempos modernos.

Como se vê, o prêmio Nobel, está voltado para o progresso da humanidade e, sem grande alarde, foi inspirado e mantido pela sensibilidade de um nobre cidadão, inicialmente para cinco agraciados anuais. Atualmente são seis as suas categorias e, de certa forma, tem alcance maior do que qualquer outro prêmio de incentivo à cultura. São elas: de Economia, Física, Literatura, Medicina, Paz e Química.

O PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA
O prêmio Nobel de Economia, também chamado de Prêmio Severiges, foi instituído em 1968 pela Real Academia de Ciências Sueca, às expensas do Banco Central da Suécia - o Severiges Riksbank . Foi uma homenagem à memória de Alfred Nobel, que além de ter sido considerado um cidadão superidealista, foi empresário bem sucedido do ponto de vista econômico, revelando-se grande mecenas. Esse prêmio começou a ser distribuído no ano seguinte, 1969, e até 2006 completou o total de 58 premiações das quais os Estados Unidos ficaram com nada menos de 38.
Inegável, o acerto dos temas escolhidos.Segundo as melhores definições,
Física é a ciência que estuda as leis que regem os fenômenos naturais susceptíveis de ser examinados pela observação e experimentação, procurando enquadrá-los em esquemas lógicos;
Química é a senhora e escrava do homem. Do berço ao túmulo é o homem completamente governado por suas ações e reações. É estudo científico da constituição da matéria, suas propriedades e transformações substanciais. Seguindo suas leis, o homem, em proveito próprio, manipula os elementos, em combinações que variam ao infinito.
Medicina é arte e ciência de curar ou atenuar as doenças; Fisiologia é parte da Biologia que estuda as funções dos organismos dos seres vivos, animais ou vegetais.
Paz é a tranqüilidade pública, concórdia, sossego, cessação de hostilidade, silencio, descanso; a própria bem-aventurança;
Economia é a boa ordem em qualquer administração particular ou pública; a harmonia das partes com o todo. Em ouros termos, é o poder que governa o mundo; e
Literatura fala de tudo isso e o céu também.
Em suma, a competição dos Prêmios Nobel é uma espécie de olimpíada cultural, de que podem participar nacionais de todos os continentes. E o dinamismo da premiação é assegurado pela circunstância de contemplar as produções, ou sua ressonância, do ano precedente.
Sem dúvida alguma, a outorga do Prêmio Nobel reflete a qualidade de um país, suas aptidões e seu desenvolvimento global - cultural, econômico, técnico e científico, pondo em destaque o gênio inventivo e a capacidade criativa de seus filhos.

O RANKING DOS PREMIADOS
Eis o ranking dos países que, segundo página da Internet, mais ganharam o prêmio Nobel, desde a sua instituição até 2005:
Países Econ. Física Liter. Med. Paz Quím. Total
USA 37 75 10 82 19 52 275
R.Unido 8 22 10 28 12 25 105
Alemanha 1 22 8 15 4 27 77
Suécia 2 4 6 8 5 4 29

A primeira premiação, em 1901, foi a seguinte: de Física a W.C. Röntgen da Alemanha; de Literatura a Sully Prudhomme, da França; de Medicina e Fisiologia a Von Bering, da Alemanha; de Paz a H.Dunant, da Suíça; e de Química a Van t´Hoff, dos Países Baixos.

PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA
Atemo-nos ao mais charmoso dos prêmios Nobel, destinado a pessoas que “no domínio da literatura compuseram, no ano anterior ao da premiação, a mais notável obra de inspiração idealista”, independentemente de sua nacionalidade, raça, língua e convicções religiosas.
Observa a Editora Delta, responsável pela publicação da coletânea dos prêmios Nobel em português (com capa de Picasso), que a concessão anual do maior galardão da republica universal das letras, é acolhida com interesse cada vez mais intenso. Os motivos da decisão, a personalidade e a obra do laureado, as discussões precedentes à outorga do laurel, a maneira por que é atribuído, excitam a natural curiosidade dos leitores cultos do mundo inteiro.
A extensa relação de laureados do Prêmio Nobel de Literatura pode ser considerada como representativa da evolução verificada neste setor, em cada país.

