terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A saga de Maria Rosária, do Tremedal



                                                 Daniel Antunes Junior
                                                         Cadeira 43 - Patrono
                                                         Teófilo Benedito Otoni
               
Desde os tempos da colonização brasileira até aos nossos dias, com predominância no período imperial, tivemos em nossa querida e altaneira Minas Gerais, vários exemplos de mulheres valorosas.
Cada qual a seu modo, empolgando a mente dos homens, com determinação, coragem e desenvoltura, elas marcaram época, deixando após si um rastro de notoriedade. Dentre outros, destacam-se  os casos, de Chica da Silva, de Diamantina, -  a “escrava que virou rainha”,  -  o de Dona Beija – a famosa cortesã do Araxá,  -  e o da  quase lendária Joaquina do Pompeu – a “Sinhá Braba”, que teria recebido do Imperador, de presente por seus feitos, um cacho de banana de ouro...
Todas elas fizeram jus a extensas e expressivas biografias. Chica da Silva e Dona Beija foram protagonistas de festejadas novelas de televisão, e a matriarca Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco, - cuja fama é bem maior que o próprio nome -  deixou enorme e conspícua descendência, da qual fazem parte o jurista Francisco Campos, o “Chico Ciência”, e o Dr. Deusdedit Pinto Ribeiro de Campos, nosso ilustre e tranquilo consócio no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
                          Tivemos mais as três Marias, que igualmente enriqueceram a nossa história: Maria da Cruz, nas barrancas do Rio São Francisco, Maria Tangará, em Pitangui, e Maria Rosária, nos confins de Minas com a Bahia, -  esta,  ainda pouco conhecida dos nossos  escribas.
Note-se que estas três Marias nada têm a ver com a florescente cidade de Três Marias, que fica próxima da Hidrelétrica do mesmo nome, no Rio São Francisco. O nome da cidade é merecida homenagem a outras três Marias: Maria Francisca, Maria das Dores e Maria Geralda, que outrora, naquele mesmo lugar, sucedendo aos pais, mantinham a modesta pensão, na qual pousavam tropeiros e viajantes que passavam por ali.
 Foi assim que, da simplicidade cativante das três irmãs pioneiras, - tomadas como símbolos da hospitalidade de nossa gente, - surgiu o nome que pegou para ficar, distinguindo a cidade menina, vocacionada para o progresso e cheia de vida.
 Mas vamos falar aqui, de modo especial, apenas de uma das seis Marias, a do extremo Norte de Minas, com um histórico controverso, que clama por uma análise serena e isenta de preconceitos.
 Maria Rosária da Rocha Pereira foi, antes de tudo, uma desbravadora dos nossos sertões.
O aprazível sitio, por ela adquirido, estendia-se num grande vale, que ia de serra a serra, atravessado pelo Rio Tremedal, tendo de um lado a destacada montanha da Sela Gineta e, do outro, o portentoso monte azul, nos contrafortes da Serra Geral, descortinando-se magnifico panorama. O lugar nada tinha de pantanoso, a não ser pequena área, onde se formou vistoso coqueiral, semelhante a um oásis. Situava-se no chamado Sertão do Rio Pardo, e integrava o patrimônio territorial da Casa da Ponte, sucessora do Morgadio Guedes de Brito. Sua aquisição foi realizada ainda no último quartel do século 18, razão pela qual seu registro, com os limites e confrontações, não consta no Livro do Tombo, datado de 1819.
Mas nesse documento histórico, o nome de Maria Rosária é citado, como confinante, no registro do Sítio Riacho Seco, nas proximidades da Serra Geral, arrendado por  Antônio de Macedo Portugal.
Além disso, na escrituração dos sítios de Bom Sucesso, Dourados, Lençóis, Pajeú e Riacho Abaixo, situados no  entorno do arraial que hoje é a cidade de Monte Azul, há referências ao Rio Tremedal, ao caminho de Tremedal e até ao próprio sítio de Tremedal, ficando evidente que dito arraial surgiu antes do ano 1800.
                         A legendária Maria Rosária, amasiada com o português Pompeu, que morreu assassinado por questões de terras, foi a fundadora do antigo Tremedal, hoje cidade e comarca de Monte Azul, outrora  das mais extensas do nosso Estado.
                         Na época, toda aquela região estava infestada de aventureiros, ignorantes e valentões, Mas Maria Rosaria, mulher destemida, sabia lidar com eles, impondo sua autoridade.
                         Grande faixa do extremo Norte de Minas pertencia à Província da Bahia, e integrava a sua grande Comarca de Jacobina.
                        Por volta de 1760, essa área transferiu-se, para a Capitania de Minas Gerais, e Tremedal passou a compor o Distrito de Minas Novas, na  Comarca da Vila do Príncipe do Serro Frio, atual cidade do Serro.
                       Em 1819 era titular da Casa da Ponte o 6º Conde,  Gal. João da Saldanha da Gama Melo Torres Guedes de Brito,  filho do Marquês Manuel Saldanha da Gama, (descendente grande navegador Vasco da Gama).       
O Marquês, ficando viúvo da morgadinha Joana Caldeira Pimentel Guedes de Brito (da qual herdou todo o patrimônio dos Guedes de Brito), casou-se, em segundas núpcias com a viúva Francisca Joana Josefa da Câmara, mãe do Conde.
Como se vê, o General não descendia, geneticamente, do morgado Antônio Guedes de Brito, mas  adotou o sobrenome deste, somado a outros, em razão de seu casamento e atendendo a disposições institucionais do morgadio. 
O 6° Conde da Ponte foi também Governador Geral da Província da Bahia, de 1805 a 1809. Foi ele quem recebeu, na então capital de Salvador, em 1808, a família real de Dom João VI, com uma numerosa comitiva (cerca de l5.000 pessoas) quando se transferiu a sede da Coroa Portuguesa para o Brasil, em função da invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão Bonaparte.
Vale lembrar que esse acontecimento, da maior importância histórica, concorreu, decisivamente, para a vinda de considerável contingente de imigrantes portugueses, que se fixaram no referido Sertão do Rio Pardo, então em evidência, pela proximidade da nova sede do Reinado Português. Vieram, por assim dizer, nas águas do rei e para ficarem perto dele...
  Referido Sertão foi habitado por tribos nómades da nação tapuia, como já dizia na sua famosa carta o padre João de Aspilcueta Navarro, integrante da primeira expedição ao território brasileiro, (que passara pelo local) comandada pelo castelhano Francisco Bruzza Espinosa.
Na fase dos assentamentos portugueses, a população indígena no Norte de Minas e Sul da Bahia já era escassa, em virtude dos massacres praticados impiedosamente pelos primeiros colonizadores,  ao tempo de Matias Cardoso. Muitos índios, que eram os donos das terras, foram abatidos como feras. Mas os novatos conviveram com índias já velhas e mansas, bem assim com   alguns nativos ainda  rebeldes, muitos dos quais, aos poucos, se deslocaram para o Jequitinhonha.
Mas reza a tradição oral que ao tempo de Maria Rosária, naquelas bandas, muitas índias, na flor da idade, foram agarradas, domesticaram-se, casaram-se e tiveram filhos com os primeiros exploradores, cujos descendentes se miscigenaram com outras etnias.
Exemplo disso foi o que aconteceu com Joaquim Antunes de Souza, (cujos antepassados, de procedência hebraica, vieram de Portugal, fugindo da famigerada Inquisição). Ele capturou a laço e com auxilio de cães uma índia, que foi levada para casa, amansada e batizada com o nome de Luzia. Dizem que era uma bela mulher, com a qual Joaquim se casou, com a permissão e a benção de seus pais. O autor destas notas é o seu pentaneto.
Voltando à história de Maria Rosária, sabe-se que essa varoa de ébano era de procedência africana, mas seus ancestrais são desconhecidos. Com certeza, veio ela para Bahia e de lá para Minas, de cambulhada com os portugueses, eméritos apreciadores das nativas d’África. Pompéu, seu amante, era lusitano... Teria tido uma única filha, mas deixou numerosos descendentes, alguns consorciados com os Antunes de Brejo dos Martyres.
Vários escritores cuidaram da história da fundadora do arraial de Tremedal. Muitos deles não a perdoaram, pelo fato de ser negra, mandona e corajuda. Mas, sem dúvida, foi uma pioneira valorosa, de gênio forte, fazendo jus ao titulo de Patrona do Tremedal. .Antonino Neves já advertia que a personalidade de Maria Rosária não podia ser estudada através da tradição popular, sempre fantasiosa.
 Ela era temente a Deus e devota de Maria Santíssima. Seu  grande mérito, e a prova de sua religiosidade, foi ter doado o terreno para nele  erigir-se a Igreja, consagrada à  mãe do Redentor, ficando a construção a cargo de seu genro Joaquim Fernandes dos  Anjos,
Hoje, ergue-se, no mesmo lugar, a Matriz de Nossa Senhora das Graças, um templo imponente, de etilo neoclássico.
Maria Rosária, mulher varonil e empreendedora, desenvolta e rica, não era uma santa. Por certo tinha os seus pecados, mas também suas virtudes, não reconhecidas pela maioria dos de seus biógrafos. Mas ninguém negou a sua índole religiosa, tanto que mandou construir a igreja em seus domínios. Na melhor hipótese, houve quem lhe desse  uma colher de chá, mas para dizer que, enquanto acendia uma vela à Virgem, aceitava as tentações do demônio...
Muitos só viram nela a encarnação de uma voluntariosa Messalina sertaneja, protagonista de bacanais homéricas, que lembram os tempos bíblicos de Sodoma e Gomorra, e o pecado que por vingança teria cometido, infame, mas não comprovado, de ter mandado um escravo seu envenenar o vinho de missa do frei italiano, Clemente Adorno, por ter o mesmo, em inflamados sermões, verberado o seu comportamento pessoal devasso.
A versão, nitidamente teatralizada, da vingança, da causa mortis e do anátema, põe em duvida, sobretudo, as virtudes de fé cristã do sacerdote.  Teria o mesmo, sem um mínimo da caridade pregada pelo Divino Mestre, lançado esta terrível maldição, que diretamente nem atingia Maria Rosária?
‘...vou morrer! Mas ai do vil envenenador e da terra que habita...”
Não é justo anatematizar todo um povo e sua terra pelo crime isolado de alguém.
E não se pode tomar qualquer tipo de suspeita como prova cabal, nem desprezar circunstâncias ponderáveis na análise de um problema.
Sem discrepância alguma, todos os que trataram do assunto narram que o piedoso sacerdote, depois de cinco dias de longa e cansativa caminhada entre Tremedal e Rio Pardo, ao chegar à fazenda São Bartolomeu, já estava gravemente enfermo. E piorando muito o seu estado de saúde, na manhã seguinte, ao celebrar a missa, bebeu do vinho suspeito, (que uma vez consagrado não podia ser descartado), para morrer à noite, sendo levado para o sepultamento em Rio Pardo, com grande acompanhamento.
Ante o sofrimento e a morte do carismático sacerdote, cujas palavras empolgavam multidões, a comoção popular, se não criou, pode ter ampliado a dramatização do desenlace.
Podemos encerrar, neste ponto, o relato que se refere à vida e à obra da controversa Maria Rosária, a Patrona do Tremedal, outrora terra dos coronéis – o último dos quais foi o Cel Levy Souza e Silva, figura de relevo, que também marcou época.
Inteligente, culto e empolgante, governou o seu município por longos anos, sagrando se como personalidade das mais importantes do Norte de Minas, em termos políticos, econômicos e sociais.
Mas aqui vai um registo final:
O sítio e arraial de Maria Rosária, por não ser paludoso, não fazia jus ao seu nome. Mas teve seus dias turbulentos, com a infestação de aventureiros, desordeiros e brigões, como o Correinhas e o gorutubano Picuambas, que aos 21 anos de vida, diziam, já tinha 22 mortes nas costas. Dele se dizia que até o famigerado Athayde tinha medo...
O termo “tremedal” segundo o “pai-dos-burros”, designa área pantanosa, charco, e também indica decadência moral, depravação e aviltamento.
Para apagar a indesejável conotação, coube ao Cel Levy, em 1938, dar a nova, bela e significativa denominação de Monte Azul, à sua terra natal, inspirado na obra perfeita da Criação Divina.  
 

