Daniel Antunes Junior
Cadeira 43 - Patrono
Teófilo Benedito Otoni
Desde os tempos da
colonização brasileira até aos nossos dias, com predominância no período
imperial, tivemos em nossa querida e altaneira Minas Gerais, vários exemplos de
mulheres valorosas.
Cada qual a seu modo,
empolgando a mente dos homens, com determinação, coragem e desenvoltura, elas marcaram
época, deixando após si um rastro de notoriedade. Dentre outros, destacam-se os casos, de Chica da Silva, de Diamantina,
- a “escrava que virou rainha”, - o de Dona
Beija – a famosa cortesã do Araxá, - e o da
quase lendária Joaquina do Pompeu – a “Sinhá Braba”, que teria recebido
do Imperador, de presente por seus feitos, um cacho de banana de ouro...
Todas elas fizeram
jus a extensas e expressivas biografias. Chica da Silva e Dona Beija foram
protagonistas de festejadas novelas de televisão, e a matriarca Dona Joaquina Bernarda
da Silva de Abreu Castelo Branco, - cuja fama é bem maior que o próprio nome
- deixou enorme e conspícua
descendência, da qual fazem parte o jurista Francisco Campos, o “Chico
Ciência”, e o Dr. Deusdedit Pinto Ribeiro de Campos, nosso ilustre e tranquilo
consócio no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Tivemos mais as três
Marias, que igualmente enriqueceram a nossa história: Maria da Cruz, nas
barrancas do Rio São Francisco, Maria Tangará, em Pitangui, e Maria Rosária,
nos confins de Minas com a Bahia, - esta,
ainda pouco conhecida dos nossos escribas.
Note-se que estas três
Marias nada têm a ver com a florescente cidade de Três Marias, que fica próxima
da Hidrelétrica do mesmo nome, no Rio São Francisco. O nome da cidade é
merecida homenagem a outras três Marias: Maria Francisca, Maria das Dores e
Maria Geralda, que outrora, naquele mesmo lugar, sucedendo aos pais, mantinham
a modesta pensão, na qual pousavam tropeiros e viajantes que passavam por ali.
Foi assim que, da simplicidade cativante das
três irmãs pioneiras, - tomadas como símbolos da hospitalidade de nossa gente, -
surgiu o nome que pegou para ficar, distinguindo a cidade menina, vocacionada
para o progresso e cheia de vida.
Mas vamos falar aqui, de modo especial, apenas
de uma das seis Marias, a do extremo Norte de Minas, com um histórico controverso,
que clama por uma análise serena e isenta de preconceitos.
Maria Rosária da Rocha Pereira foi, antes de
tudo, uma desbravadora dos nossos sertões.
O aprazível sitio,
por ela adquirido, estendia-se num grande vale, que ia de serra a serra, atravessado
pelo Rio Tremedal, tendo de um lado a destacada montanha da Sela Gineta e, do outro,
o portentoso monte azul, nos contrafortes da Serra Geral, descortinando-se
magnifico panorama. O lugar nada tinha de pantanoso, a não ser pequena área,
onde se formou vistoso coqueiral, semelhante a um oásis. Situava-se no chamado
Sertão do Rio Pardo, e integrava o patrimônio territorial da Casa da Ponte,
sucessora do Morgadio Guedes de Brito. Sua aquisição foi realizada ainda no
último quartel do século 18, razão pela qual seu registro, com os limites e
confrontações, não consta no Livro do Tombo, datado de 1819.
Mas nesse documento
histórico, o nome de Maria Rosária é citado, como confinante, no registro do
Sítio Riacho Seco, nas proximidades da Serra Geral, arrendado por Antônio de Macedo Portugal.
Além disso, na
escrituração dos sítios de Bom Sucesso, Dourados, Lençóis, Pajeú e Riacho
Abaixo, situados no entorno do arraial
que hoje é a cidade de Monte Azul, há referências ao Rio Tremedal, ao caminho
de Tremedal e até ao próprio sítio de Tremedal, ficando evidente que dito
arraial surgiu antes do ano 1800.
A legendária Maria
Rosária, amasiada com o português Pompeu, que morreu assassinado por questões
de terras, foi a fundadora do antigo Tremedal, hoje cidade e comarca de Monte
Azul, outrora das mais extensas do nosso
Estado.
