terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Constituição do Império do Brasil e as outras

A Constituição do Império do Brasil e as outras
                                                                                                                                                                                                                                                                                                          Daniel Antunes Júnior

A Comarca  de Rio Pardo, atual Rio Pardo de Minas, criada em  06.06.1858 e restaurada  em  08.10.1870,  é uma das 25 mais antigas e  foi uma das mais   extensas  do nosso Estado.
Quando há muitos  anos fui àquela  Cidade  para  advogar, chamou-me a atenção,  numa das estantes do cartório de notas, um exemplar encadernado  da   Constituição Política do Império do Brasil, datada de  11 de  dezembro de 1823 e outorgada por D. Pedro  I,  em 25.03,1824, data do seu juramento.
Fiquei fascinado com a ideia de  adquirir  esse  livro, que sem dúvida constitui uma  preciosidade  bibliográfica.   Mas como naqueles dias  a titular do  cartório  estava ausente, deixei com a substituta, que não poderia aliená-lo, uma indicação nesse sentido,  e regressei a Belo Horizonte.
Algum tempo depois, um  bom amigo meu, colega de pensão dos tempos de estudante,  que  trabalhava na Imprensa Oficial e formou-se em Direito, foi nomeado para Juiz de Direito daquela Comarca e eu o encarreguei da compra do livro.
Logo a seguir tive a grata surpresa de receber, pelo Correio, a encomenda, com um bilhete assim redigido:
Caro amigo Daniel, abraços.
Remeto-lhe o livro encomendado.  D. Santinha  não lhe quís cobrá-lo,     visto ter o ex-marido,  sr. Augusto Patrício, amicíssimo de seu pai, antes da morte, encarregado à mesma de  lh´o enviar, não o fazendo, há mais  tempo, por falta de seu endereço.
Ao seu inteiro dispor, o amigo  velho, Ass.) Elias Silva.
Rio Pardo de Minas,  9  de  abril de 956.

Justifico o meu particular interesse por tal livro, editado em 1863, e  já com 152 anos, pois trata-se de  peça fundamental da primitiva ordenação jurídica do Brasil. E como historiador  nas  horas  vagas,  sempre andei  a especular coisas e fatos significativos do nosso passado, catando  aqui e ali  algo interessante relacionado com a organização da nacionalidade brasileira.
 Não há dúvida que essa nossa primeira Carta Magna, produto de sua época, refletiu as aspirações e os  ideais  do  povo  brasileiro, vindo a ser  fonte preciosa de informações  sobre os costumes, usos, cultura, historia e tradições da nossa gente.
Inspirada em Benjamin Constant e Montesquieu, (e influenciada pela Constituição francesa de 1791) a primeira  Constituição Política  do  Brasil,  de feição liberal, foi esboçada por Antônio Carlos de Andrada  e outorgada por Dom Pedro I,  em nome da Santíssima Trindade.  Embora não  tenha sido  das mais precisas  e enxutas, foi a única do Império   e, reformada  pelo   Acto Adicional  da  Regência, em 12.08.1834, já ao tempo de Dom Pedro II,  e pela Lei de Interpretação,  de 12.05.1840, teve vigência até  a proclamação da República, quando foi derrogada pela Carta de 1891 . Durou, portanto, 67 anos.
Destacamos, a seguir, a  título de curiosidade,  alguns tópicos  desse documento histórico, “analysado por um jurisconsulto” e publicado, em 1865, com anotações de  José Carlos Rodrigues.
   
