quinta-feira, 1 de outubro de 2015

AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
                                                                                                                  Daniel Antunes  Júnior
                                                                                      Patrono–Teófilo Otoni

A primeira Carta Magna do Brasil foi a de 1824, outorgada por Dom Pedro I, logo depois do grito da Independência em  1822.
Inspirada  nas teorias constitucionais de Benjamin Constant e Montesquieu, foi esboçada por Antônio Carlos de Andrada, tomando-se como modelo a Constituição francesa de 1791, de feição liberal. Embora não tenha sido das mais enxutas, foi a única do Império e, reformada  pelo  Acto  Adicional  da regência, em 1834, já ao tempo de Dom Pedro II,  e pela  Lei de Interpretação, de 1840, teve vigência   até a proclamação da República,  em 1889.  Durou, portanto,  67 anos.
Vejamos,  a seguir, as outras Constituições.
A  República do Brasil, grande aspiração  dos  Inconfidentes Mineiros, de 1789, e uma das  mais nova da América do Sul, foi proclamada em 1889, exatamente um século  depois,  pelo Mal. Deodoro da Fonseca  que,  como se comenta, não sabia ou não estava à altura do que estava fazendo. Em outas palavras, a nossa  República   foi mal fundada e, na verdade, não tem sido bem sucedida, em termos políticos,  ao longo dos  seus  conturbados 126 anos de vigência.
                              Tal foi o despreparo dos responsáveis pela criação  da nova forma  de governo, que o próprio Deodoro se afastou da presidência provisória, seja por incompetência, ou por alguma incompatibilidade,  cerca de um ano depois, cabendo a Floriano Peixoto, a duras penas, implantar o novo regime político.
Apesar de  velho o sonho republicano, remontando  à  Declaração de Independência  americana, de 1776, as coisas aqui  não se organizaram a contento. As improvisações foram muitas. Faltou-nos um Thomas Jefferson, e apelamos para as imitações, nem sempre felizes, ou feitas às  avessas, senão açodadas, como a de batizarmo-nos  de “República dos Estados Unidos do Brasil” (atualmente República Federativa do Brasil)  e a de adotarmos a  Bandeira nacional,  de 19.11.1891, de faixas verdes e amarelas com um quadrado no canto esquerdo, ao alto, representando os Estados (depois mudada),  cópia fiel do modelo americano.
É bem verdade que o nosso regime monárquico teve seus dias tumultuosos, mas nem  tanto como na República. E até parece que rogaram  uma praga, por terem tratado tão mal o Imperador deposto. Consta que chegaram a oferecer-lhe certas compensações sonantes, que teriam sido recusadas.
O fato é  que este imenso  País, ao se tornar uma República, exatamente cem anos depois do sacrifício de Tiradentes, nunca teve a desejável e duradoura estabilidade econômica, política e social. Trocamos de regimes e de Constituições, como se troca de camisas.
Em cada uma das etapas desse  vai-não-vai interminável, raros e breves foram os hiatos de calmaria.
Desta forma, as nossas ordenações jurídicas, com leis que pegam e leis que não pegam, (como dizia Roberto Campos) tiveram,  como âncora, uma  Constituição Federal de plantão, cada uma  marcada  pelo signo da inconsistência e efemeridade. 
No período republicano  já experimentamos nada menos de seis constituições, atreladas a seis modelos ou formas de governo, passando 1) pela democracia liberal presidencialista, 2) pela ditadura absoluta (sem parlamento, sem eleição e com mordaça), 3) pela democracia presidencialista com sindicalismo e esforço  desenvolvimentista, 4) pela democracia parlamentarista, 5) pelo regime militar centralizado, com parlamento  e eleições indiretas, 6) novamente pela democracia presidencialista, vulnerável à todo tipo de corrupção e irresponsabilidade.
Os partidos políticos,  na República, (ultimamente com proliferação surpreendente) têm sido tão perecíveis como os regimes em que sugiram, ao sabor das conveniências momentâneas.
A moeda nacional, por sua vez, submetida ao completo e endêmico descontrole da nossa economia, com planos frustrados e inflação galopante recorrente, passando do mil reis a cruzeiro e cruzado, velhos e novos,  já contabiliza nada menos de onze alterações em valores e denominações.
Não se diga que cada mudança de Constituição, de regime político e de modelo de administração pública, representou um nobre ideal, uma conquista, ou  um  avanço de aperfeiçoamento. Antes, revela certo  grau de imaturidade, ou indigência de  visão duradoura, da classe política.


Constituição de 1891
A Carta de 1891, de feição  federalista e liberal, que teve Rui Barbosa como um dos seus principais artífices, foi rasgada pela Revolução  Liberal   de 1930, inaugurando o vezo do desrespeito às instituições.  Dizia-se que a “República Velha”,  com a oligarquia da política do “café- com- leite”, (hegemonia  São Paulo/Minas)  e as  chamadas eleições a “bico-de-pena”, tinha uma Constituição viciosa, exaurida e decrepita – o que não era a expressão da verdade. Dizia-se que o processo eleitoral  permitia fraudes através do sistema de depuração dos votos, consignando nas atas resultados falsos. Mas, ironicamente,  tinha-se como certo que os eleitos eram sempre os melhores... Bastava combater a fraude, mas preferiram dar o golpe.
                           No período republicano foi a Carta  que mais durou: 43 anos de vigência.