Na época, toda aquela
região estava infestada de aventureiros, ignorantes e valentões, Mas Maria
Rosaria, mulher destemida, sabia lidar com eles, impondo sua autoridade.
Grande faixa do extremo Norte de Minas
pertencia à Província da Bahia, e integrava a sua grande Comarca de Jacobina.
Por volta de 1760, essa área
transferiu-se, para a Capitania de Minas Gerais, e Tremedal passou a compor o
Distrito de Minas Novas, na Comarca da
Vila do Príncipe do Serro Frio, atual cidade do Serro.
Em 1819 era titular da
Casa da Ponte o 6º Conde, Gal. João da
Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de Brito, filho do Marquês Manuel Saldanha da Gama,
(descendente grande navegador Vasco da Gama).
O Marquês, ficando viúvo
da morgadinha Joana Caldeira Pimentel Guedes de Brito (da qual herdou todo o
patrimônio dos Guedes de Brito), casou-se, em segundas núpcias com a viúva
Francisca Joana Josefa da Câmara, mãe do Conde.
Como se vê, o General
não descendia, geneticamente, do morgado Antônio Guedes de Brito, mas adotou o sobrenome deste, somado a outros, em
razão de seu casamento e atendendo a disposições institucionais do
morgadio.
O 6° Conde da Ponte
foi também Governador Geral da Província da Bahia, de 1805 a 1809. Foi ele quem
recebeu, na então capital de Salvador, em 1808, a família real de Dom João VI,
com uma numerosa comitiva (cerca de l5.000 pessoas) quando se transferiu a sede
da Coroa Portuguesa para o Brasil, em função da invasão de Portugal pelas
tropas de Napoleão Bonaparte.
Vale lembrar que esse
acontecimento, da maior importância histórica, concorreu, decisivamente, para a
vinda de considerável contingente de imigrantes portugueses, que se fixaram no
referido Sertão do Rio Pardo, então em evidência, pela proximidade da nova sede
do Reinado Português. Vieram, por assim dizer, nas águas do rei e para ficarem
perto dele...
Referido Sertão foi habitado por tribos
nómades da nação tapuia, como já dizia na sua famosa carta o padre João de
Aspilcueta Navarro, integrante da primeira expedição ao território brasileiro, (que
passara pelo local) comandada pelo castelhano Francisco Bruzza Espinosa.
Na fase dos
assentamentos portugueses, a população indígena no Norte de Minas e Sul da
Bahia já era escassa, em virtude dos massacres praticados impiedosamente pelos
primeiros colonizadores, ao tempo de
Matias Cardoso. Muitos índios, que eram os donos das terras, foram abatidos
como feras. Mas os novatos conviveram com índias já velhas e mansas, bem assim
com alguns nativos ainda rebeldes, muitos dos quais, aos poucos, se
deslocaram para o Jequitinhonha.
Mas reza a tradição
oral que ao tempo de Maria Rosária, naquelas bandas, muitas índias, na flor da
idade, foram agarradas, domesticaram-se, casaram-se e tiveram filhos com os
primeiros exploradores, cujos descendentes se miscigenaram com outras etnias.
Exemplo disso foi o
que aconteceu com Joaquim Antunes de Souza, (cujos antepassados, de procedência
hebraica, vieram de Portugal, fugindo da famigerada Inquisição). Ele capturou a
laço e com auxilio de cães uma índia, que foi levada para casa, amansada e
batizada com o nome de Luzia. Dizem que era uma bela mulher, com a qual Joaquim
se casou, com a permissão e a benção de seus pais. O autor destas notas é o seu
pentaneto.
Voltando à história
de Maria Rosária, sabe-se que essa varoa de ébano era de procedência africana,
mas seus ancestrais são desconhecidos. Com certeza, veio ela para Bahia e de lá
para Minas, de cambulhada com os portugueses, eméritos apreciadores das nativas
d’África. Pompéu, seu amante, era lusitano... Teria tido uma única filha, mas
deixou numerosos descendentes, alguns consorciados com os Antunes de Brejo dos
Martyres.