  







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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

AS CONSTITUIÇÕES DO BRASIL
                                                                                                                  Daniel Antunes  Júnior
                                                                                      Patrono–Teófilo Otoni

A primeira Carta Magna do Brasil foi a de 1824, outorgada por Dom Pedro I, logo depois do grito da Independência em  1822.
Inspirada  nas teorias constitucionais de Benjamin Constant e Montesquieu, foi esboçada por Antônio Carlos de Andrada, tomando-se como modelo a Constituição francesa de 1791, de feição liberal. Embora não tenha sido das mais enxutas, foi a única do Império e, reformada  pelo  Acto  Adicional  da regência, em 1834, já ao tempo de Dom Pedro II,  e pela  Lei de Interpretação, de 1840, teve vigência   até a proclamação da República,  em 1889.  Durou, portanto,  67 anos.
Vejamos,  a seguir, as outras Constituições.
A  República do Brasil, grande aspiração  dos  Inconfidentes Mineiros, de 1789, e uma das  mais nova da América do Sul, foi proclamada em 1889, exatamente um século  depois,  pelo Mal. Deodoro da Fonseca  que,  como se comenta, não sabia ou não estava à altura do que estava fazendo. Em outas palavras, a nossa  República   foi mal fundada e, na verdade, não tem sido bem sucedida, em termos políticos,  ao longo dos  seus  conturbados 126 anos de vigência.
                              Tal foi o despreparo dos responsáveis pela criação  da nova forma  de governo, que o próprio Deodoro se afastou da presidência provisória, seja por incompetência, ou por alguma incompatibilidade,  cerca de um ano depois, cabendo a Floriano Peixoto, a duras penas, implantar o novo regime político.
Apesar de  velho o sonho republicano, remontando  à  Declaração de Independência  americana, de 1776, as coisas aqui  não se organizaram a contento. As improvisações foram muitas. Faltou-nos um Thomas Jefferson, e apelamos para as imitações, nem sempre felizes, ou feitas às  avessas, senão açodadas, como a de batizarmo-nos  de “República dos Estados Unidos do Brasil” (atualmente República Federativa do Brasil)  e a de adotarmos a  Bandeira nacional,  de 19.11.1891, de faixas verdes e amarelas com um quadrado no canto esquerdo, ao alto, representando os Estados (depois mudada),  cópia fiel do modelo americano.
É bem verdade que o nosso regime monárquico teve seus dias tumultuosos, mas nem  tanto como na República. E até parece que rogaram  uma praga, por terem tratado tão mal o Imperador deposto. Consta que chegaram a oferecer-lhe certas compensações sonantes, que teriam sido recusadas.
O fato é  que este imenso  País, ao se tornar uma República, exatamente cem anos depois do sacrifício de Tiradentes, nunca teve a desejável e duradoura estabilidade econômica, política e social. Trocamos de regimes e de Constituições, como se troca de camisas.
Em cada uma das etapas desse  vai-não-vai interminável, raros e breves foram os hiatos de calmaria.
Desta forma, as nossas ordenações jurídicas, com leis que pegam e leis que não pegam, (como dizia Roberto Campos) tiveram,  como âncora, uma  Constituição Federal de plantão, cada uma  marcada  pelo signo da inconsistência e efemeridade. 
No período republicano  já experimentamos nada menos de seis constituições, atreladas a seis modelos ou formas de governo, passando 1) pela democracia liberal presidencialista, 2) pela ditadura absoluta (sem parlamento, sem eleição e com mordaça), 3) pela democracia presidencialista com sindicalismo e esforço  desenvolvimentista, 4) pela democracia parlamentarista, 5) pelo regime militar centralizado, com parlamento  e eleições indiretas, 6) novamente pela democracia presidencialista, vulnerável à todo tipo de corrupção e irresponsabilidade.
Os partidos políticos,  na República, (ultimamente com proliferação surpreendente) têm sido tão perecíveis como os regimes em que sugiram, ao sabor das conveniências momentâneas.
A moeda nacional, por sua vez, submetida ao completo e endêmico descontrole da nossa economia, com planos frustrados e inflação galopante recorrente, passando do mil reis a cruzeiro e cruzado, velhos e novos,  já contabiliza nada menos de onze alterações em valores e denominações.
Não se diga que cada mudança de Constituição, de regime político e de modelo de administração pública, representou um nobre ideal, uma conquista, ou  um  avanço de aperfeiçoamento. Antes, revela certo  grau de imaturidade, ou indigência de  visão duradoura, da classe política.


Constituição de 1891
A Carta de 1891, de feição  federalista e liberal, que teve Rui Barbosa como um dos seus principais artífices, foi rasgada pela Revolução  Liberal   de 1930, inaugurando o vezo do desrespeito às instituições.  Dizia-se que a “República Velha”,  com a oligarquia da política do “café- com- leite”, (hegemonia  São Paulo/Minas)  e as  chamadas eleições a “bico-de-pena”, tinha uma Constituição viciosa, exaurida e decrepita – o que não era a expressão da verdade. Dizia-se que o processo eleitoral  permitia fraudes através do sistema de depuração dos votos, consignando nas atas resultados falsos. Mas, ironicamente,  tinha-se como certo que os eleitos eram sempre os melhores... Bastava combater a fraude, mas preferiram dar o golpe.
                           No período republicano foi a Carta  que mais durou: 43 anos de vigência.

                           Constituição de 1934
A Carta Magna de 1934, promulgada por uma Assembleia Constituinte, com as influências do pós Guerra Mundial de 1914/1918, teve como novidade a instituição da Justiça do Trabalho e a reformulação do  sistema eleitoral. Mas foi quase natimorta, porque não agradou aos  revolucionários de 1930.  Durou pouco mais de três anos...
Constituição de 1937
A seguir tivemos a Constituição de 1937, chamada de “a polaca”, de influência fascista, da lavra do mineiro Chico Ciência, e encomendada pelo gaúcho Getúlio Vargas que, num golpe de Estado, como “pai da pátria,”  outorgou-a, e permaneceu no poder pelo “curto espaço de 15 anos”, quando implantou o direito trabalhista, desejável mas de cunho paternalista e o  sistema assistencial, ainda dominantes, sem cuidar ,antes,  do desenvolvimento das fontes de  produção, capazes de sustenta-los.  A manobra golpista teve a falsa justificativa de que, com o hipotético Plano Cohen, supostamente comunista, o povo estaria com  “sua paz politica e social profundamente perturbadas por conhecidos fatores de desordem.” Dourando a pílula, dizia-se que “todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido...” O culto à personalidade do ditador, a cargo do famigerado DIP, chegou ao paroxismo. Foi uma ditadura feroz, com mordaça, polícia secreta e lei de segurança nacional. Além disso,  legiferante sem parlamento. Um tremendo retrocesso, em termos de democracia. A “polaca”, de triste memória, foi abortada aos 9 anos.
Constituição de 1946
Após a derrubada do ditador, que caiu de maduro, a exemplo de seus colegas nazifascistas, foi promulgada por uma Assembleia, eleita com o novo presidente, a Constituição democrática  de 1946 – uma reprodução melhorada da de 1934. Embora criticada como detalhista, a nova Carta evoluiu, ampliando os direitos fundamentais do cidadão e balizando novos rumos para o desenvolvimento nacional, com a economia mundial em reconstrução, finda pouco antes a segunda Grande Guerra. A Carta de 1946, com a redemocratização do País,  durou 21 anos

Constituição de 1967
O período de pós Guerra Mundial foi marcado, no Brasil, de muita turbulência política, passando pelo suicídio de Getúlio Vargas (que se elegera livremente, depois da ditadura, e se deu mal);  pela intervenção do Mal Lott, para garantir a  posse de JK;  pela  construção de  Brasília;  pela renúncia de Jânio Quadros,  e pela frustrada experiência do regime parlamentarista. E finalmente, graças às  desordens intestinas permitidas  ou toleradas pela democracia, tivemos a destituição de Jango Goulart na presidência, e a implantação do regime militar, com Ato Institucional e  cassações. A nova  Constituição manteve o parlamento e institui as eleições indiretas. Durou também 21 anos.

Constituição de 1988
Após o regime militar, viemos a ter a Carta Magna atual, com 325 artigos, que Ulysses Guimarães batizou de “Cidadã”, restabelecendo-se a ordem democrática, as eleições diretas e criando a  excrescência  da Medida Provisória. Desde que foi promulgada, Já com 27 anos, tal Carta, tida como analítica, é  mais cortesã que cidadã.  Tão capenga, já foi remendada quase uma centena de vezes, assemelhando-se  a uma colcha de  retalhos.

Como vemos, desde o advento da República, o Brasil  vem se debatendo como uma nau sem rumo em mar revolto,  na busca infrutífera de um porto seguro onde possa firmar, com acerto e dignidade, a própria identidade,   promovendo o seu desenvolvimento político econômico e social, de modo justo e sustentável,  como País soberano, sério e  respeitável.
A Constituição de um País -  sua lei máxima à qual as outras leis devem ajustar-se, -  constitui o cerne das ordenações jurídicas que regem a vida  nacional e, como tal,  deve ser clara, consistente , justa, coerente e definitiva.
Entretanto as nossas numerosas Cartas republicanas têm sido  documentos provisórios, efêmeros, insatisfatórios.
É inacreditável como podemos aceitar passivamente, neste País de tanta potencialidade, e com  um povo tão generoso, o fato melancólico de que  vivemos e agimos sob o signo da instabilidade política, e por extensão econômica, como se depreende  da  transitoriedade  das peças que foram a nossa Carta Magna. Vejamos a eloquência  instigante do quadro abaixo.
Anos de vigência das Constituições:
Imperial           1824  -   67  
Republicanas:  1891  -  43  
                           1934  -    3  
                           1937  -    9  
                           1946  -  21 
                           1967  -  21 
                           1988  -  27 

Se realmente Deus é brasileiro, como dizem, imploremos as  suas bênçãos especiais para a nossa terra, e o advento de uma era de paz e fraternidade  neste mundo maravilhoso em que vivemos.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Constituição do Império do Brasil e as outras

A Constituição do Império do Brasil e as outras
                                                                                                                                                                                                                                                                                                          Daniel Antunes Júnior

A Comarca  de Rio Pardo, atual Rio Pardo de Minas, criada em  06.06.1858 e restaurada  em  08.10.1870,  é uma das 25 mais antigas e  foi uma das mais   extensas  do nosso Estado.
Quando há muitos  anos fui àquela  Cidade  para  advogar, chamou-me a atenção,  numa das estantes do cartório de notas, um exemplar encadernado  da   Constituição Política do Império do Brasil, datada de  11 de  dezembro de 1823 e outorgada por D. Pedro  I,  em 25.03,1824, data do seu juramento.
Fiquei fascinado com a ideia de  adquirir  esse  livro, que sem dúvida constitui uma  preciosidade  bibliográfica.   Mas como naqueles dias  a titular do  cartório  estava ausente, deixei com a substituta, que não poderia aliená-lo, uma indicação nesse sentido,  e regressei a Belo Horizonte.
Algum tempo depois, um  bom amigo meu, colega de pensão dos tempos de estudante,  que  trabalhava na Imprensa Oficial e formou-se em Direito, foi nomeado para Juiz de Direito daquela Comarca e eu o encarreguei da compra do livro.
Logo a seguir tive a grata surpresa de receber, pelo Correio, a encomenda, com um bilhete assim redigido:
Caro amigo Daniel, abraços.
Remeto-lhe o livro encomendado.  D. Santinha  não lhe quís cobrá-lo,     visto ter o ex-marido,  sr. Augusto Patrício, amicíssimo de seu pai, antes da morte, encarregado à mesma de  lh´o enviar, não o fazendo, há mais  tempo, por falta de seu endereço.
Ao seu inteiro dispor, o amigo  velho, Ass.) Elias Silva.
Rio Pardo de Minas,  9  de  abril de 956.

Justifico o meu particular interesse por tal livro, editado em 1863, e  já com 152 anos, pois trata-se de  peça fundamental da primitiva ordenação jurídica do Brasil. E como historiador  nas  horas  vagas,  sempre andei  a especular coisas e fatos significativos do nosso passado, catando  aqui e ali  algo interessante relacionado com a organização da nacionalidade brasileira.
 Não há dúvida que essa nossa primeira Carta Magna, produto de sua época, refletiu as aspirações e os  ideais  do  povo  brasileiro, vindo a ser  fonte preciosa de informações  sobre os costumes, usos, cultura, historia e tradições da nossa gente.
Inspirada em Benjamin Constant e Montesquieu, (e influenciada pela Constituição francesa de 1791) a primeira  Constituição Política  do  Brasil,  de feição liberal, foi esboçada por Antônio Carlos de Andrada  e outorgada por Dom Pedro I,  em nome da Santíssima Trindade.  Embora não  tenha sido  das mais precisas  e enxutas, foi a única do Império   e, reformada  pelo   Acto Adicional  da  Regência, em 12.08.1834, já ao tempo de Dom Pedro II,  e pela Lei de Interpretação,  de 12.05.1840, teve vigência até  a proclamação da República, quando foi derrogada pela Carta de 1891 . Durou, portanto, 67 anos.
Destacamos, a seguir, a  título de curiosidade,  alguns tópicos  desse documento histórico, “analysado por um jurisconsulto” e publicado, em 1865, com anotações de  José Carlos Rodrigues.
   