Compõe-se a Constituição Imperial  de  179 artigos em  8 títulos,  alguns dos  quais se dividem em capítulos.
Os poderes políticos e harmônicos, reconhecidos pela Constituição são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judiciário, cada qual com atribuições e prerrogativas  definidas no texto. Os representantes da  nação brasileira  são  o Imperador e a Assembleia geral.
 O território nacional é dividido em províncias.
Nota - No próprio  texto, como se fora parte integrante da Constituição,  ou como  se fosse necessário convalidar a criação do novo  Estado soberano , vem a seguinte inscrição:  “O tratado de paz de 30.08.1825 reconhece o Império do Brasil independente  e separado dos reinos de Portugal e Algarves . Diz o art. 1º: “Sua Majestade  Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de Império independente  e separado dos reinos de Portugal e Algarves,  e a seu, sobre  todos muito amado  e prezado filho  D. Pedro por Imperador;  cedendo  e transferindo  de  sua  livre vontade a soberania  do dito Império  ao mesmo  seu filho  e a seus legítimos sucessores, etc... E para definir bem as   fronteiras do Brasil e os direitos  da Casa Imperial,  acrescenta:  D. Pedro I, pelo  Decreto de 3 de março de 1828 abdicou a coroa portuguesa...Em virtude  da convenção de 27 de agosto  de  1828, entre o Brasil e o governo da república das Províncias Unidas do Rio da  Prata, foi separada  do território do Império  a província  de  Montevidéo,  chamada Cisplatina,  e que   forma a República do Uruguay.                     
E prossegue: o governo é monárquico-hereditário, constitucional  e representativo.  A dinastia  imperante  atual é a do Senhor  Dom  Pedro I, com o título de  Imperador Constitucional  e Defensor Perpétuo do Brasil, e tem o tratamento  de  Majestade  Imperial.  A religião oficial é a católica apostólica romana, cabendo ao Imperador nomear  bispos e prover  os benefícios eclesiásticos.  Os representantes da nação brasileira são o Imperador e a Assembleia  geral.
  O  poder legislativo   é delegado à Assembleia geral com a sanção do Imperador.
 A  Assembleia geral  compõe-se  de duas  câmaras:   câmara  temporária  de deputados, de eleição popular,  e senado, com membros  vitalícios nomeados pelo Imperador em lista tríplice votada nas  províncias.
Assim como os senadores, os deputados são por província.  As províncias são divididas em distritos eleitorais, conforme a sua população. E os senadores  serão tantos  quanto forem metade dos seus respectivos deputados.
Inicialmente, cada distrito tinha um deputado à Assembleia  geral, por eleição indireta, passando mais tarde para três deputados. Em 1846, em nova composição, a  Câmara temporária tinha  l04 deputados, figurando a província de Minas Gerais – a mais populosa – com 20 deputados.  Em 1860, com a criação das novas províncias do Amazonas e Paraná, o número total de deputados passou para 122.
O sistema  eleitoral, que lembra o modelo dos Estados Unidos passa pelas eleições primárias nas províncias.  Assim define o  Art. 90:
As nomeações dos deputados e senadores  para  a Assembleia  geral, e dos membros dos conselhos gerais das províncias, serão feitas por eleições indiretas, elegendo a  massa dos  cidadãos  ativos  em  assembleias  paroquiais  os eleitores de província, e estes os  representantes  da nação e  províncias.
As províncias, tinham as suas assembleias  legislativas, (que substituíram  os primitivos conselhos gerais da província) e eram administradas por um presidente,  com vice-presidente,  nomeados e removíveis,  ad nutum, pelo Imperador. Suas  atribuições, competência e autoridade eram designadas em leis.
As cidades e vilas contavam com  suas câmaras, às quais competia o governo econômico da respectiva comunidade.
Os deputados e senadores  gozavam de imunidades no exercício do cargo., e cada uma das duas Câmaras tinha iniciativas e atribuições  privativas, nos termos da própria Constituição.
Cada legislatura  durava  quatro  anos;  e cada sessão anual quatro meses.
 Dentre outras  atribuições  administrativas  e políticas, (disciplinadas em regimento interno),  competia à  Assembleia  geral  tomar o juramento ao Imperador e ao príncipe regente, ou regência, fazer leis, interpretá-las,  suspendê-las e revogá-las,  e escolher nova dinastia, no caso de extinção   da imperante.
Além do Ministério,  havia o Conselho  de  estado, com membros vitalícios,   também nomeados  pelo Imperador,  com as funções  explícitas.
A pessoa do Imperador era inviolável e sagrada; ele não estaria sujeito a responsabilidade  alguma. E como tal exercia o poder moderador, com várias prerrogativas, inclusive dissolver  Câmara  dos  Deputados  e  convocar outra.
Como se sabe, o poder moderador  é o quarto poder do Estado em regime  representativo,  aquele que permite ao soberano intervir em assuntos próprios dos  outros  poderes, para estabelecer o equilíbrio politico – prática que foi frequente no Império do Brasil.
O Imperador, como chefe do poder executivo,  o exercita com assistência  dos   ministros  de estado.  Estes, nomeados e demissíveis livremente pelo  próprio Imperador,  formam o  Conselho de ministros,  e referendam os decretos e leis, para que  se  guardem  e  cumpram.
Na composição política do poder legislativo procurou-se um equilíbrio, mesmo tenso,  entre a Câmara temporária,  eleita pelo povo e o  Senado vitalício, nomeado pelo Imperador, prevalecendo, em última instância, o poder monocrático (chamado moderador) sobre o democrático. Do contrário  a Assembleia geral poderia derrogar a dinastia.
 E há um ranço de submissão , ou de frescura,  quando se propõe a sanção e promulgação das  leis, nestes termos:
A Assembleia geral dirige ao Imperador o decreto incluso, que julga vantajoso e útil  ao Império,  e pede a Sua Majestade Imperial se digne dar a sua sanção.
Se recusar, o Imperador se pronunciará  nos seguintes termos:
O Imperador quer meditar sobre o projeto de lei, para a seu tempo resolver.
Ao que a câmara responderá que Louva a Sua Majestade Imperial o interesse que toma pela nação.
A denegação teria apenas efeito suspensivo. Mas, se a coisa engrossasse, o Imperador podia dissolver a Assembleia geral e convocar outra...
Finalmente, o poder judiciário, supostamente independente, como na República, é nomeado pelo Imperador. Curiosamente, o art. 153 diz que os juízes de direito serão perpétuos,  embora  possam ser  removidos  e até suspensos  pelo próprio Imperador,  ouvido o Conselho. 
O Juramento do Imperador, na  parte  final  da Carta,  tem os  seguintes termos:

