A Constituição do Império do Brasil e as outras
Daniel
Antunes Júnior
A
Comarca de Rio Pardo, atual Rio Pardo de
Minas, criada em 06.06.1858 e restaurada em
08.10.1870, é uma das 25 mais
antigas e foi uma das mais extensas
do nosso Estado.
Quando há
muitos anos fui àquela Cidade
para advogar, chamou-me a
atenção, numa das estantes do cartório
de notas, um exemplar encadernado
da Constituição Política do
Império do Brasil, datada de 11 de dezembro de 1823 e outorgada por D.
Pedro I,
em 25.03,1824, data do seu juramento.
Fiquei
fascinado com a ideia de adquirir esse
livro, que sem dúvida constitui uma
preciosidade bibliográfica. Mas como naqueles dias a titular do
cartório estava ausente, deixei
com a substituta, que não poderia aliená-lo, uma indicação nesse sentido, e regressei a Belo Horizonte.
Algum tempo
depois, um bom amigo meu, colega de
pensão dos tempos de estudante, que trabalhava na Imprensa Oficial e formou-se em
Direito, foi nomeado para Juiz de Direito daquela Comarca e eu o encarreguei da
compra do livro.
Logo a
seguir tive a grata surpresa de receber, pelo Correio, a encomenda, com um
bilhete assim redigido:
Caro amigo Daniel, abraços.
Remeto-lhe o livro
encomendado. D. Santinha não lhe quís cobrá-lo, visto ter o ex-marido, sr. Augusto Patrício, amicíssimo de seu pai,
antes da morte, encarregado à mesma de
lh´o enviar, não o fazendo, há mais
tempo, por falta de seu endereço.
Ao seu inteiro dispor, o
amigo velho, Ass.) Elias Silva.
Rio Pardo de Minas, 9
de abril de 956.
Justifico o meu particular interesse por tal livro, editado em 1863, e já com 152 anos, pois trata-se de peça fundamental da primitiva ordenação
jurídica do Brasil. E como historiador
nas horas vagas,
sempre andei a especular coisas e
fatos significativos do nosso passado, catando
aqui e ali algo interessante
relacionado com a organização da nacionalidade brasileira.
Não há dúvida que essa nossa primeira
Carta Magna, produto de sua época, refletiu as aspirações e os ideais
do povo brasileiro, vindo a ser fonte preciosa de informações sobre os costumes, usos, cultura, historia e
tradições da nossa gente.
Inspirada em Benjamin Constant e Montesquieu, (e influenciada pela
Constituição francesa de 1791) a primeira
Constituição Política do Brasil,
de feição liberal, foi esboçada por Antônio Carlos de Andrada e outorgada por Dom Pedro I, em nome
da Santíssima Trindade. Embora
não tenha sido das mais precisas e enxutas, foi a única do Império e, reformada
pelo Acto Adicional da
Regência, em 12.08.1834, já ao tempo de Dom Pedro II, e pela Lei de Interpretação, de 12.05.1840, teve vigência até a proclamação da República, quando foi
derrogada pela Carta de 1891 . Durou, portanto, 67 anos.
Destacamos, a seguir, a título
de curiosidade, alguns tópicos desse documento histórico, “analysado por um
jurisconsulto” e publicado, em 1865, com anotações de José Carlos Rodrigues.
Compõe-se a Constituição Imperial
de 179 artigos em 8 títulos,
alguns dos quais se dividem em
capítulos.
Os poderes políticos e harmônicos, reconhecidos pela Constituição são
quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder
judiciário, cada qual com atribuições e prerrogativas definidas no texto. Os representantes da nação brasileira são o
Imperador e a Assembleia geral.
O território nacional é dividido
em províncias.