Compõe-se a Constituição Imperial  de  179 artigos em  8 títulos,  alguns dos  quais se dividem em capítulos.
Os poderes políticos e harmônicos, reconhecidos pela Constituição são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judiciário, cada qual com atribuições e prerrogativas  definidas no texto. Os representantes da  nação brasileira  são  o Imperador e a Assembleia geral.
 O território nacional é dividido em províncias.
Nota - No próprio  texto, como se fora parte integrante da Constituição,  ou como  se fosse necessário convalidar a criação do novo  Estado soberano , vem a seguinte inscrição:  “O tratado de paz de 30.08.1825 reconhece o Império do Brasil independente  e separado dos reinos de Portugal e Algarves . Diz o art. 1º: “Sua Majestade  Fidelíssima reconhece o Brasil na categoria de Império independente  e separado dos reinos de Portugal e Algarves,  e a seu, sobre  todos muito amado  e prezado filho  D. Pedro por Imperador;  cedendo  e transferindo  de  sua  livre vontade a soberania  do dito Império  ao mesmo  seu filho  e a seus legítimos sucessores, etc... E para definir bem as   fronteiras do Brasil e os direitos  da Casa Imperial,  acrescenta:  D. Pedro I, pelo  Decreto de 3 de março de 1828 abdicou a coroa portuguesa...Em virtude  da convenção de 27 de agosto  de  1828, entre o Brasil e o governo da república das Províncias Unidas do Rio da  Prata, foi separada  do território do Império  a província  de  Montevidéo,  chamada Cisplatina,  e que   forma a República do Uruguay.                     
E prossegue: o governo é monárquico-hereditário, constitucional  e representativo.  A dinastia  imperante  atual é a do Senhor  Dom  Pedro I, com o título de  Imperador Constitucional  e Defensor Perpétuo do Brasil, e tem o tratamento  de  Majestade  Imperial.  A religião oficial é a católica apostólica romana, cabendo ao Imperador nomear  bispos e prover  os benefícios eclesiásticos.  Os representantes da nação brasileira são o Imperador e a Assembleia  geral.
  O  poder legislativo   é delegado à Assembleia geral com a sanção do Imperador.
 A  Assembleia geral  compõe-se  de duas  câmaras:   câmara  temporária  de deputados, de eleição popular,  e senado, com membros  vitalícios nomeados pelo Imperador em lista tríplice votada nas  províncias.
Assim como os senadores, os deputados são por província.  As províncias são divididas em distritos eleitorais, conforme a sua população. E os senadores  serão tantos  quanto forem metade dos seus respectivos deputados.
Inicialmente, cada distrito tinha um deputado à Assembleia  geral, por eleição indireta, passando mais tarde para três deputados. Em 1846, em nova composição, a  Câmara temporária tinha  l04 deputados, figurando a província de Minas Gerais – a mais populosa – com 20 deputados.  Em 1860, com a criação das novas províncias do Amazonas e Paraná, o número total de deputados passou para 122.
O sistema  eleitoral, que lembra o modelo dos Estados Unidos passa pelas eleições primárias nas províncias.  Assim define o  Art. 90:
As nomeações dos deputados e senadores  para  a Assembleia  geral, e dos membros dos conselhos gerais das províncias, serão feitas por eleições indiretas, elegendo a  massa dos  cidadãos  ativos  em  assembleias  paroquiais  os eleitores de província, e estes os  representantes  da nação e  províncias.
As províncias, tinham as suas assembleias  legislativas, (que substituíram  os primitivos conselhos gerais da província) e eram administradas por um presidente,  com vice-presidente,  nomeados e removíveis,  ad nutum, pelo Imperador. Suas  atribuições, competência e autoridade eram designadas em leis.
As cidades e vilas contavam com  suas câmaras, às quais competia o governo econômico da respectiva comunidade.
Os deputados e senadores  gozavam de imunidades no exercício do cargo., e cada uma das duas Câmaras tinha iniciativas e atribuições  privativas, nos termos da própria Constituição.
Cada legislatura  durava  quatro  anos;  e cada sessão anual quatro meses.
 Dentre outras  atribuições  administrativas  e políticas, (disciplinadas em regimento interno),  competia à  Assembleia  geral  tomar o juramento ao Imperador e ao príncipe regente, ou regência, fazer leis, interpretá-las,  suspendê-las e revogá-las,  e escolher nova dinastia, no caso de extinção   da imperante.
Além do Ministério,  havia o Conselho  de  estado, com membros vitalícios,   também nomeados  pelo Imperador,  com as funções  explícitas.
A pessoa do Imperador era inviolável e sagrada; ele não estaria sujeito a responsabilidade  alguma. E como tal exercia o poder moderador, com várias prerrogativas, inclusive dissolver  Câmara  dos  Deputados  e  convocar outra.
Como se sabe, o poder moderador  é o quarto poder do Estado em regime  representativo,  aquele que permite ao soberano intervir em assuntos próprios dos  outros  poderes, para estabelecer o equilíbrio politico – prática que foi frequente no Império do Brasil.
O Imperador, como chefe do poder executivo,  o exercita com assistência  dos   ministros  de estado.  Estes, nomeados e demissíveis livremente pelo  próprio Imperador,  formam o  Conselho de ministros,  e referendam os decretos e leis, para que  se  guardem  e  cumpram.
Na composição política do poder legislativo procurou-se um equilíbrio, mesmo tenso,  entre a Câmara temporária,  eleita pelo povo e o  Senado vitalício, nomeado pelo Imperador, prevalecendo, em última instância, o poder monocrático (chamado moderador) sobre o democrático. Do contrário  a Assembleia geral poderia derrogar a dinastia.
 E há um ranço de submissão , ou de frescura,  quando se propõe a sanção e promulgação das  leis, nestes termos:
A Assembleia geral dirige ao Imperador o decreto incluso, que julga vantajoso e útil  ao Império,  e pede a Sua Majestade Imperial se digne dar a sua sanção.
Se recusar, o Imperador se pronunciará  nos seguintes termos:
O Imperador quer meditar sobre o projeto de lei, para a seu tempo resolver.
Ao que a câmara responderá que Louva a Sua Majestade Imperial o interesse que toma pela nação.
A denegação teria apenas efeito suspensivo. Mas, se a coisa engrossasse, o Imperador podia dissolver a Assembleia geral e convocar outra...
Finalmente, o poder judiciário, supostamente independente, como na República, é nomeado pelo Imperador. Curiosamente, o art. 153 diz que os juízes de direito serão perpétuos,  embora  possam ser  removidos  e até suspensos  pelo próprio Imperador,  ouvido o Conselho. 
O Juramento do Imperador, na  parte  final  da Carta,  tem os  seguintes termos:

Juro manter a religião católica-apostólica-romana, a integridade e indivisibilidade do Império, observar e fazer observar, como  Constituição  politica  da nação   brasileira, o  presente  Projeto de Constituição  do Império;  juro guardar  e fazer guardar todas as leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil  quanto em mim couber. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.  D. Pedro I.  Imperador, com guarda.

                          Dom Pedro I, aventureiro, boêmio, romântico  e mulherengo, teve uma vida agitada. Em 1821, com a volta da família real para Portugal, ficou no Brasil, como príncipe regente, que se rebelou.  Em 1822, proclamou a  Independência do Brasil, sendo coroado Imperador em 1823. Em 1824, outorgou a Constituição parlamentar do Império que fundou.  Em  1831, abdicou o Trono do Pais que libertou, (tendo permanecido aqui, como Imperador, por apenas cerca de 9 anos), para assumir a  Coroa de Portugal, ficando  no  Brasil para seu filho  Pedro II, seu herdeiro, de apenas 5 anos. Morreu em Portugal em  1834,  aos 35 anos de idade,  de tuberculose, deixando vários filhos de muitas mulheres.
                  
Enfim, Dom Pedro I,  um Príncipe português, apesar de seus pecados, consagrou-se, como Libertador da Nação brasileira  e  foi sucedido no trono por seu filho Dom  Pedro II,  Príncipe brasileiro, que consolidou o Império.
Dom Pedro II,  recebendo do pai, como herança, uma monarquia liberal, imperou durante 58 anos e foi um monarca de índole republicana. Ao ser destituído do poder, com a proclamação da República, recebeu com serenidade a intimação de deixar um País, que tanto amou,  dentro de 24 horas, com toda sua família. E o fez com dignidade. Faleceu em Paris dia 5.12.1891, aos 66 anos de idade,  dois anos depois de destronado.


domingo, 2 de agosto de 2015

Celebrando a Vida - Poemas Outonais e Contos


    Capa (árvore, caindo as flores e folhas)
   Formatação com o Deri
   Última revisão a ser feita
......................................................................................................................
(Página)

           Daniel Antunes Júnior

CELEBRANDO A VIDA                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                
Poemas Outonais e Contos

                                                                                                                                                                                                                                                 
                      Belo Horizonte
                              2015             .......................................................................................................................(Página de dentro)




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 Eis o cara autor deste livro                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 .....






 
Índice
Prefácio
Celebrando a vida, ainda legal
Dedicatória
De vassalo a suseranos
Agradecimento
Preâmbulo
Considerações sobe a poesia na literatura
Primeira Parte
Tributo ao torrão natal
-Temas do meu Sertão
1 - Espinosa
2 - Lençóis do Rio Verde
3 - O vôo das garças
4 - Os Deuses do Olimpo
5 - O milagre do Sertão
6-  Eldorado
7 - Solidão
8 - As Lopes na Praça
9 - Mexericos e Fofocas
10 - O otimismo do Vavá
11 - A fonte de Da.Bela
12 - Aos imbuzeiros
13 - O casadinho
14 - Mirante
15 - Desdemôna de Lençóis
16 - Holocausto à beleza
17 - Gloriosa Amélia
18 - Tiaguinho
19 - Zé Galo
20 - As Lopes
21 - A indomável
22 - Coisa Linda
23 - O número divino
24 - Os vigilantes da Jurema
25 - Os bravos Cangussus
26 - No tempo do pequi
27 - A libido e o pequi
28 - Imbu x Pequi
29 - Espinosa noventona
30 - Receita para fazer chover
31 - Nostalgia e esperança
32 - E as  chuvas chegaram
33 - Os raçadores do Mingu
34 - Ícones sertanejos
35 - A Estiva
Segunda parte-
Outros temas
36 - A Sucessão dos dias
37 - Renascer
38 - O elixir da eterna  juventude
39 - Escravo fagueiro
40 -  O sonho frustrado
41 - Amélia revisitada
42 - De Daj, a contradita
43 - Amélia relaxada
44 - Sete palmos
45 - A voz do coração
46 - O rouxinol
47 - As luzes e as cores do mundo
48 - A alvorada dos oitenta
49 -  Eternal juventude
50 - Promessa é dívida
51 - Evoé!
52 - O arauto alvissareiro
53.  Esbulho e genocídio
54 - O Pélago
55 - Versos à Conceição
56 - Letícia Ano 2010
57 - Um quase adeus
58 - Serenamente
59 - Até ao fim
60 - E a vida continua
61 - Lembranças caras
62 - Jesus de Nazaré
63 - A Árvore Símbolo
64 - Belo Horizonte
65 - A Beleza
66 - Eclesiastes
67 - O homem e seus vícios
68 - Tudo passa
69 - Cronos
70 - Minha eterna namorada
71 - Néctar dos deuses
72 - O regalo da vida
73 - Expulsão do paraíso
74 - A saga  do pecado original
75 - Himeneu das virgens
76 - A mulher sem alma
77 - A laranja e o laranja
78 - Ode ao caloteiro
79 - O ciclo da vida
80 - Noventão
81 - Símbolo da sabedoria
82 - Filosofando
83 – Giovane Afrodite
84 - Aquilo roxo
85 - Casar ou não casar
86 - Depois de velho, ermitão
87 - O cordelista
88 - A linguagem do cordel
89 - Mateus, primeiro os meus...
90 - Nefanda trilogia
91 - O orgasmo do corrupto
92 - Instante de Belo Horizonte
93 - Caducando
94 - Dies irae
95 -Amar a terra
96 - Nunca desista
97 - Morrendo completamente
98 - Tanatos
99 - Planeta Terra
100- O outono da vida
101- A doce companheira
102- Amar o belo e o bom
103- Para a filha da mãe
104- Tentação incoercível
105- O cordelista retado
106- Abotoando o paletó
107- Baú de ossos
108- Viagem sem volta
108- Trovas
109- O estigma cruel
110- A mulher bem feita
111- A mulher de barriga
112- Don  Juan gabolas
113- Um guizo no pescoço do gato
114- Quanto vale uma saudade
115- Modernistas
116- A mulher bonita e o outro
117- A cama na comédia humana
118- Para finalizar esta parte
119- Primeiro poema (O São Francisco)
120- Segundo poema (A Mosca Azul)
121- Terceiro poema (O julgamento de Frineia)
122- Apêndice
123- A Vaca Eleitoral
124- A Flor do Pântano
125- O Anel de Madame
126- O Casamento de Manoel Sinhô
127- O Reencontro com Zenith
128- O Guarda-chuva


Prefácio

“Celebrando a vida – Poemas Outonais e Contos” é o título que Daniel Antunes Júnior atribui à obra que agora lança.
Dizia Gustavo Barroso que a mocidade dos poetas está nos versos que fazem. É realmente impressionante tal assertiva, pois, quem ler os poemas inseridos neste livro, sem conhecer o autor, jamais pensaria tratar-se de um vigoroso jovem de 90 anos. Banqueiro, fazendeiro, historiador, cultor das letras, Daniel esparge alegria e jovialidade de espírito por onde passa. A inteligência de Daniel, o raciocínio rápido e brilhante, a consolidada cultura histórica e literária, fazem dele um “primus inter pares” em nosso meio.
Agora, Daniel traz a lume o livro citado. Logo no início, faz homenagens  especiais  a Anacreonte,  “poeta lírico grego,  que celebrou,  em versos ligeiros e graciosos,  o amor, o vinho e os prazeres da mesa”,  e  a Lord  Byron,  “poeta inglês, herói  romântico, donjuanesco,  satírico e espirituoso.”
Os textos de Daniel  deslumbram  o leitor. Por exemplo, ao fazer considerações sobre a poesia  na literatura, observa que  “os poetas têm o dom de sentir e identificar  o que há de  romântico no mundo que nos rodeia e do qual fazemos parte,  isto é, tudo quanto há de elevado ou comovente nas  pessoas ou coisas, ” Na realidade,  os poetas  têm,  como disse Cesário Verde, o dom de ver em palimpsesto  – onde está, o que não está – ou seja, os poetas vêem  além e melhor do que os outros.
O autor realça o soneto  que, segundo ele, “sintetiza  e   expressa,  na sua forma e transparência,  a mais pura essência do sentimento lírico e,  através  da musicalidade  das palavras, nos enleva pela beleza sonora do verso”.
No tocante aos trabalhos de  Daniel,  há muito o que ser destacado, tal como  o “Tributo ao Torrão  Natal”  e  o “Otimismo do Vavá”,  o ultimo uma  lição de vida nos dois tercetos do soneto:

“Feliz quem se contenta com o que é seu,
Valorizando  sempre, e de boa  mente,
O  que conquistou, ou que a sorte lhe deu.

Pois a felicidade nunca bate à porta
Do eterno e amargurado descontente,
Para quem nem o céu satisfaz ou conforta...”

Interessantíssimo é o soneto “No tempo do pequi” e suas propriedades afrodisíacas.
A esposa e musa Conceição  é homenageada em diversos sonetos, dos quais destaco os excertos abaixo:

“De bem com a vida, nas carícias do ninho,
A seu lado do pomo do amor desfrutei,
Com total lealdade, dedicação e carinho.”

E

“Na intimidade de um amor fecundo,
Com alegria de alma e coração,
Juntos, para o prazer imenso, profundo,
Celebramos  vida com glória e emoção.”