Vários escritores cuidaram
da história da fundadora do arraial de Tremedal. Muitos deles não a perdoaram,
pelo fato de ser negra, mandona e corajuda. Mas, sem dúvida, foi uma pioneira
valorosa, de gênio forte, fazendo jus ao titulo de Patrona do Tremedal. .Antonino
Neves já advertia que a personalidade de Maria Rosária não podia ser estudada
através da tradição popular, sempre fantasiosa.
Ela era temente a Deus e devota de Maria
Santíssima. Seu grande mérito, e a prova
de sua religiosidade, foi ter doado o terreno para nele erigir-se a Igreja, consagrada à mãe do Redentor, ficando a construção a cargo
de seu genro Joaquim Fernandes dos
Anjos,
Hoje, ergue-se, no
mesmo lugar, a Matriz de Nossa Senhora das Graças, um templo imponente, de
etilo neoclássico.
Maria Rosária, mulher
varonil e empreendedora, desenvolta e rica, não era uma santa. Por certo tinha
os seus pecados, mas também suas virtudes, não reconhecidas pela maioria dos de
seus biógrafos. Mas ninguém negou a sua índole religiosa, tanto que mandou construir
a igreja em seus domínios. Na melhor hipótese, houve quem lhe desse uma colher de chá, mas para dizer que, enquanto
acendia uma vela à Virgem, aceitava as tentações do demônio...
Muitos só viram nela a
encarnação de uma voluntariosa Messalina sertaneja, protagonista de bacanais
homéricas, que lembram os tempos bíblicos de Sodoma e Gomorra, e o pecado que
por vingança teria cometido, infame, mas não comprovado, de ter mandado um
escravo seu envenenar o vinho de missa do frei italiano, Clemente Adorno, por
ter o mesmo, em inflamados sermões, verberado o seu comportamento pessoal
devasso.
A versão, nitidamente
teatralizada, da vingança, da causa
mortis e do anátema, põe em duvida, sobretudo, as virtudes de fé cristã do
sacerdote. Teria o mesmo, sem um mínimo
da caridade pregada pelo Divino Mestre, lançado esta terrível maldição, que
diretamente nem atingia Maria Rosária?
‘...vou morrer! Mas ai do vil envenenador e da terra que
habita...”
Não é justo
anatematizar todo um povo e sua terra pelo crime isolado de alguém.
E não se pode tomar
qualquer tipo de suspeita como prova cabal, nem desprezar circunstâncias
ponderáveis na análise de um problema.
Sem discrepância
alguma, todos os que trataram do assunto narram que o piedoso sacerdote, depois
de cinco dias de longa e cansativa caminhada entre Tremedal e Rio Pardo, ao chegar
à fazenda São Bartolomeu, já estava gravemente enfermo. E piorando muito o seu
estado de saúde, na manhã seguinte, ao celebrar a missa, bebeu do vinho
suspeito, (que uma vez consagrado não podia ser descartado), para morrer à
noite, sendo levado para o sepultamento em Rio Pardo, com grande
acompanhamento.
Ante o sofrimento e a
morte do carismático sacerdote, cujas palavras empolgavam multidões, a comoção
popular, se não criou, pode ter ampliado a dramatização do desenlace.
Podemos encerrar, neste
ponto, o relato que se refere à vida e à obra da controversa Maria Rosária, a
Patrona do Tremedal, outrora terra dos coronéis – o último dos quais foi o Cel Levy
Souza e Silva, figura de relevo, que também marcou época.
Inteligente, culto e
empolgante, governou o seu município por longos anos, sagrando se como personalidade
das mais importantes do Norte de Minas, em termos políticos, econômicos e
sociais.
Mas aqui vai um
registo final:
O sítio e arraial de Maria
Rosária, por não ser paludoso, não fazia jus ao seu nome. Mas teve seus dias
turbulentos, com a infestação de aventureiros, desordeiros e brigões, como o
Correinhas e o gorutubano Picuambas, que aos 21 anos de vida, diziam, já tinha
22 mortes nas costas. Dele se dizia que até o famigerado Athayde tinha medo...
O termo “tremedal”
segundo o “pai-dos-burros”, designa área pantanosa, charco, e também indica
decadência moral, depravação e aviltamento.
Para apagar a indesejável
conotação, coube ao Cel Levy, em 1938, dar a nova, bela e significativa denominação
de Monte Azul, à sua terra natal, inspirado na obra perfeita da Criação Divina.
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