Nota - No próprio texto, como se
fora parte integrante da Constituição,
ou como se fosse necessário
convalidar a criação do novo Estado
soberano , vem a seguinte inscrição: “O
tratado de paz de 30.08.1825 reconhece o Império do Brasil independente e separado dos reinos de Portugal e Algarves
. Diz o art. 1º: “Sua Majestade Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria
de Império independente e separado dos
reinos de Portugal e Algarves, e a seu, sobre todos muito amado e prezado filho D. Pedro por Imperador; cedendo
e transferindo de sua
livre vontade a soberania do dito
Império ao mesmo seu filho
e a seus legítimos sucessores, etc... E para definir bem as fronteiras do Brasil e os direitos da Casa Imperial, acrescenta: D. Pedro I, pelo Decreto de 3 de março de 1828 abdicou a coroa
portuguesa...Em virtude da convenção de 27 de agosto de
1828, entre o Brasil e o governo da república das Províncias Unidas do
Rio da Prata, foi separada do território do Império a província
de Montevidéo, chamada Cisplatina, e que
forma a República do Uruguay.
E prossegue: o governo é monárquico-hereditário, constitucional e representativo. A dinastia
imperante atual é a do Senhor Dom Pedro I,
com o título de Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do
Brasil, e tem o tratamento de Majestade
Imperial. A religião oficial é a
católica apostólica romana, cabendo ao Imperador nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos. Os representantes da nação brasileira são o
Imperador e a Assembleia geral.
O poder legislativo é delegado à Assembleia geral com a sanção
do Imperador.
A Assembleia geral compõe-se
de duas câmaras: câmara
temporária de deputados, de
eleição popular, e senado, com membros vitalícios nomeados pelo Imperador em lista
tríplice votada nas províncias.
Assim como os senadores, os deputados são por província. As províncias
são divididas em distritos eleitorais, conforme a sua população. E os
senadores serão tantos quanto forem metade dos seus respectivos
deputados.
Inicialmente, cada distrito tinha
um deputado à Assembleia geral, por
eleição indireta, passando mais tarde para três deputados. Em 1846, em nova
composição, a Câmara temporária tinha l04 deputados, figurando a província de Minas
Gerais – a mais populosa – com 20 deputados.
Em 1860, com a criação das novas províncias do Amazonas e Paraná, o
número total de deputados passou para 122.
O sistema eleitoral, que lembra
o modelo dos Estados Unidos passa pelas eleições primárias nas províncias. Assim define o Art. 90:
As nomeações dos deputados e
senadores para a Assembleia
geral, e dos membros dos conselhos gerais das províncias, serão feitas
por eleições indiretas, elegendo a massa
dos cidadãos ativos
em assembleias paroquiais
os eleitores de província, e estes os
representantes da nação e províncias.
As províncias, tinham as suas assembleias legislativas, (que substituíram os primitivos conselhos gerais da província) e
eram administradas por um presidente, com
vice-presidente, nomeados e removíveis, ad nutum,
pelo Imperador. Suas atribuições,
competência e autoridade eram designadas em leis.
As cidades e vilas contavam com suas câmaras, às quais competia o governo
econômico da respectiva comunidade.
Os deputados e senadores gozavam
de imunidades no exercício do cargo., e cada uma das duas Câmaras tinha
iniciativas e atribuições privativas,
nos termos da própria Constituição.
Cada legislatura durava quatro
anos; e cada sessão anual quatro
meses.
Dentre outras atribuições
administrativas e políticas,
(disciplinadas em regimento interno),
competia à Assembleia geral
tomar o juramento ao Imperador e ao príncipe regente, ou regência, fazer
leis, interpretá-las, suspendê-las e
revogá-las, e escolher nova dinastia, no
caso de extinção da imperante.
Além do Ministério, havia o
Conselho de estado, com membros vitalícios, também nomeados pelo Imperador, com as funções explícitas.
A pessoa do Imperador era inviolável e sagrada; ele não estaria
sujeito a responsabilidade alguma. E
como tal exercia o poder moderador, com várias prerrogativas, inclusive
dissolver Câmara dos
Deputados e convocar outra.