Celebra  Daniel, também, a sua idade, com  a alegria e o entusiasmo que lhe são peculiares:

NOVENTÃO

Como cheguei até aqui, lépido e fagueiro,
Com todas as funções vitais a contento,
A desfrutar do dom da vida, prazenteiro,
Eu mesmo não saberei dizer, se tento...

Decerto não ficarei para semente,
Neste mundo maravilhoso e renovável:
Um dia partirei, como todo ser vivente,
Com antecipadas  saudades dessa vida amorável.


Será com pesar que direi adeus  a dedicados
|Amigos  que aqui deixarei para sempre.
Todos  eles inexcedíveis  nos seus  cuidados.

Sinto que deixarei a todos eles tão somente,
Com as escusas por minhas falhas e pecados,
A gratidão imensa de quem não ficar para semente...”

Incursiona Daniel, ainda, pela difícil arte do cordel, pouco difundido em Minas Gerais, elogiando o povo brasileiro, porque

“E mesmo sendo a vida Severina
Canta com humor  a sua sina...”

Daniel homenageia, transcrevendo textos, o Desembargador Antônio  Pedro Braga (poema  sobre o Rio São Francisco), Machado de Assis  (“ A mosca azul”) e Olavo  Bilac (”O julgamento de Frinéia”),   tecendo  comentários a respeito dos mesmos, com  a erudição de sempre.
Vários outros temas são abordados, mas não posso, em um prefácio,  extravasar limites, deixando aos leitores a fruição plena dessa obra admirável.
O livro de Daniel não é uma obra comum: é uma  lição de história, uma lição de  literatura, uma lição de amor, uma lição de vida!
                                    Luiz Carlos Abrita






Celebrando a vida, ainda legal

Assim como o astro rei que já não brilha tanto nas tardes crepusculares do solstício, mas ainda não se apagou, o  autor, ao cabo de intensas atividades e já na messe outonal,  mesmo arrefecido no  seu vigor, não terá ensarilhado de  vez as suas  armas e ainda atua para  fazer jus às  dádivas dos deuses! 
A vida é bela e digna de ser vivida, em qualquer de  suas  etapas. Mas é uma só. Viveu bem quem  soube desfrutá-la com alegria e dignidade.
O outono é o tempo das  colheitas. É preciso plantar, para colher. Quem lançou na terra a boa semente, terá o  prêmio do  seu labor.
 As chances na vida são preciosas, e agradável é o sabor da vitória. Finda a missão neste mundo fascinante de lutas e encantamentos, cada  qual terá realizado o seu papel, sem voltar à cena. Não haverá retorno para mais uma jornada. Assim, todos têm a  messe do seu esforço. Sem novas oportunidades, quem não aproveitou melhor o seu tempo, deve comprazer-se  com o que foi capaz de realizar.
Sofre quem  chora o leite derramado ou tenta resgatar algo que não soube construir, pondo-se a navegar em busca do tempo perdido. Sábio  é  quem se  contenta com o suficiente,  aceitando suas limitações.
O autor sente-se satisfeito de ser homem e de seu desempenho na vida  que levou, comedida mas  gratificante. Por tudo isso, dá graças a Deus.
Daj

(Página)
Dedicatória


Dedico  estes poemas à Conceição - a musa da minha vida - a companheira inseparável que me tolerou por tanto tempo,   proporcionou-me a felicidade e me deu filhos valorosos - Dante, Silvana, Daniel, Sergio e Sandra Maria.




(Página)
De vassalo a  suzeranos

Homenagem de grande estima  e acatamento ao Dr. Jorge Lasmar e Da.Sara, sempre atenciosos. 


Homenagem póstuma de gratidão e respeito aos bons e saudosos amigos,
Dr. Edir Carvalho Tenório
Prof.  Hamilton Leite
Des. Hélio Costa
Prof. José Marques Correia Neves
Dr. Miguel Augusto  Gonçalves de Souza
Profª.  Nivia Nohmi
Dep..Pedro Maciel Vidigal
Dr. Serafim Ângelo da Silva Pereira
Dr. Wilson Veado,
dos quais  o autor recebeu incentivos  e generosas demonstrações de apreço.
(Página)

Homenagem especial
a
Anacreonte,

poeta lírico grego, que celebrou em
versos ligeiros e graciosos, o amor,
o vinho e os prazeres da mesa.

E a Lord Byron,

poeta inglês, herói romântico,
donjuanesco, satírico e espirituoso.

(Página)

Agradecimento

O autor agradece aos  amigos e parentes que sempre o respeitaram e o incentivaram em todos os atos de sua vida, inclusive na edição deste livro.


(Páginas)
Preâmbulo
Contam  que certa feita, em Bolonha, na  Itália, um pintor de paredes extasiou-se diante da “Santa Cecília”, uma tela de Rafael, vindo a exclamar perante as pessoas presentes: Anch´io sono pittore...  (Eu também sou pintor).
O autor, que se empolgou com os poemas  de tantos autores consagrados, ao  aventurar-se como versejador, teve a ousadia de compor estes sonetos, mas não  se considera senão um mero   cronista. E aqui entre nós, até teme a alcunha reservada aos que, sem  a centelha genuína da  inspiração poética, e indigentes de auto-crítica, se mostram deslumbrados com as próprias e pobres composições  literárias. São aqueles que,  flanando por aí, vivem com  o seu filosofismo, e dos quais se diz ironicamente:  é um poeta...
Todavia, sempre tive o maior  apreço  pelos cultores da poesia, como Machado de Assis, ou Drummond, ou Bilac, ou Castro Alves, (para só citar alguns dos nossos), e cujo engenho poético,    de se tirar o chapéu, nos conduz a nobres emoções.
Entendo que a poesia, (do latim poesis) como arte de realçar o que a vida tem de mais significativo e belo, é o substrato da  vida e do doce encanto de viver.
É o dom que se reserva, às pessoas  de  sensibilidade e de bem  com a vida, notadamente através da literatura, de captar, o quanto há de harmonioso, emocionante e arrebatador na alma humana e neste mundo maravilhoso em que vivemos,  transmitindo toda essa beleza a seus semelhantes, para deleite  do espírito.

Considerações sobre a poesia na literatura

                        Versos, métrica e rima
Os poetas têm o dom de sentir e identificar o que há de romântico no mundo que nos rodeia e  do qual fazemos parte, isto é,  tudo quanto há de elevado ou comovente nas pessoas ou coisas. E a poesia pode ser definida como algo que desperta a sensibilidade da alma humana.  Como arte, é  o encanto da vida, a inspiração que a festeja, a graça que a envolve, e o atrativo que a enobrece. É a emoção diante do belo, dos sonhos e da sublimação dos desejos;  em face  do lírico, do épico e do heróico, das alegrias e das tristezas.
Manifesta-se a poesia tanto no sorriso de uma criança, no canto dos passarinhos, no desabrochar das flores no campo,  no clarão sereno do luar, na brisa refrescante em noites cálidas,  assim como nos desafios  da vida, notadamente  no  amor e  na ternura, e tudo mais que faz da nossa existência uma experiência digna de ser vivida. 
Diversas são as modalidades dos poemas, destacando-se o soneto, termo derivado do francês sonnet - cançoneta - diminutivo de son, (som) tendo este o significado de ária de música - daí o caráter sonoro, musical, que se pretende para a sua composição.
Jóia preciosa que nos vem da fase áurea da Renascença, o soneto celebrizou Petrarca - o verdadeiro fundador do lirismo moderno.
O soneto  sintetiza e expressa, na sua forma e transparência, a mais pura essência do sentimento lírico e, através da musicalidade das palavras,  nos enleva pela beleza sonora do verso.
Célebres foram os trezentos e dezessete sonetos que Petrarca - o grande vate  - compôs em honra da bela Laura de Noves, a aristocrática provençal à qual dedicou, durante toda a sua vida, intenso amor platônico, vindo tais  sonetos, pela pureza e  encanto de sua forma, a contribuir na formação e ornamentação do idioma italiano.
Como se sabe, rima é a repetição do mesmo som, ou fonema, no fim de dois ou mais versos. E não há dúvida que os versos rimados, em perfeita harmonia com o sentido da composição,  é o que distingue a poesia da prosa.
Todavia, na poesia moderna a rima, que antes se ligava intimamente aos versos, dando-lhe vida e beleza, deixou de ser obrigatória, para ser facultativa. Como se vê nos léxicos, o verbo rimar tem o sentido de compor versos, mas estes hoje não mais são necessariamente rimados.
Verso é a subdivisão, ou cada uma das linhas de um poema, as quais se ligam harmoniosamente. Especialmente no soneto, classificam-se como octossílabos – 8 sílabas;  decassílabos – l0 sílabas, e  alexandrinos – 12 sílabas.
Assim, os versos obedecem a padrões da métrica e da  rima, ou prescindem deles, como versos soltos,  brancos  ou livres.
Os versos livres caracterizam-se por possuir certa harmonia, ou efeitos sonoros, suaves, sem rimas ou com rimas ocasionais (como no caso de Carlos Drummond de Andrade), além de apresentar unidade de sentido. Não obedecem a nenhum outro critério senão às pausas espontâneas e cadenciadas.
A grande novidade é que na poesia moderna os versos livres, tal como na decantada bossa nova -  que é composição musical mais falada que cantada -  ganharam status e hoje andam de salto alto, com apelos ou exageros evidentes. Muitos deles são vagos, ou só entendidos pelo próprio autor. Mas, é inegável, - tal como ocorre na música bossal - que na poesia moderna há também composições que se destacam pela sensibilidade e bom gosto. Haja inspiração, harmonia e refinamento que equivalham à sonoridade rimada!
Métrica é o conjunto das regras que presidem à medida,  ao ritmo  e à organização do verso.
Os versos métricos, ou versos medidos, são uniformes na sua extensão. Compõem-se de palavras ou fonemas em número similar ao de outro verso do  poema.
Na metrificação, pode ocorrer, ao final,  a fusão ou  aglutinação dos sons de sílabas átonas com as dominantes, resultando uma unidade, ou fonema tônico, no ritmo do verso (acento de intensidade), do qual não se descartam a harmonia e a musicalidade.
Entretanto, em termos de  prosódia, verifica-se que  a extensão dos fonemas não se  mede com  precisão matemática.
 Isto ocorre porque o fonema velar, cujo ponto de articulação está no véu palatino (o céu da boca) pode ter entonação com efeitos peculiares a cada pessoa. Em outras palavras,  a impostação da voz e o timbre variam de indivíduo a indivíduo. Em muitos casos, podemos distinguir, nitidamente, a voz de determinada pessoa. Para os expertos do bel canto, não se confundirá um Pavarotti com nenhum outro tenor, ainda que o mesmo  tenha tamanha pureza e virtuosidade. Famosos e inimitáveis foram os soluços de Beniamino Gigli, e os maviosos sustenidos de Maria Callas.
Pé é parte do verso. E rima é a última sílaba forte, ou tônica, que combina com o final de outro verso, de par em par, ou intercalados.
Verso de pé quebrado não se confunde com verso livre; é aquele que não reúne as qualidades mínimas  da concepção literária,  tanto no sentido, como na forma.
Soneto - a essência maior da poesia - é definido, entre nós, como composição de 14 versos divididos em dois quartetos e dois tercetos, com rima e metro variáveis. Petrarca o elevou à perfeição, no modelo italiano, chamado petrarquiano. Dante, Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa, Jorge de Lima e tantos outros autores de renome deram ao soneto grande prestígio. O soneto inglês é formado por três quartetos e um dístico, isto é, dois versos.
E estrambote, ou estramboto, é verso ou versos adicionais aos 14 do soneto.
Nas composições poéticas escritas, para indicar  ao leitor o ritmo e pausas na recitação dos versos, é correto, em termos ortográficos,   observar  o mesmo critério de pontuação   que prevalece na prosa.
Assim,  como acontece no verso inicial, todos os subseqüentes começariam com letra maiúscula, desde que seguindo-se a outros  terminados com ponto final, de exclamação,  interrogação e reticências;  e  com letra minúscula, nos demais casos. Drummond observa este modelo, com graça, simplicidade e elegância.
Entretanto, essa regra gramatical  nem sempre  tem sido  observada,  até mesmo  por autores de nomeada.       
Desta forma e facultativamente, costuma-se destacar,  todos os versos, começando-os com  letra maiúscula, qualquer que seja a pontuação final do verso anterior; e ainda que  completando o sentido dele, isto é, quando constituem  orações  subordinadas do verso precedente.
Não foi encontrada nenhuma indicação fundamentada dessa prática em voga. Indagamos  de um poeta consagrado a razão  dela, mas  ele nada esclareceu. Certamente tal liberalidade é uma concessão especial à poesia, para se obter um visual elegante na forma gráfica da composição poética...
Nos poemas, além dos  vilancetes (mote e   glosa) há  recursos criativos, floreios, como o jogo de palavras, com ou sem  rima,  que muitas vezes  dão ao texto um certo encanto. Vejamos este exemplo numa equação poética de Shakespeare:
Se tiver que ser agora, não está para vir.
Se tiver de vir, não será agora.
E se não for agora, mesmo assim virá...

E este  outro, da Mosca Azul, de Machado de Assis:
E  zumbia, e voava,e voava, e zumbia,
       Refulgindo ao clarão do sol
E da lua - melhor do que refulgiria
       Um brilhante do Grão Mogol...

Na verdade, além de expressar o embevecimento pelas coisas belas da vida, a poesia se presta a muitos outros casos. Por exemplo, em quadrinhas bem arrumadas, tem sido usada em propaganda comercial e em avisos irônicos, como este (do bataclã do José Fiel) fornecido pelo Florival Rocha:

Caldo de galinha não é canja
Prosa não é valentia
Com dinheiro tudo se arranja
Nesta casa não se fia...