                           Constituição de 1934
A Carta Magna de 1934, promulgada por uma Assembleia Constituinte, com as influências do pós Guerra Mundial de 1914/1918, teve como novidade a instituição da Justiça do Trabalho e a reformulação do  sistema eleitoral. Mas foi quase natimorta, porque não agradou aos  revolucionários de 1930.  Durou pouco mais de três anos...
Constituição de 1937
A seguir tivemos a Constituição de 1937, chamada de “a polaca”, de influência fascista, da lavra do mineiro Chico Ciência, e encomendada pelo gaúcho Getúlio Vargas que, num golpe de Estado, como “pai da pátria,”  outorgou-a, e permaneceu no poder pelo “curto espaço de 15 anos”, quando implantou o direito trabalhista, desejável mas de cunho paternalista e o  sistema assistencial, ainda dominantes, sem cuidar ,antes,  do desenvolvimento das fontes de  produção, capazes de sustenta-los.  A manobra golpista teve a falsa justificativa de que, com o hipotético Plano Cohen, supostamente comunista, o povo estaria com  “sua paz politica e social profundamente perturbadas por conhecidos fatores de desordem.” Dourando a pílula, dizia-se que “todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido...” O culto à personalidade do ditador, a cargo do famigerado DIP, chegou ao paroxismo. Foi uma ditadura feroz, com mordaça, polícia secreta e lei de segurança nacional. Além disso,  legiferante sem parlamento. Um tremendo retrocesso, em termos de democracia. A “polaca”, de triste memória, foi abortada aos 9 anos.
Constituição de 1946
Após a derrubada do ditador, que caiu de maduro, a exemplo de seus colegas nazifascistas, foi promulgada por uma Assembleia, eleita com o novo presidente, a Constituição democrática  de 1946 – uma reprodução melhorada da de 1934. Embora criticada como detalhista, a nova Carta evoluiu, ampliando os direitos fundamentais do cidadão e balizando novos rumos para o desenvolvimento nacional, com a economia mundial em reconstrução, finda pouco antes a segunda Grande Guerra. A Carta de 1946, com a redemocratização do País,  durou 21 anos

Constituição de 1967
O período de pós Guerra Mundial foi marcado, no Brasil, de muita turbulência política, passando pelo suicídio de Getúlio Vargas (que se elegera livremente, depois da ditadura, e se deu mal);  pela intervenção do Mal Lott, para garantir a  posse de JK;  pela  construção de  Brasília;  pela renúncia de Jânio Quadros,  e pela frustrada experiência do regime parlamentarista. E finalmente, graças às  desordens intestinas permitidas  ou toleradas pela democracia, tivemos a destituição de Jango Goulart na presidência, e a implantação do regime militar, com Ato Institucional e  cassações. A nova  Constituição manteve o parlamento e institui as eleições indiretas. Durou também 21 anos.

Constituição de 1988
Após o regime militar, viemos a ter a Carta Magna atual, com 325 artigos, que Ulysses Guimarães batizou de “Cidadã”, restabelecendo-se a ordem democrática, as eleições diretas e criando a  excrescência  da Medida Provisória. Desde que foi promulgada, Já com 27 anos, tal Carta, tida como analítica, é  mais cortesã que cidadã.  Tão capenga, já foi remendada quase uma centena de vezes, assemelhando-se  a uma colcha de  retalhos.

Como vemos, desde o advento da República, o Brasil  vem se debatendo como uma nau sem rumo em mar revolto,  na busca infrutífera de um porto seguro onde possa firmar, com acerto e dignidade, a própria identidade,   promovendo o seu desenvolvimento político econômico e social, de modo justo e sustentável,  como País soberano, sério e  respeitável.
A Constituição de um País -  sua lei máxima à qual as outras leis devem ajustar-se, -  constitui o cerne das ordenações jurídicas que regem a vida  nacional e, como tal,  deve ser clara, consistente , justa, coerente e definitiva.
Entretanto as nossas numerosas Cartas republicanas têm sido  documentos provisórios, efêmeros, insatisfatórios.
É inacreditável como podemos aceitar passivamente, neste País de tanta potencialidade, e com  um povo tão generoso, o fato melancólico de que  vivemos e agimos sob o signo da instabilidade política, e por extensão econômica, como se depreende  da  transitoriedade  das peças que foram a nossa Carta Magna. Vejamos a eloquência  instigante do quadro abaixo.
Anos de vigência das Constituições:
Imperial           1824  -   67  
Republicanas:  1891  -  43  
                           1934  -    3  
                           1937  -    9  
                           1946  -  21 
                           1967  -  21 
                           1988  -  27 

Se realmente Deus é brasileiro, como dizem, imploremos as  suas bênçãos especiais para a nossa terra, e o advento de uma era de paz e fraternidade  neste mundo maravilhoso em que vivemos.