Como se sabe, o poder moderador
é o quarto poder do Estado em regime
representativo, aquele que
permite ao soberano intervir em assuntos próprios dos outros
poderes, para estabelecer o equilíbrio politico – prática que foi
frequente no Império do Brasil.
O Imperador, como chefe do poder executivo, o exercita com assistência dos
ministros de estado. Estes, nomeados e demissíveis livremente
pelo próprio Imperador, formam o
Conselho de ministros, e referendam
os decretos e leis, para que se guardem
e cumpram.
Na composição política do poder legislativo procurou-se um equilíbrio,
mesmo tenso, entre a Câmara
temporária, eleita pelo povo e o Senado vitalício, nomeado pelo Imperador,
prevalecendo, em última instância, o poder monocrático (chamado moderador)
sobre o democrático. Do contrário a
Assembleia geral poderia derrogar a dinastia.
E há um ranço de submissão , ou
de frescura, quando se propõe a sanção e
promulgação das leis, nestes termos:
A Assembleia geral dirige ao
Imperador o decreto incluso, que julga vantajoso e útil ao Império,
e pede a Sua Majestade Imperial se digne dar a sua sanção.
Se recusar, o Imperador se pronunciará nos seguintes termos:
O Imperador quer meditar sobre o
projeto de lei, para a seu tempo resolver.
Ao que a câmara responderá que Louva
a Sua Majestade Imperial o interesse que toma pela nação.
A denegação teria apenas efeito suspensivo. Mas, se a coisa engrossasse,
o Imperador podia dissolver a Assembleia geral e convocar outra...
Finalmente, o poder judiciário, supostamente
independente, como na República, é nomeado pelo Imperador. Curiosamente, o art.
153 diz que os juízes de direito serão perpétuos, embora
possam ser removidos e até suspensos pelo próprio Imperador, ouvido o Conselho.
O Juramento do Imperador, na
parte final da Carta,
tem os seguintes termos:
Juro manter a
religião católica-apostólica-romana, a integridade e indivisibilidade do
Império, observar e fazer observar, como
Constituição politica da nação
brasileira, o presente Projeto de Constituição do Império;
juro guardar e fazer guardar
todas as leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil quanto em mim couber. Rio de Janeiro, 25 de
março de 1824. D. Pedro I. Imperador, com guarda.
Dom
Pedro I, aventureiro, boêmio, romântico e mulherengo, teve uma vida agitada. Em 1821,
com a volta da família real para Portugal, ficou no Brasil, como príncipe
regente, que se rebelou. Em 1822,
proclamou a Independência do Brasil,
sendo coroado Imperador em 1823. Em 1824, outorgou a Constituição parlamentar
do Império que fundou. Em 1831, abdicou o Trono do Pais que libertou, (tendo
permanecido aqui, como Imperador, por apenas cerca de 9 anos), para assumir
a Coroa de Portugal, ficando no Brasil para seu filho Pedro II, seu herdeiro, de apenas 5 anos.
Morreu em Portugal em 1834, aos 35 anos de idade, de tuberculose, deixando vários filhos de
muitas mulheres.
Enfim, Dom Pedro I,
um Príncipe português, apesar de seus pecados, consagrou-se, como
Libertador da Nação brasileira e foi sucedido no trono por seu filho Dom Pedro II,
Príncipe brasileiro, que consolidou o Império.
Dom Pedro II, recebendo do pai, como herança, uma monarquia
liberal, imperou durante 58 anos e foi um monarca de índole republicana. Ao ser
destituído do poder, com a proclamação da República, recebeu com serenidade a
intimação de deixar um País, que tanto amou,
dentro de 24 horas, com toda sua família. E o fez com dignidade. Faleceu
em Paris dia 5.12.1891, aos 66 anos de idade, dois anos depois de destronado.