Ou ainda para porfias satíricas, como esta atribuída a Tobias Barreto e Castro Alves, (trazidas pelo catingueiro Tiãozito Cardoso):

TB - provocando:
São Salvador, Bahia
Bahia de Todos-os-Santos;
Lixo por todos os lados,
Merda por todos os cantos...

CA - retrucando:
Cidade do Recife,
Veneza pernambucana;
Em cada janela uma puta,
Em cada esquina um sacana...

É evidente que na poesia não basta fazer a composição sob medida, em termos de métrica, e notadamente de rima. Esta, na  sua essência,  pode ser forçada, insossa, sem graça. É preciso que o poema tenha “alma”; que lembre a fragrância de uma flor,  a suavidade das águas puras,  cristalinas e cantantes; que se inspire  numa imagem ou  numa mensagem que enleva ou arrebata; enfim, que tenha harmonia,  um  toque benfazejo ou uma centelha fulgurante, capazes de provocar a emoção e a sensibilidade do leitor, assim como uma doce, festiva ou nostálgica melodia que encanta o ouvinte. Com tais atributos,   a composição poética de valor - aquela que transmite a outrem as emoções mais  puras de tudo  de belo que encontramos na vida e no mundo que nos  rodeia - colorido,  sonoro e cantante -, não  está ao alcance de qualquer versejador.  
 Ainda assim  o autor compôs estes pobres sonetos, para enfrentar os desafios feitos a si  mesmo, apesar  do aforismo segundo o  qual  quem não  tem o dom  do engenho poético tem que se consolar com a prosa...
                                                                                 Daj

                                                                                                               



Primeira parte

TRIBUTO AO TORRÃO NATAL
(Temas do meu Sertão)
Espinosa

A Expedição Francisco Bruzza Espinosa
Com as bênçãos do Pe. Aspilcueta Navarro
Em caminhada longa e espinhosa
Foi a primeira  a explorar  nosso sertão bravo

Essa grande aventura ganhou mundo!
Na velha Europa  todos queriam saber,
Miudamente, com detalhes até ao fundo,
Qual vantagem aqui poderiam ter.

Entretanto, sem encontrar a esmeralda,
O ouro e os diamantes tão cobiçados,
Para a  rapinagem grossa e tão sonhada
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               A  Expedição aqui não ficou, nem voltou
E somente trezentos anos passados,
O lendário Lençóis do Rio Verde brotou...

Lençóis do Rio Verde

No seu garboso e esbelto perfil,
Impecavelmente de branco vestidas,
Sob céu límpido e de puro anil,
Leves, tão graciosas e  garridas,

As garças em espessa revoada,
Vindo sobre as várzeas pousar,
Ostentando sua alvura imaculada
Como extensos lençóis a corar,

Davam às tardes doce melancolia
E nas esplêndidas manhãs de sol
Saudavam álacres o novo  dia.

Então Lençóis do Rio Verde surgiu
Trazendo do berço o nome de escol,
Que a vil modernidade traiu..
Nota - O nome de Lençóis do Rio Verde
foi troçado para Espinosa por imposição
dos novidadeiros do antigo Departamento
de Estatística do Estado.




O Vôo das Garças

No vale do Rio Verde Pequeno outrora
Garças brancas, brancas como a neve,
Desde as primeiras luzes da aurora,
Com seu belo perfil, gracioso e leve,

Pousadas nas várzeas, em profusão,
Tais como alvos lençóis  a corar,
Deram a Lençóis do Rio Vede, então,
O nome original, poético, sem par.

Todavia, esse nome tão excelente,
Por atroz ironia do destino incerto
Veio a ser trocado impunemente...

E as garças se afastaram por opção.
Mas todos os anos retornam em vôo direto,
Talvez na esperança de tardia reparação...

Os deuses do Olimpo

Cedo ainda, bem cedo, na Serra do Pau d´Arco,
Os deuses do Olimpo despertam para o novo dia.
E navegando em seu carro, qual formoso barco,
Partindo daquela azulada e gigantesca penedia,

Surge Apolo, astro-rei de  luminosidade intensa ,
A espargir sobre os vales e montes alcantilados,
Seus raios dourados a irisar a névoa densa.
E nessa sucessão dos fatos, sempre renovados,

Da vida palpitante  e  bela, em todos os  dias,
Os deuses tutelares,  a tudo regem, protetores,
Propiciando aos eleitos, a paz e as alegrias.

Possam suas benesses e seus  favores
Contemplar a todos  que empenham as energias,
Para coroar  suas lutas, sonhos   e amores!







O milagre do meu sertão

Quando, em meu sertão, de dentro da  terra
Sobe o ar abafado, quente,  trepidante,
E já no verão, pelas quebradas da serra,
Ribomba nostálgico  o trovão distante,

Nuvens carregadas cobrem o céu profundo
E com a ansiada virada do tempo,
Banham o solo adusto, mas fecundo,
Trazendo à paisagem festejado alento.

É o milagre perene,  sempiterno,
Que transforma da noite para o dia
Toda natureza do meu sertão fraterno.

Nessa fonte de vida, com euforia
O grande espetáculo, franco e terno
Transborda os corações de paz e alegria...

Eldorado

Da  Jurema, sob céu límpido e sol radiante,
Vê-se, na Serra do Pau d´Arco, azulada penedia,
Com o  nítido perfil de gigantesco elefante,
Qual soberbo, benfazejo e singular vigia.

Ali está a olímpica morada dos deuses,
Que   regem o destino das criaturas.
E de  tudo decidem – suas glórias e reveses,
Suas lutas, sonhos, desditas e venturas.

Mas o cadinho da Jurema foi privilegiado
Pelos deuses tutelares, que  nas alturas,
Fizeram deste recanto  bendito Eldorado,

Onde a vida é  bela e plena de alegria.
No alvorecer o galo canta, muge o gado.
E os pássaros em festa saúdam  o  novo dia!...

Obs - Para o autor, na  Jurema, nada havia de mais belo e confortante do que ver, nos galhos farfalhantes das árvores e cintilantes  aos raios do sol da manhã, as gotas d´agua que restavam da chuvinha fina e mansa da madrugada, quando se podia dormir  ao embalo de um leve e doce murmúrio.



 Solidão

A solidão nem sempre é o desterro
O ostracismo nefasto e medonho,
Mais penoso do que  o enterro
De um belo e acalentado sonho.

É também pausa para meditação
Que liberta as almas cativas,
No jogo da vida,  de toda  paixão,
Para novo  alento e novas perspectivas.

Quando  às vezes tudo parece negativo,
Com o mundo a desabar,  na paz interior
Da solidão vamos buscar o doce lenitivo

Para todas as mágoas e  toda dor.
E encontramos a visão  do porto  festivo
Na rota segura e feliz do sonhador.

                           Na solidão da Jurema,
                                no domingo que passou,
                                este pobre poema
                                foi tudo que me restou...

As Lopes na praça

De tanto aparecerem à noite na praça,
A desfrutar das aragens o frescor,
As Lopes, com os ares de sua  graça,
Passaram desde logo a compor

A paisagem humana em tal recanto.
Ali, temperando humor com fina ironia,
Se divertem, acrescentando um ponto
Às fofocas picantes de cada dia.

Mas como elas não  escapam
Às farpas dos eméritos futriqueiros,
De suas trincheiras  contra-atacam

Os marmanjos boquirrotos e bobocas
Fazendo virar o feitiço contra os feiticeiros,
Que só parolam besteiras e potocas...

 

 

 

Mexericos e Fofocas


Na praça, frente ao bar, sobre a calçada,
Rematando  mais um dia,  a  espairecer,
Pontificam os fofoqueiros da pesada,
Desde  as  últimas luzes do entardecer.

Curtindo a cervejinha  bem gelada,
Os eméritos abelhudos, com  humor,
De tudo falam  em tais  rodadas ,
Notadamente sobre as coisas do amor.

Que se cuidem  as bonecas  audazes,
Sobretudo aquelas  de  mais portentos,
Pois nada escapa às farpas mordazes

Dos marmanjos, sedentos de novidades,
Ávidos  por  propalá-las  aos quatro ventos
Sejam apenas potocas, senão doces verdades...


Otimismo do Vavá


- Que belo é o meu trono! – terá  gabado,
A sábia  coruja, dona do mísero toco
Que para  pouso dela foi reservado,
Embora rústico, sem vida,  sem broto...

O dito lembra   o Vavá das Lopes,
Com o seu otimismo assaz  profundo,
Pois além das filhas de bons dotes,
Tudo que possui é o melhor do mundo!

Feliz quem se contenta com o que é seu,
Valorizando sempre, e  de boa mente,
O  que conquistou, ou que a  sorte lhe deu..

Pois a felicidade nunca bate à porta
Do  eterno e amargurado descontente,
Para quem nem o céu satisfaz ou conforta ..







A fonte de Dona Bela

Outrora, naquela passagem do rio,
Havia a famosa fonte de Dona Bela.
E nas ribas, para além do casario,
Erguia-se uma casa pequenina, singela,

Onde morava a quitandeira da fonte,
Que veio a ficar com o nome dela.
Límpida   e pura era  a água   cantante
Que  manava  na  fonte de Dona Bela....

Melhor ainda eram  as  brevidades,
Tão gostosas, da confeiteira singular
Que aos aguadeiros deixaram  saudades!....

Pois em noites   estreladas ou de luar,
À  garotada ávida, de todas as idades,
Ela  prodigalizava o  delicioso  manjar...

Aos imbuzeiros

Em Lençóis, para as caminhadas de lazer
Pelos campos verdejantes em pleno verão,
Ar puro, céu límpido desde o alvorecer,
Os grupos se formavam por tradição 

E através de trilhas e veredas conhecidas,
Rumo aos velhos imbuzeiros camaradas,
Lá ia o bando alegre de pessoas amigas,
Adultos, e jovens com suas namoradas.

Nem os frutos agridoces - oh! que delícia!
Pendentes dos galhos e ao alcance da mão,
Eram tão doces, como a doce carícia

Dos  beijos furtivos e amassos -  tentação!
Assinalados a canivete e com tal perícia
No tronco dessas  árvores nativas do sertão...

Obs. Os namorados deixavam o nome, ao lado
de um  coração trespassado pela seta de Cupido,
cravados no tronco do imbuzeiro , como
lembrança de seu idílio.



O Casadinho

O casadinho feito de tijolo e requeijão,
À venda na banca do Geraldo Serra-pau,
É cortado com  caprichosa manipulação 
Aos sábados,  lá no Mercado Municipal.

Esse sal e sobremesa  do nosso Sertão,
Produto da terra, charmoso  e  comidinho, 
É como a mulata, que vem de pés no chão,
Atiçar o fogo do amor bem  chegadinho.

Na verdade, tal  guloseima roceira,
Tão  apreciada dos homens, é outra tentação
Que nunca falta aos sábados, na feira.

Dizem até que por insuspeitada   razão
É infalível afrodisia, vigorosa  e brejeira:
Dá sustança, lava a alma... e  dá tesão...

Mirante
(Um cão como poucos
)
Forte, resoluto, altivo e até galante,
Meu caro amigo e companheiro,
Na Jurema, sempre atento, vigilante,
A qualquer sinal tu vês primeiro

Quem está chegando, de boa ou má paz..
Fiel a teus princípios de bom guardião,
Impávido, de tudo serás capaz,
Até mesmo de sacrificar-te pelo patrão.

Cabe-me, pois,  demonstrar-te Mirante,
Toda a minha simpatia por tua fidelidade
Canina, segura, incondicional, edificante,

Mantendo a melhor convivência contigo.
Pois entre amigos encontrei cachorros
E entre cachorros encontrei-te, amigo!..





Desdêmona de   Lençóis

Uma jovem tão tímida,
de espírito tão sossegado e calmo,
que corava dos próprios anseios.
Shakespeare.

Naquele fatídico quinze de julho
Do ano de  mil novecentos e quatro,
Dando asas a seu imenso orgulho
E dominado por ciúme insensato,

O infeliz e sacrílego consorte,
Em  noite nefasta e já distante,
Desceu, em delírio, o  braço forte
E abateu sua vítima num instante.

Era a bela e indefesa Amélia, coitada!
Golpeada de morte tão rudemente,
E abandonada agonizante na estrada,

Seu martírio inenarrável, comovente,
Cingiu-lhe a fronte de luz aureolada
E consagrou este local para sempre!
                                        Para a cruz de Amélia                                                                                                                           
                                                à beira da estrada.


Holocausto à beleza

A gentil Amélia, cativante e bela,
Vivendo de angústias e receios,
Alma cândida  que a candura vela,
Corava dos próprios anseios.

Musa nascida para os doces carinhos,
Na sagrada comunhão do leito,
Como os pássaros nos seus ninhos,
Só anelava o amor puro, perfeito.

Sacrificada  tão jovem, e sem alento,
Lençóis do Rio Verde, em comoção,
Para assinalar tamanho sofrimento,

No solo em que  tombara indefesa,
Ergueu, com  devotada e justa  unção,
A cruz do holocausto à beleza!.




Gloriosa Amélia.

Amélia, tal suave e  gentil camponesa,
Tão formosa como a pastora Raquel,
Com seus cabelos bastos, que beleza!
Olhos vivos, sonhadores, lábios de mel,

Nem  Rebeca,  ao saciar Isaac na fonte,
Teria sido mais encantadora do que ela
De porte  airoso e vivaz   semblante,
E todos atrativos de uma jovem donzela...

Envolvida na trama de seus pretendentes
E ceifada  duramente por ser tão bela,
Ainda que possam alegar antecedentes,

Da sua imensa tragédia - a sua cruz!
Amélia sucumbiu como o apagar de uma vela,
Para ressurgir com a gloria, plena de luz!

