AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
Daniel Antunes Júnior
Patrono–Teófilo Otoni
A primeira Carta Magna do Brasil foi a de 1824, outorgada por
Dom Pedro I, logo depois do grito da Independência em 1822.
Inspirada nas teorias
constitucionais de Benjamin Constant e Montesquieu, foi esboçada por Antônio
Carlos de Andrada, tomando-se como modelo a Constituição francesa de 1791, de
feição liberal. Embora não tenha sido das mais enxutas, foi a única do Império
e, reformada pelo Acto
Adicional da regência, em 1834,
já ao tempo de Dom Pedro II, e pela Lei de Interpretação, de 1840, teve
vigência até a proclamação da
República, em 1889. Durou, portanto, 67 anos.
Vejamos, a seguir, as outras Constituições.
A República do Brasil, grande
aspiração dos Inconfidentes Mineiros, de 1789, e uma
das mais nova da América do Sul, foi
proclamada em 1889, exatamente um século
depois, pelo Mal. Deodoro da
Fonseca que, como se comenta, não sabia ou não estava à
altura do que estava fazendo. Em outas palavras, a nossa República
foi mal fundada e, na verdade, não tem sido bem sucedida, em termos
políticos, ao longo dos seus
conturbados 126 anos de vigência.
Tal
foi o despreparo dos responsáveis pela criação
da nova forma de governo, que o
próprio Deodoro se afastou da presidência provisória, seja por incompetência,
ou por alguma incompatibilidade, cerca
de um ano depois, cabendo a Floriano Peixoto, a duras penas, implantar o novo
regime político.
Apesar de velho o sonho
republicano, remontando à Declaração de Independência americana, de 1776, as coisas aqui não se organizaram a contento. As
improvisações foram muitas. Faltou-nos um Thomas Jefferson, e apelamos para as
imitações, nem sempre felizes, ou feitas às
avessas, senão açodadas, como a de batizarmo-nos de “República dos Estados Unidos do Brasil”
(atualmente República Federativa do Brasil)
e a de adotarmos a Bandeira
nacional, de 19.11.1891, de faixas verdes
e amarelas com um quadrado no canto esquerdo, ao alto, representando os Estados
(depois mudada), cópia fiel do modelo
americano.
É bem verdade que o nosso regime monárquico teve seus dias tumultuosos,
mas nem tanto como na República. E até
parece que rogaram uma praga, por terem
tratado tão mal o Imperador deposto. Consta que chegaram a oferecer-lhe certas
compensações sonantes, que teriam sido recusadas.
O fato é que este imenso País, ao se tornar uma República, exatamente
cem anos depois do sacrifício de Tiradentes, nunca teve a desejável e duradoura
estabilidade econômica, política e social. Trocamos de regimes e de
Constituições, como se troca de camisas.
Em cada uma das etapas desse
vai-não-vai interminável, raros e breves foram os hiatos de calmaria.
Desta forma, as nossas ordenações jurídicas, com leis que pegam e leis que não pegam, (como dizia Roberto
Campos) tiveram, como âncora, uma Constituição Federal de plantão, cada
uma marcada pelo signo da inconsistência e
efemeridade.
No período republicano já
experimentamos nada menos de seis constituições, atreladas a seis modelos ou
formas de governo, passando 1) pela democracia liberal presidencialista, 2)
pela ditadura absoluta (sem parlamento, sem eleição e com mordaça), 3) pela
democracia presidencialista com sindicalismo e esforço desenvolvimentista, 4) pela democracia
parlamentarista, 5) pelo regime militar centralizado, com parlamento e eleições indiretas, 6) novamente pela
democracia presidencialista, vulnerável à todo tipo de corrupção e
irresponsabilidade.
Os partidos políticos, na
República, (ultimamente com proliferação surpreendente) têm sido tão perecíveis
como os regimes em que sugiram, ao sabor das conveniências momentâneas.
A moeda nacional, por sua vez, submetida ao completo e endêmico
descontrole da nossa economia, com planos frustrados e inflação galopante
recorrente, passando do mil reis a
cruzeiro e cruzado, velhos e novos, já contabiliza nada menos de onze
alterações em valores e denominações.
Não se diga que cada mudança de Constituição, de regime político e de
modelo de administração pública, representou um nobre ideal, uma conquista,
ou um
avanço de aperfeiçoamento. Antes, revela certo grau de imaturidade, ou indigência de visão duradoura, da classe política.
Constituição de 1891
A Carta de 1891, de feição
federalista e liberal, que teve Rui Barbosa como um dos seus principais
artífices, foi rasgada pela Revolução
Liberal de 1930, inaugurando o
vezo do desrespeito às instituições.
Dizia-se que a “República Velha”,
com a oligarquia da política do “café- com- leite”, (hegemonia São Paulo/Minas) e as
chamadas eleições a “bico-de-pena”, tinha uma Constituição viciosa,
exaurida e decrepita – o que não era a expressão da verdade. Dizia-se que o
processo eleitoral permitia fraudes
através do sistema de depuração dos votos, consignando nas atas resultados
falsos. Mas, ironicamente, tinha-se como
certo que os eleitos eram sempre os melhores... Bastava combater a fraude, mas
preferiram dar o golpe.