Juro manter a religião católica-apostólica-romana, a integridade e indivisibilidade do Império, observar e fazer observar, como  Constituição  politica  da nação   brasileira, o  presente  Projeto de Constituição  do Império;  juro guardar  e fazer guardar todas as leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil  quanto em mim couber. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.  D. Pedro I.  Imperador, com guarda.

                          Dom Pedro I, aventureiro, boêmio, romântico  e mulherengo, teve uma vida agitada. Em 1821, com a volta da família real para Portugal, ficou no Brasil, como príncipe regente, que se rebelou.  Em 1822, proclamou a  Independência do Brasil, sendo coroado Imperador em 1823. Em 1824, outorgou a Constituição parlamentar do Império que fundou.  Em  1831, abdicou o Trono do Pais que libertou, (tendo permanecido aqui, como Imperador, por apenas cerca de 9 anos), para assumir a  Coroa de Portugal, ficando  no  Brasil para seu filho  Pedro II, seu herdeiro, de apenas 5 anos. Morreu em Portugal em  1834,  aos 35 anos de idade,  de tuberculose, deixando vários filhos de muitas mulheres.
                  
Enfim, Dom Pedro I,  um Príncipe português, apesar de seus pecados, consagrou-se, como Libertador da Nação brasileira  e  foi sucedido no trono por seu filho Dom  Pedro II,  Príncipe brasileiro, que consolidou o Império.
Dom Pedro II,  recebendo do pai, como herança, uma monarquia liberal, imperou durante 58 anos e foi um monarca de índole republicana. Ao ser destituído do poder, com a proclamação da República, recebeu com serenidade a intimação de deixar um País, que tanto amou,  dentro de 24 horas, com toda sua família. E o fez com dignidade. Faleceu em Paris dia 5.12.1891, aos 66 anos de idade,  dois anos depois de destronado.