Notícia histórica
Amélia Freire Alkimim, uma jovem de 21 anos de idade,  foi abatida, por ciúme,  por seu marido Evaristo Antunes de Souza, na noite  estrelada e fria de 15.07.1904, no local assinalado por duas pequenas cruzes,conservadas ainda hoje, mais de um século depois da tragédia.
 Ao fundo foi construída uma capela, às expensas de um seu devoto, que mora em São Paulo, e foi beneficiado de uma graça, alcançada por sua intercessão.
Foi ali que Amélia sofreu ate à morte, sem que pudesse contar com qualquer auxílio, nada podendo fazer senão apelar para um poder mais alto que a amparasse naquele momento de desespero.
Qualquer que tenha  sido em vida a conduta de Amélia, ninguém  pode negar, em sã consciência, que a morte trágica lhe colocou sobre a fronte uma auréola de luz
Ninguém pode duvidar  que continuamente e cada vez mais, anos a  fora, legiões de almas aflitas e sofredoras buscam e alcançam, na invocação de Amélia, um lenitivo para as suas dores e um consolo para suas mágoas
Na verdade, seria estranho que isto pudesse acontecer, sem que algo transcendente tivesse marcado aquele episódio sangrento, ocorrido há mais de um século.
Na memória gloriosa de seu sacrifício - a própria imagem do sofrimento que redime e santifica - vê-se que a sensibilidade popular, indiferente aos antecedentes da grande tragédia, instituiu e consagrou a devoção de Amélia ,na inspirada crença de que, naquele martírio inenarrável, sua alma foi resgatada pura como  o lírio dos pântanos e resplandecente como o sol que brilha no céu límpido, após a noite tenebrosa das tempestades e dos vendavais.Daj









Tiaguinho

Tiaguinho, essa pequenina criatura ,
Ainda frágil, mas  vivaz e contente,
Com seu sorriso pleno de candura,
Enleva e nos transmite docemente,

Como um anjo  todo vestido de branco,
A mensagem de fé; de  paz e venturas,
Para a harmonia e todo o encanto
Das almas cândidas,  generosas e puras.

Bendita a imagem dessa  inocência
Que inspira ao mundo atribulado e vário,
A compreensão e a saudável convivência,

Sem os desencontros da porfiada lida
Que levam  os homens ao seu calvário,
Turbando os venturosos  dons  da vida!....


Zé Galo

Zé Galo, maioral  do Barro Vermelho,
Filho dileto de seu Zé de Agostinho
É bom  amigo e melhor companheiro,
Operoso e gentil  em seu cantinho.

Ali  mantém  bois e vacas a pastar.
E para  uma rodada bem gostosa,
Tem sempre uma cervejinha  a   gelar,
Constando não haver em toda Espinosa

Vivalma  que  melhor saiba  receber,
Tornando as horas  livres e, com efeito,
Mais doce o inadiável  encanto de viver.

Salve, pois, o falante amigo do peito
Que sempre fagueiro, e festivo a valer,
Tempera a vida e agrada a seu jeito!..







As Lopes

Tateando devagarinho, sutil e mansamente,
E lucilando, mesmo com pouca intensidade,
Vamos desvendar desde logo e claramente,
O  enigma das Lopes – guerreira irmandade.

A Teresinha, tão elegante e aristocrata,
Não é pequena como o nome indica.
E Tatiane, que não é prenome, retrata
A suavidade e, sendo indomável, não o acredita.

Por sua vez Nora Ney não é a cantora,
E Maria das Graças não tem apenas uma graça,
Enquanto Rita de Cássia é mandona e inovadora.

Cristie, a estrangeira, está em outra praça
E finalmente a Coisa Linda, sempre doutora,
Completa e time do Vavá, apurando a raça...



A Indomável

“O homem foi feito para a guerra
E a mulher para o  prazer do guerreiro”;
Este velho e singular adágio encerra
Conceito sutil mas pouco lisonjeiro

Para as adoráveis filhas de Eva.
Mesmo  assim, com tamanha irrisão
Desde era remota, mui primeva,
Tornou-se o dogma... do machão.

Como então tomar essa Lopes destemida,
Indomável  e airosa, desejável e dominante
Para as carícias amoráveis da vida?

Se algum guerreiro vier a conquistá-la
Terá que submeter-se ao seu talante,
Ainda que obstinado, capaz de domá-la!...












Coisa Linda

Quando Deus  inventou Adão
E o fez  de um barro qualquer,
Para poupá-lo de imensa solidão,
De sua costela formou a mulher.

Salve! Eis que os dois habitaram
O  edênico paraíso de delícias.
Mas dali foram expulsos pois pecaram
No doce embalo  das carícias...

Que dizer agora  da Lopes Coisa Linda,
Nascida mulher com a graça da flor?
Para uma jornada sempiterna, infinda,

Feliz o Adão que tendo-a por companheira
Possa  merecer toda a glória do seu amor,
Fazendo-a ditosa durante a vida inteira!..





O Número Divino

Este mundo, que em sete dias Deus criou,
Para festejá-lo, sete são as notas musicais.
A semana  com apenas sete dias ficou
E ao todo sete são os pecados capitais.

As maravilhas do mundo antigo são sete,
As colinas de Roma - Cidade Eterna - são sete,
Os braços do candelabro hebraico são sete
E as cores do arco-íris também são sete.

O sétimo céu é o auge, o máximo do bem-estar.
Sete foram as dores da Virgem Maria
E pintar o sete é exceder-se, deitar e rolar.

No jogo, sete de ouros é o sete belo – Olá!
Mulher tem fôlego de sete gatos, quem diria? 
E sete são as bravas filhas do Vavá!...

Os vigilantes da Jurema

Sete são  os meus cães na Jurema
Mas apenas dois são os titulares:
Um casal, macho e fêmea,
De faro e esperteza exemplares.

Biriba, cadela de pelagem preta,
Cuida da defesa da  parte externa,
E Barão, sempre vivaz, à espreita,
No quintal, guarda a parte interna.

Os outros cães, fêmeas e machos,
Dentes afiados, aptos a estraçalhar,
Basta um sinal para os  rechaços

De quem ali acaso venha buscar,
Como amigos do alheio, velhacos,
Aquilo que não deixou a guardar..








Os brvos Cangussus
Era uma vez a briosa família  dos Pintos
Cuja fazenda  com os Pinheiros confinava
Surgindo entre ambas alguns  conflitos
A respeito de uma cerca que demarcava

A linha divisória das duas  propriedades.
Foi por causa dessa desavença comezinha,
Que  os Pinheiros surraram os   ex-confrades
E  ainda os tacharam  de homens galinha...

Então o chefe dos Pintos, um tanto humilhado ,
Veio a trocar  o nome que sua família tinha   
Para Cangussu,  bicho  valente e  retado

Mas essa  onça pintada de malhas maiores
Cujo nome pavoroso, foi assim adotado,
De certo, não os tornou ferozes  nem melhores...

No tempo do pequi

Que me diz do  pequi,  minha Senhora?
Perguntou o  Dr. Hermes à geraiseira,
Em pesquisa nos  grotões,  outrora;
Queria ele  saber  se era verdadeira,

A fama do  pequi como afrodisíaco;
E ela, que  uma ninhada de  filhos  tinha,
Respondeu pronto, com ar convicto:
No tempo   do pequi,  sempre que vinha

Da roça, meu marido, muito fogoso,
Já nem me esperava ajeitar sozinha;
E  cada  vez,  muito mais   carinhoso

Me ocupava depressa, veja lá o senhor;
Por isso mesmo é que de tão gostoso
Temos a casa cheia!  Ai, que horror!




A libido e o pequi                                                                                  
O pequi,  fruto dadivoso, nativo dos Gerais,
De formato globoso e  casca grossa,
Com suas características essenciais,
É o produto típico, o que mais possa

Simbolizar o nosso sertão agreste.
Sua  polpa  nutritiva e aromatizada,
Com calorias, de amarelo-ouro se reveste,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    
Cobrindo  a castanha de espinhos formada;

E a castanha, tal avaro e seguro  reduto,
Conserva  dentro dela, bem guardada,
A parte mais nobre do genial  produto;

É a amêndoa   ricamente elaborada
Com o teor excelso da afrodisia, que resoluto,
Proporciona  vigor e tesão ao camarada...


Imbu x pequi

Lembrando a guerra entre o cravo e a rosa
O imbu e o pequi, como célebres  rivais,
Que se confrontam em emulação valorosa,
O imbu das Catingas e o pequi dos Gerais.

São produtos nativos e fecundos da região;
Ambos integram a dieta  dos sertanejos
Para propiciar-lhes sustança, vigor e tesão
Ao estimularem a pulsão vital e os desejos...

Consta que houve   um  acordo de cavalheiros,
Para não se plantar  imbu na terra  dos Gerais,
Nem pequi nos domínios  dos catingueiros...

E assim selaram a saudável  convenção.
Respeitando, desde então, os direitos individuais
Cada qual medrando na sua esfera de ação.






Espinosa noventona
Mais de noventa anos já medeiam
Desde a fundação desta  Cidade altaneira,
Cujos pendores não se alardeiam
De terra boa, generosa e hospitaleira.

Salve todas as veras do seu status  social!
Estilo de vida ameno, alegre e festivo,
Indústrias, informática, comércio ativo,
Escolas, esportes, cavalgadas, tudo legal...

Bem-vindos  aqueles que de outras plagas
Aqui passaram a conviver conosco,
E abeberando juntos das nossas águas,

Como filhos  autênticos da terra,
Participam ufanos do seu progresso,
E de tudo de bom que ela encerra!...

Receita para fazer chover

Por recôndito e insondável desígnio do Senhor
Nossa terra  boa e dadivosa , em irrisão que espanta,
Tem sofrido  estiagens prolongadas – um horror!
Que muitas  vezes  calcina tudo que  se  planta.

Faz dó ver então nossos campos ressequidos,
Com toda a plantação tenra a se exaurir sem alento,
Enquanto os animais  famintos, tristes e combalidos
Vagam ao leu a  procura do escasso  alimento.

Dir-se-ia que a terra  é  boa,  o  céu é que não presta,
Mas resta apelar com  fé  aos  santos protetores,
Para o milagre de chuvas  fartas, que na certa
Trarão a redenção providencial aos  sofredores.

Basta que , à moda  dos “Sem Terra”,  sempre atuantes,
Organizem-se  bandos  precatórios,  e saiam  a rebolar,
Homens, mulheres e crianças,  bandeiras à frente, ululantes,
E rezando,  cantando  e dançando, venham a clamar

Por misericórdia  aos  nossos pagos tão  castigados;
E  indo  de cruzeiro em cruzeiro, o madeiro a molhar,
Com  potes e garrafas  de  agua  na cabeça. carregados
Por  moças  saradas de  biquíni,  a pele nua  a queimar,

Certamente se abrandará  o desdém  da natureza;
E ao chegar o séquito à cruzinha de Amélia, a Santa,
O céu já estará pingando, e com toda certeza
Tudo voltará  à vida que nos conforta e nos encanta...

Nostalgia e esperança

Nada mais evocativo e alvissareiro
Que o ribombar distante do trovão,
Pelas quebradas da serra,  altaneiro,
Anunciando as chuvas de verão.

Quem não sente a doce nostalgia
Desse quadro de lembranças caras,
E ao mesmo tempo a alegria
Com a antevisão de boas searas?

De certo, nas catingas do Sertão mineiro,
O tempo caprichoso rege a contradança,
Alternando a vida seca, por inteiro,

Com as  boas chuvas e a bonança.
E o sertanejo qual bravo  timoneiro
Segue em frente com  fé e esperança...

E as chuvas chegaram
Ao cair, dádiva preciosa no Sertão adusto,
A chuva, sempre providencial e  generosa,
Só concedida pelo desígnio  augusto
Do Senhor Deus, soberano a toda prova,

Reveste de verde a paisagem crestada
Pela canícula de um sol inclemente,
Tão rápido como a urgente  revoada
Dos pássaros em demanda premente,

Das condições de vida a contento,
Para  retornarem depois, plenos de euforia,
Com a mudança  benfazeja do tempo.

É o milagre sempre festivo que recria
O doce encanto de viver - o portento!
Na terra bendita, com  amor, paz e alegria




Eis Raimundão, meu bisavô,sagrado campeão.
Óleo de Godofredo Guedes



Os raçadores do Mingu

Reza a antiga  tradição oral - vede!
No lendário Lençóis do Rio Verde,
Dois irmãos viris e façanhudos,
Mais fortes que os touros macanudos,

Apostaram, fogosos, a ver qual dos dois
Tinha mais fôlego e tesão, o suficiente,
Para emprenhar mais mulheres e, pois,
Povoar o Mingu com muita, muita  gente!

Dizem que Raimundo  José de Tolentino
Levou a palma do raçador mais potente
Superando, de longe, o  mano José Valentino,

Com a marca  de cinqüenta rebentos,
Fora muitos outros ignorados, que  o destino
Espalhou no mundo aos quatro ventos...

Ícones sertanejos

Eis os Ícones valorosos do meu Sertão,
Mandachuvas cada qual a seu jeito,
Um guerreiro, o outro  poeta, pois então,
Adversários políticos e amigos do peito:

O Coronel  Levy, sempre  empolgante,
Com rasgos de  bravura e generosidade,
E Cangussu de boa paz,  mas vibrante,
Cada  qual encarnando a sua  cidade,

Uma,  Monte Azul, o antigo Tremedal,
Outra,  Lençóis do Rio Verde, a lendária,
Atual e pacífica Espinosa, cidade  rival,

Mas  irmã fraterna, que foi tributária
Da comarca criada na cidadela original
Da temida e famosa Maria Rosária.


A Estiva

    A fazenda da Estiva,  -  que era longe demais,
Foi o próprio paraíso terrestre, um regalo.
Ficava num vale verde, nos confins dos Gerais
E a gente ia lá, de  férias, viajando a cavalo.

O estirão  durava  dois dias, com chuva ou sol,
Mas ali morava  a avó Carlota,  que na sua lida
Nos proporcionava tratamento de escol
Com atrações inesquecíveis,  alegria e vida

Mas os tempos passaram e o mundo  mudou;
Voltando anos depois àquele sítio encantado,
A decepção - que horror! - quase me matou.