No período
republicano foi a Carta que mais durou:
43 anos de vigência.
Constituição de 1934
A Carta Magna de 1934, promulgada por uma Assembleia Constituinte, com
as influências do pós Guerra Mundial de 1914/1918, teve como novidade a
instituição da Justiça do Trabalho e a reformulação do sistema eleitoral. Mas foi quase natimorta,
porque não agradou aos revolucionários
de 1930. Durou pouco mais de três
anos...
Constituição de 1937
A seguir tivemos a Constituição de 1937, chamada de “a polaca”, de
influência fascista, da lavra do mineiro Chico Ciência, e encomendada pelo
gaúcho Getúlio Vargas que, num golpe de Estado, como “pai da pátria,” outorgou-a, e permaneceu no poder pelo “curto
espaço de 15 anos”, quando implantou o direito trabalhista, desejável mas de
cunho paternalista e o sistema assistencial,
ainda dominantes, sem cuidar ,antes, do
desenvolvimento das fontes de produção,
capazes de sustenta-los. A manobra
golpista teve a falsa justificativa de que, com o hipotético Plano Cohen,
supostamente comunista, o povo estaria com
“sua paz politica e social profundamente perturbadas por conhecidos
fatores de desordem.” Dourando a pílula, dizia-se que “todo o poder emana do
povo e em seu nome é exercido...” O culto à personalidade do ditador, a cargo
do famigerado DIP, chegou ao paroxismo. Foi uma ditadura feroz, com mordaça,
polícia secreta e lei de segurança nacional. Além disso, legiferante sem parlamento. Um tremendo
retrocesso, em termos de democracia. A “polaca”, de triste memória, foi
abortada aos 9 anos.
Constituição de 1946
Após a derrubada do ditador, que caiu de maduro, a exemplo de seus
colegas nazifascistas, foi promulgada por uma Assembleia, eleita com o novo
presidente, a Constituição democrática
de 1946 – uma reprodução melhorada da de 1934. Embora criticada como
detalhista, a nova Carta evoluiu, ampliando os direitos fundamentais do cidadão
e balizando novos rumos para o desenvolvimento nacional, com a economia mundial
em reconstrução, finda pouco antes a segunda Grande Guerra. A Carta de 1946,
com a redemocratização do País, durou 21
anos
Constituição de 1967
O período de pós Guerra Mundial foi marcado, no Brasil, de muita
turbulência política, passando pelo suicídio de Getúlio Vargas (que se elegera
livremente, depois da ditadura, e se deu mal);
pela intervenção do Mal Lott, para garantir a posse de JK;
pela construção de Brasília;
pela renúncia de Jânio Quadros, e
pela frustrada experiência do regime parlamentarista. E finalmente, graças
às desordens intestinas permitidas ou toleradas pela democracia, tivemos a destituição
de Jango Goulart na presidência, e a implantação do regime militar, com Ato
Institucional e cassações. A nova Constituição manteve o parlamento e institui
as eleições indiretas. Durou também 21 anos.
Constituição de 1988
Após o regime militar, viemos a ter a Carta Magna atual, com 325
artigos, que Ulysses Guimarães batizou de “Cidadã”, restabelecendo-se a ordem
democrática, as eleições diretas e criando a
excrescência da Medida
Provisória. Desde que foi promulgada, Já com 27 anos, tal Carta, tida como
analítica, é mais cortesã que
cidadã. Tão capenga, já foi remendada
quase uma centena de vezes, assemelhando-se
a uma colcha de retalhos.
Como vemos, desde o advento da República, o Brasil vem se debatendo como uma nau sem rumo em mar
revolto, na busca infrutífera de um
porto seguro onde possa firmar, com acerto e dignidade, a própria
identidade, promovendo o seu
desenvolvimento político econômico e social, de modo justo e sustentável, como País soberano, sério e respeitável.
A Constituição de um País - sua
lei máxima à qual as outras leis devem ajustar-se, - constitui o cerne das ordenações jurídicas
que regem a vida nacional e, como
tal, deve ser clara, consistente ,
justa, coerente e definitiva.
Entretanto as nossas numerosas Cartas republicanas têm sido documentos provisórios, efêmeros,
insatisfatórios.
É inacreditável como podemos aceitar passivamente, neste País de tanta
potencialidade, e com um povo tão
generoso, o fato melancólico de que
vivemos e agimos sob o signo da instabilidade política, e por extensão
econômica, como se depreende da transitoriedade das peças que foram a nossa Carta Magna.
Vejamos a eloquência instigante do
quadro abaixo.
Anos de vigência das Constituições:
Imperial 1824 -
67
Republicanas: 1891 -
43
1934
- 3
1937
- 9
1946
- 21
1967
- 21
1988
- 27
Se realmente Deus é brasileiro, como dizem, imploremos as suas bênçãos especiais para a nossa terra, e
o advento de uma era de paz e fraternidade
neste mundo maravilhoso em que vivemos.