OS AGRACIADOS MAIS CONHECIDOS
Ao longo dos anos, dentre os autores agraciados, os mais conhecidos e de diversas nacionalidades, foram: Bernard Show, Fulkner, Gide, Hemingway, Henri Bergson, Hermann Hesse, Kipling, Maeterlinck, Mauriac, O´Neil, Pasternack, Pirandelo, Rabindranath Tagore, Romain Rolland, Sartre, Selma Langerlof, Steinbeck, Sienkiewicz, T.S Eliot, e Thomas Mann.
Dos latino-americanos tivemos:Gabriela Mistral e Pablo Neruda, do Chile, Miguel Angel Astúrias, da Guatemala, Gabriel Garcia Marquez, da Colômbia.
A literatura pode ser equiparada ao retrato falado de um povo, pois reflete o rolar de sua vida, sua cultura, sua história, seu folclore, suas tradições, seus usos e costumes através dos tempos.
E de todas as suas modalidades, em todo o mundo, destaca-se o conto. Um conto bem estruturado pode ser o resumo de um romance.
Sua popularidade deriva do fato de ser uma narrativa curta, sucinta, para ser lida de uma assentada. Guimarães Rosa batizou-a de sagarana, termo composto de saga (lenda ou narrativa de origem escandinava) e rana (pospositivo de origem tupi que significa semelhante, parecido a).
Alguns dos agraciados do Nobel escreveram contos e não apenas romances ou novelas. Dentre eles, destacamos o polonês Henryk Sienkiewicz, autor do romance histórico, o mundialmente famoso Quo Vadis?. Todavia, tomou-se por base o seu delicioso conto “O Faroleiro” e outros, cujo volume foi publicado como uma de suas obras mais importantes.

AUSÊNCIA DO BRASIL
A difusão de uma literatura além de suas fronteiras é obstada, obviamente, por dificuldades lingüísticas. Muitas vezes, ao serem passadas para outro idioma, a obra perde parte do seu sabor. Entretanto, este não é um problema incontornável.
Mas, lamentavelmente, o Brasil ainda não se fez presente em nenhuma das categorias do Prêmio Nobel, nem mesmo na de Literatura, apesar de nossa cultura geral e de termos tantos escritores primorosos, como Machado de Assis, Carlos Drumond de Andrade, Jorge Amado, Guimarães Rosa e muitos outros, muitos dos quais tiveram edições em línguas estrangeiras.
Guimarães Rosa, por exemplo, foi traduzido em diversas línguas e sua obra é mundialmente conhecida e apreciada...
Em toda a América do Sul, além da Argentina, com um prêmio da Paz, outro de Medicina, até o momento apenas o Chile, com Gabriela Mistral e Pablo Neruda; a Guatemala com Miguel Angel Asturias, e a Colômbia com Gabriel Garcia Marquez, fazem parte desse Clube seleto da cultura universal, com prêmios de Literatura.
O critério de seleção e eleição dos postulantes é exigente e não pode ficar à mercê de aventureiros, inclusive autores que se valem de bem montado marketing editorial, com feroz e rica publicidade, para auto-promover-se.
Na Literatura, como em qualquer outra atividade criativa, é preciso separar o joio do trigo. O joio, coisa ruim, daninha, é sempre invasor e prejudica o que há de melhor.
Assim, as indicações devem recair em obras de real mérito, e ser bem fundamentadas, levando o aval e a chancela de instituições realmente idôneas.
Contamos com um manancial de bons autores, que se equiparam aos melhores do mundo inteiro, e não se compreende porque ainda não temos o prêmio Nobel, pelo menos o de Literatura.
A verdade é que, para todas as categorias, não nos faltaram bons candidatos, tais como: Cesar Lattes e Santos Dumont, para Física; Adelino Leal (o professor que ensinava no laboratório), de renome internacional, mas infelizmente esquecido no Brasil, para Química; Carlos Chagas, Oswaldo Cruz, Hilton Rocha, Ivo Pitangui e Zerbini, para Fisiologia e Medicina; Marechal Rondon e Rui Barbosa, para a Paz; Roberto Campos e Eugênio Gudin, para Economia, e Guimarães Rosa e tantos outros para Literatura.
Não devemos esperar que um prêmio dessa magnitude nos caia do céu, de mão beijada...
Ainda é tempo de nossas Academias de Letras, Universidades e outras Instituições arregaçarem as mangas, com a colaboração do Itamarati - o Serviço Diplomático -, disputando um lugar ao Sol para nossa Pátria, nessa grande maratona da inteligência e da cultura universais.
Os bons ventos não contemplam aos que dormem...

A burrice é uma ciência

De tanto ver pessoas burras mandando em homens inteligentes, que às vezes penso que a burrice é uma ciência. Rui Barbosa

O barato da vida

O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho de sua história. Carlos Drumond de Andrade.