Nada se preservou do saudoso  Eldorado: 
A casa senhorial, a chácara,  o monjolo
E tudo mais  agora são páginas do passado!...

Segunda parte
OUTROS TEMAS
A sucessão dos dias

À tarde,  o sol declina suavemente,
As luzes do dia esmaecem vagarosas
E então, os pássaros em revoada silente,
Voltam aos ninhos nas árvores frondosas.

Na hora crepuscular e evocativa do dia,
O portentoso astro-rei já não brilha tanto!
E em meio a essa aura de nostalgia
A natureza plange em doce acalanto...

Daí a pouco todo o céu azul   escurece
Crivado de miríficas estrelas, um encanto,
Até que  a  nova aurora  resplandece!

É na  sucessão alvissareira do tempo
Que a vida,  sempre bela,   permanece
Com renovadas esperanças  e mais alento

Renascer

No diferente mundo de outrora,
Quando as distâncias pareciam maiores,
E ao contrário do que ocorre agora,
As velocidades eram bem menores,

Os dias custavam tanto  a passar!
Lindos eram os sonhos - e  benfazejos!
Havendo sempre mais tempo e vagar
Para a inefável sublimação dos desejos.

Mas muitas vezes  nem tudo era  flor
E a tristeza de uma urze intrometida
Irrompia solerte nos jardins do amor.

Restava  esperar o retorno da alegria
Das coisas belas e gostosas  da  vida
Ao raiar esplendido de um novo dia...

Esplendor fugaz

Uma mulher bonita suporta tão mal
a  vida sem luxo,
como um homem inteligente um estado subalterno.
Ela sente o seu poder nos olhares dos passantes;
sabe que esse  poder é por essência transitório.
Como uma nação armada e forte
deseja assegurar a sua posição no mundo
antes de dar baixa aos seus soldados,
a mulher quer tratar com o sexo inimigo
antes que o peso invasor da velhice
venha impor-lhe uma pacífica resignação.
Da Vida de Shelley, por Maurois.

O elixir da eterna juventude
(Paráfrase da sedução em  queda)

A mulher, com todo o  seu esplendor,
Cheia de vida, atraente e amorável,
Espelhando o encanto de uma flor
Na sua tessitura incomparável,

Cativa o  homem  com sua graça
E o deslumbra, poderosa e sedutora,
Como jóia superfina e sem jaça;
Mas, para ser sempre tentadora,

Pois tudo é bom enquanto  dura,
Terá que renovar-se no seu  fulgor
A cada dia, assim como quem procura

O elixir da eterna  juventude e do amor.
Se não  o fizer,  - oh, que  loucura!
Decerto fenecerá como a própria flor...


Escravo fagueiro

A mulher, essa divina obra de  arte,
foi feita da  costela do varão pelo Criador,
para enfeitiçar o companheiro em toda parte,
com seus encantos e muito, muito amor.

Entretanto,  volúvel como  pluma ao vento,
tão caprichosa e  rebelde por natureza,
- oh, que mágico e atroz portento! -
mesmo pérfida - que horror! -  tem a certeza

de poder fazer do homem, pobre  coitado!
Sempre ávido e dependente de seus favores,
seu vassalo submisso, ou escravo acorrentado...

Mas, não haverá pecador de todo contente,
sem a dádiva de seus beijos e humores,
na  voragem  de seu amor  ardente!..

O sonho dourado

Sobre esta vida não desejo  falar  coisas
Como tantas que por  outros já foram ditas.
São todas aquelas  coisas e loisas,
Surradas sim, bem ditas ou mal ditas!

Gostaria de escalar  montanhas  encantadas,   
Singrar mares nunca dantes  navegados.
Sentir na face as suaves brisas camaradas
Respirando  ares de campos embalsamados,

Para  falar  de tudo isso, e o céu  também,
Com todo engenho e arte,  como convém,
Porque da obra da criação, como se acredita,
A última palavra ainda não foi dita!

Falaria ainda das coisas do amor  e bem alto
E daquelas coisas simples e boas da vida
Levando a  todos, como feliz arauto,
A boa nova de uma existência apetecida

Entretanto,é pena,  para  falar tudo isso,
Pobre de mim,  falto de luz,  sem fanal,
E desventurado por vil e cruel feitiço,
Trago   vazio   meu  pequeno bornal...

E então, companheiro?
Devo enfiar a viola no saco,
Rebelar-me  por inteiro,
Ou fazer como o macaco

Que se assenta no  próprio rabo
Pra falar do rabo alheio
Com desdém e menoscabo
De quem não sabe a que veio?
Clemência...

Amélia revisitada

Numa revista, na  sala de espera do
Dr.Almada,li esta arenga do Millor.

Ela me quer a seu lado
Me trata como seu dono
Me cuida quando acordado
Me vela durante  o sono

Não reclama se eu reclamo
Pois, repito, sou seu dono
Minha loucura é juízo,
Me dá o que nem  preciso

E não pede quando está tesa
Sou seu sal e  sobremesa.
Minha tia qué queu acho,

Sabe o queu acho minha  tia?
Nem acho. Paro, e relaxo
Gozo minha amordomia


De Daj, a contradita

Li para Dona Conceição
Esse exemplo de mulher,
Sem fazer comparação.
Mas ela nem sequer

Riu de tanta submissão;
E, convicta, resmungou:
Comigo  isso não dá não,
Não é prova de amor.

Melhor de tudo queu acho
É ser boa companheira
É ser mulher e não capacho.

E ajuntou que a tal Amélia
Com tamanha baboseira,
Não passa de uma cadela...





Amélia Relaxada
Ela não me quer a seu lado
Não me trata como seu dono
Não me  cuida quando acordado
Nem me vela durante o sono.

Só reclama, mas não reclamo
Apesar de ser seu dono.
Acha que sua loucura é juízo
Não me dá o que mais preciso

E muito exige se está tesa
Sem ser meu sal e sobremesa.
Minha  tia, quê queu acho?

Sabe o queu acho, minha tia?
Só acho, mas paro e relaxo
Sem gozar minha  amordomia
Sete palmos

Muitas são as desigualdades na vida
E os deserdados, sempre em  carência,
Não  conseguem na  porfiada lida,
Nada mais que a própria  sobrevivência.

Eis que reza  o adágio, tão festejado:
Quem canta, seus males espanta!
Se isso é   algo   enganoso  e isolado,
Como bela ilusão que nada adianta

Resta o consolo do veredicto  profundo:
Todos afinal sob  sete palmos  jazerão
E  consigo nada  levarão  deste mundo

Se alguém  na  vida nada veio a amealhar
Em contrapartida e  por justa razão
Nada perdeu, e  nada tem a chorar...

A voz do coração

Outros te queiram bem somente. Eu não!
Não sei dizer aquilo que não sinto,
Desde que sou mais do que tudo instinto
E ouço apenas a  voz do coração.

Enquanto outros na  vida te  dirão
Que te olham como um ser puro distinto,
Eu, que sou rude, só porque não minto
Digo que te olho como a tentação.

Nem me culpes de um mal que não procuro,
E vê, que se sou rústico ou sou impuro,
Pertence a culpa a quem me faz  assim.

Outros te queiram bem somente. Eu não!
Eu não sei ver o rosicler da aurora, senão
A desejar todinha para mim.

                            Para Daniel
Jacy de Assis , 1956 (Fundador da Universidade de Uberlândia)

O Rouxinol

Nesse lindo sorriso e doce  olhar
Ornando seu recital do bel canto
E nos trazendo de volta a sonhar,
Vê-se a magia, e todo o encanto,

De uma alma boa, terna e pura,
Suave como a  brisa do mar!
Seus acalantos plenos de ternura
Na voz cristalina, lapidar,

Com harmonia, luz e esplendor,
Em cada  Imperial Modinha
Espargem graça, vida e amor!...

Lembrando os gorjeios da andorinha,
Seu mavioso cantar espelha, com louvor,
A  virtuosidade da jovial Coutinha!

                                        
As Luzes e as Cores do Mundo
                 Para Dra.Nínia Nohmi

Dra. Nívia Nohmi, cara Amiga,
Seus poemas ditados pelo coração,     
São amoráveis e  pulsam como a vida,
A transbordar de ternura e elação.

São jóias de valor e sensibilidade
Refletindo as luzes e  cores do mundo
Na magnitude e toda  intensidade 
Do amor sempiterno e fecundo.

No teatro da vida, plena de alegria,
Bendito seja o “luzeiro da paz”, 
A iluminar o amanhecer de cada  dia!

Em versos puros, com alma  e vigor
Sua mensagem  de graça e harmonia
Eleva aos céus um hino  de paz e amor...                                        


Alvorada dos Oitenta

Meu caro Companheiro e Amigo
Cidadão Carlos Eugênio Thibau,
Decerto você há-de convir comigo:
Chegar aos oitenta não é nada mau.

Todavia, quem em brancas nuvens passar
Como nau sem rumo, sempre apagada,
E nem um rastro de luz vir a  deixar,
Se de fato viveu, foi por nonada.

Mas você, como bom  timoneiro,
Valoroso, firme e de bem com a vida,
Soube traçar e seguir o bom roteiro,

Em busca do Ideal - a coroa dourada,
E chega fagueiro, lépido, de vencida,
Aos oitenta anos, em bela alvorada!...
                                           .l0.09.200l

Eternal Juventude
                Para a jovem Cecy Thibau

Poderias dizer  –“ Meu tempo  passou,
E na voragem dos dias e  horas felizes,
Ou tristes, todo o sonho acabou...”
Mas se, apesar de tudo, ainda dizes

Que valeu a  pena  viver e peregrinar
Por entre abrolhos e também entre flores,
Bem posso comigo concluir, imaginar,
Que tão rica  de venturas e amores

Certamente terá sido a tua passagem
Por este mundo de Deus, vasto mundo.
E poderás  legar, assim, a tua mensagem

De fé e esperança aos carentes de elação
Para o viver feliz,  alegre e fecundo,
Com vigor e muita   paz no coração!

Promessa é Dívida

Meu ilustre Companheiro,
Dr. Wagner Colombarolli:
Segundo meu lambiqueiro,
Esta bebida que bole

Com os humores da gente,
Tragada como convém,
Dá euforia à mente
E não pesa a ninguém.

Faça dela bom proveito
Em benfazejas rodadas,
Entre amigos do peito.

Com alegria e moderação,
Em doses educadas
Bons momentos fruirão!

Evoé!

Meu caro e ilustre Companheiro
Leão Reginaldo  Solon Santos:
Esta pinga, segundo emérito cachaceiro,
Tal como o vinho,  tem lá seus encantos,

Pois que levanta o astral da gente!
De fato, desde que bebida como convém
Anima, e dando euforia à mente,
Não faz mal algum a ninguém.

Veja! Com suas virtudes excelentes,
Como num belo  conto de fadas,
Aquece no frio e refresca em dias quentes!

Evoé! Faça dela uso a  preceito,
Em joviais e alegres  rodadas,
Com  os leais  amigos do peito!...



O arauto alvissareiro

O mensageiro da paz e do amor,
Não é o colibri de plumagem colorida
Que adeja gentil ao lado da flor,
A sugar-lhe o néctar da vida.

Nem a gralha tagarela, fenomenal,
Que imita toda a passarada;
Nem a gaivota que anuncia o litoral
Ou a cotovia, o arauto da madrugada.

Quem nos traz as boas novas
Festivo, afoito e camarada,
Com todas as veras e provas,

É o nosso  Vim-vim alvissareiro
Ao esvoaçar entrando em casa,
Alegre, brincalhão e fagueiro.

Esbulho e genocídio

O  drama inenarrável  de  um povo varonil
Nativo e dono deste vasto pais continental
Que veio a chamar-se propriamente de Brasil
Teve início à chegada de Pedro Álvares Cabral.

Ao instalar-se  aqui a famigerada colonização.
Marcada de lutas com  outras nações aguerridas,
Também ávidas por explorá-lo até  à exaustão,
As nações indígenas  humilhadas e vencidas

Foram subjugadas ao trabalho e à escravidão
Ou simplesmente exterminadas como feras,
Embora defendessem sua legítima possessão.

Nesse esbulho vergonhoso, sem  precedente,
Ocorreu o maior genocídio de toda história
Para cobrir de tanta vergonha a nossa gente!...


O pélago

Na superfície densa de suas  águas
Revoltas, volumosas e abissais,
Move-se o mar em sucessivas vagas,
Desde  tempos perdidos, imemoriais.

Nada mais tenebroso que o mar
Indormido, a bramir roucamente,
Como gigante terrível, tentacular,
Ameaçador e a  tudo indiferente.

No horizonte  o céu vai encontrar
E à noite   estrelada  e  cintilante,
Escancara a fauce, prestes a devorar

O destemido e incauto navegante.
É o pélago  profundo, milenar,
Insaciável, medonho, apavorante


A musa


Versos à Conceição

Nos verdes anos de minha vida,
Em meio a  lutas, sonhos e fantasias,
Com a alma  ansiosa mas enternecida,
Provei  de tudo, tristezas e alegrias.

Mas  contigo, querida, valeu a pena,
Os  dias passaram  a deixar  saudade.
E nessa reflexão  tardia, mas serena,
Não sei se  na busca da felicidade,

Fui capaz de fazer-te também ditosa
Dando a ti, com amor e lealdade,
Tudo quanto faz a vida venturosa.

Se acaso tu  não foste tão  feliz,
Perdoa-me, já não posso mais, é tarde!
Compensar-te pelo que   não fiz...

Letícia Ano 2010

A cada dia que passa, - legal!
Mais Lelê se afirma como só ela,
Garota amável, muito especial,
Cheia de vida, cativante e bela!

Quem não gosta da Letícia?
Da sua  jovialidade e modo de ser,
Do seu sorriso cheio de carícia,
E de sua alegria de viver?

Bendita seja a mão  divina
Que nos brindou com todo o encanto
E toda graça dessa menina,

Ao enfeitar com ela os nossos dias,
Fazendo da  vida novo acalanto,
Plena de elação e muitas alegrias!...


Um quase adeus

Quando eu morrer, aqui ou lá  fora,
Por favor, não chorem por mim,
Pois que já estava mesmo na hora;
Mas façam de conta, enfim,

Que eu simplesmente viajei,
Como tantas vezes tenho feito
E que, logo depois, voltarei
Tranqüilo, lépido e satisfeito.

Mas se acaso  eu não voltar,
Como seria  o caso, - que jeito!
Nada adiantaria então chorar...

Terei partido levando saudade
Mas não poderia mesmo voltar
Para  abraçar a todos, de verdade...

Serenamente

Até há pouco tempo nunca me importou
Que um dia também terei a minha partida
Para a viagem da qual ninguém  voltou,
Pois sempre peregrinei de bem com a vida.

Mas os meus doces dias, no    entanto,
Estão passando céleres nas asas do vento,
Embalados no inefável e suave encanto
De uma existência gentil e a contento.

E agora, já longevo e atento à chamada
A que  deve responder todo ser vivente,
Após  extensa e aprazível caminhada,

Resta-me preparar, sem pranto ou ilusão,
Para a despedida, tardia mas indesejada,
Com serenidade, coragem e paz no coração...
                                               Jurema,13.1.2001
Até ao fim

Sei que não vou ficar para semente
E que também um dia fatalmente partirei
Como qualquer outro ser vivente,
Deixando aqui o rastro da  vida que levei.

Mas decerto, de todo não morrerei;
De minha existência laboriosa e fagueira
Restará a posteridade que suscitei
Com minha amada e doce companheira.

De bem com a vida, nas carícias do ninho,
A seu lado do pomo do amor desfrutei,
Com total lealdade, dedicação e carinho.

Mas ao partir, comigo somente levarei
Dessa união benfazeja, feliz  até o fim,
As saudades das alegrias que libei...
                                   Jurema,11.1.2010

E a vida continua.


Após uma existência gentil e  apetecida
E levando comigo um monte de saudade,
Quando finalmente eu partir desta a vida,
Em demanda da irrecusável eternidade,

Terei deixado por  aí, sem apelo, sem opção,
Tudo a que me liguei com amor fecundo:
A família que formei com total dedicação,
Os amigos e as gostosas coisas deste mundo...

Meu corpo então será devolvido à terra,
Afinal, serei  como uma vela que se apaga
Ou uma página virada que  se  encerra...

Por certo, indiferentes à minha partida,
As coisas manterão a cadência eterna
E nada mudará o incessante ritmo da vida!

Lembranças caras

Breve, ou mais tarde, como espero,
Partindo desta vida, fatal e sem alento,
Ao deixar  este mundo  sedutor e belo.
Não farei falta, em nenhum momento,

A quem quer que seja, que  aqui fica.
E sem saber qual seria o meu destino,
Mas sem o medo que a alma petrifica,
Seguirei em frente tal indômito peregrino.

Nessa longa viagem  na estrada  do poente.
Rumo a páramos de que cristão algum  voltou,
Levarei lembranças caras e especialmente

Da vida que levei com a doce companheira
Que tanta felicidade me proporcionou
Com dedicação e durante a vida inteira.

Jesus de Nazaré

Tu que nasceste puro e predestinado
A remir as culpas da humanidade,
Sendo injusta e duramente crucificado
Sem a ínfima  parcela de piedade,

Deu ao mundo,  no inaudito  sacrifício,
Novas perspectivas de paz e amor.
Entretanto, nem a imagem  do crucifixo
Com  a expressão cruel da imensa dor

Foi suficiente para erradicar de vez,
Nos ímpios, toda a maldade, Senhor!
E se acaso voltasses um dia, talvez,

Ante tamanha indiferença e desamor,
Santo Deus! Serias de novo sacrificado
Com toda crueldade. Que horror!                             


A Árvore Símbolo

Vejam só  como cresceu e se formou
A bela árvore, gigantesca e frondosa,  
Que um dia, faz tempo, Dany plantou
E hoje, à porta da rua, e  majestosa,

Qual sentinela vigilante do nosso lar, 
Abriga os pássaros álacres e camaradas
Que cada novo dia, airosos,  vêm cantar
Nas manhãs e tardes de sol douradas.

Ela é o símbolo da  vida e do labor;
Nascida pequenina e tenra,  e de certeza
Ali plantada com dedicação e amor,

Ganhando corpo, ao farfalhar de sua ramagem,
Sintoniza  os inefáveis sons da  natureza,
E eleva ao Criador sempiterna homenagem






Belo Horizonte

A minha querida Belo Horizonte
Tão charmosa, não me viu nascer.
Mas como lençoense, peregrino errante,
Em seu seio generoso vim a antever

A esperança de alcançar um lugar ao sol.
E desde logo, seduzido  e cativo
Desse cadinho privilegiado, de escol,
Senti-me como seu filho adotivo.

Entretanto, todos amam a sua terra
E  jamais olvidei o meu torrão natal
Por tudo  de bom que ele encerra.

Resta-me, pois,  dividir o amor filial
Entre as minhas duas  terras queridas
Ambas acolhedoras, de nobreza  igual.

A beleza

Diz o poeta, com proverbial convicção,
Que na mulher a beleza é fundamental.
De fato, para as lides do amor e da afeição,
Nada há melhor que esse dom natural.

Entretanto, o conceito da beleza é  relativo
E para as menos dotadas, com certeza,
Resta o consolo e o recurso compassivo
De que a beleza está nos olhos de quem a veja

Assim, segundo o velho brocardo
Quem ama o feio, bonito lhe parece.
E na  singularidade clara desse ditado,

Reside a sabedoria na obra da criação;
Tudo tem a sua razão de ser, que prevalece,
Na eterna busca do amor e  da afeição...





Eclesiastes

O  tempo é imemorial , e o espaço  infinito!
Entre as brumas  indevassáveis da vida,
Vê-se que  tudo aquilo que já foi dito
Sobre o  homem e sua aptidão presumida,

É como uma gota d´agua no oceano,
Eis que para tudo neste mundo, sem exceção
Rege  uma ordem estabelecida de plano
Desde os primeiros tempos  da criação.

Vaidade das  vaidades, tudo é vaidade!
Não há nada de  novo debaixo do sol!
Disse o Eclesiastes, e esta é a pura verdade.

Por mais que o homem possa em seu mister
Realizar, presunçoso,  como ente de escol,
Jamais dará a vida a um filho sem a mulher...
..

O homem e seus vícios  

Deus onipotente, bom e generoso Mestre,
Inventou Adão e Eva, nossos ancestrais,
E deu-lhes de presente o paraíso terrestre,
O dom  do livre arbítrio, e tudo mais.

Nos desígnios divinos do Criador,
Ao casal, apesar de sua desobediência,
Foi dado encher a terra ao embalo do amor,
Mas o Demônio, com tamanha insolência

Veio a insuflar também a devassidão ,
Seduzindo o ser humano contra a prevalência
Do prazer e da moral em perfeita comunhão.

Desde então, destinado aos bons princípios,
Mas submisso aos apelos  da satânica sedução.
O homem  tornou-se escravo de seus vícios...








Tudo passa

Nesta nossa vida severina tudo passa,
Tudo mais cedo ou mais tarde se encerra,
Seja na bonança ou na desgraça,
Tanto na santa paz,  como na guerra...

Tudo é festivo nos  dias de venturas,
Mas como não há bem que sempre dure,
Também  nos  momentos de agruras
Não haverá mal que sempre ature...

Na alegria, assim como na tristeza,
Com a nossa cruz ou a nossa espada,
Lutemos até ao fim, e com certeza,

Ainda que cobertos  do pó da estrada,
E com os arranhões de toda aspereza,
Hosana! Alcançaremos a coroa  dourada!...

Cronos

Implacável é a marcha do tempo,
Esse monstro criativo e voraz
Que voa célere nas asas do vento,
Indiferente a tudo aquilo que faz!...

Ninguém  consegue deter a ação
Desse velho sempre renovado  e audaz,
Que consome  tudo de roldão,
Assim na guerra como na paz.

Embalando os sonhos e ilusões da vida,
A dança das horas, alegre e   fugaz,
Festeja todo  esforço de luta  renhida

Em nossa busca da sonhada felicidade.
Mas nessa luta insana e resumida,
Tudo se desvanece ao pé  da eternidade...






Minha eterna namorada

Ai, como você era linda, tão bela!
Com toda a graça genuína da flor
E a pureza sem jaça da donzela
Fadada, sim, para as carícias do amor.

Na intimidade de um amor fecundo
Com a  alegria de alma e coração,
Juntos, para o prazer imenso, profundo,
Celebramos a  vida com glória e unção.

E desfrutei de todos os seus encantos,
Feliz desse privilégio, e  com  elação,
Ao embalo de  suaves acalantos.

Que  possa você ter a mesma evocação
De tudo de bom, que sem dor nem prantos
Auferimos em doce e inefável  comunhão.


Eis a musa do autor


Néctar dos deuses

Os vinhos, seja  o Porto, ou o Lacrima Christi,
Generoso moscatel das fraldas do Vesúvio,
Têm a virtude e a magia de alegrar o triste
Com o sutil buquê  do inebriante  eflúvio

Emanado da  essência de sua  composição.
É o néctar dos  deuses, - bendito seja!
Que  dos mortais revigora o coração
E dá euforia a todo aquele que almeja

Momentos de prazer, alegria  e elação.
Mas, como quem veleja em mar profundo,
Sujeito a todos os  perigos da navegação

Ao erguer a sua taça, - Evoé! - consciência!
Não venha a  desmoronar-se como beberrão, 
Ao ultrapassar os limites da prudência.


O regalo da vida

O prazer é pecaminoso?
Ora, quem disse?
Se Deus, tão judicioso,
Acaso consentisse

Nessa  balela  à-toa,
Por que iria
Fazer a vida tão boa?

O prazer, seja  ele qual for,
É o regalo da vida;
Tanto nas práticas do amor,
Essa coisa  apetecida,

Como na ação divertida
Do lazer ou do labor!
Quem disso duvida?...




Expulsão do paraíso

Reza a Bíblia que  em era mui primeva
O Senhor Deus onisciente  e legal
Criou os nossos ancestrais Adão e Eva,
E os colocou no paraíso terreal.

Criou-os à sua imagem e semelhança
E tudo ali, com uma proibição somente,
Foi-lhes dado, para que  sem tardança
Povoassem  a terra amplamente.

Todavia, sob o jugo da volúpia - coitados!  
E instigados  pela serpente tentadora,
O livre-arbítrio de que   foram dotados,
Permitiu-lhes a aventura pecadora.

E na  metáfora do pecado original,
Só por terem comido do fruto proibido,
Da árvore da ciência do bem e do mal,
Foram expulsos do éden, graças à libido...

Mas,  como o bicho homem seria capaz
De  multiplicar-se, povoando o mundo,
Sem possuir a mulher, como sempre se faz
Na prática prazerosa do amor fecundo?

Decerto, se outra opção fosse adotada
Nos planos divinos e geniais da criação,
Para o  bicho homem, sem a sua amada,
A vida não  teria mais  a grande atração!...

A saga do pecado original

Em si mesmo, qualquer que seja ele,
O prazer, mesmo o sensual, não é  pecaminoso;
Até  o erotismo é dádiva superfina  daquele
Que, generoso, paternal  e todo poderoso,

Criou o homem à sua imagem e semelhança;
E ao levá-lo com Eva ao paraíso de delícias,
Ordenou: crescei e multiplicai-vos  sem  tardança,
E povoai toda a terra, sem indicar  as primícias,

Do conúbio que se tornaria sacramental.
Mas, seduzida pela serpente, para as carícias,
Eva foi  com muita  sede  ao pote,  e afinal,

Ao comerem do fruto proibido, nossos  ancestrais
Foram expulsos, sim,   deste paraíso terreal,
Mas legaram gerações  às águas lustrais...

Obs. - Água lustral – a água sagrada do batismo, que os antigos obtinham  extinguindo-se
 na água  comum um tição ardente  tirado da pira dos sacrifícios.
.
Himeneu das virgens

Outrora as moças se casavam puras
E cabia aos eleitos do seu coração
Iniciá-las na vida conjugal, e a ventura
De possuí-las em primeira mão.
Nas primícias do amor verdadeiro
E sem reservas entre os nubentes
O jovem, com o privilégio de ser o primeiro
Nas carícias e no gozo mais fremente,

Ardia  ávido e impetuoso  por ensinar
E a virgem cândida e  docilmente
Ansiava por aprender a arte de amar.

Então as portas do paraíso se abriam
Para eles, festivamente, de para em par,
E mais venturosa  a   vida  não teriam.

Mulher sem alma 
La donna é móbile..
Verdi
Deus criou o mundo, e sem mais tardança,
Inventou Adão, nosso lendário ancestral.
Ao fazê-lo, à sua imagem e semelhança,
Usou do barro da terra, barro bom e legal.

É o que dizem as  sagradas escrituras,
Nas páginas do Gênesis, mui claramente.
E pronto o boneco das humanas criaturas,
Para aperfeiçoar a sua obra, docemente,

O Senhor deu-lhe nas ventas a  soprada,
Que lhe infundiu a alma generosa e boa.
Mas o Criador viu que não era recomendada
A Adão uma existência solitária, à-toa,

E mandou-lhe um sono profundo, reparador
Retirando-lhe uma costela, e sem demoras,
Fez dela o belo corpo de Eva, - um amor!
Para sua companheira de todas as horas.

Mas uma vez pronta a boneca, - que pena!
O Senhor se esqueceu de dar-lhe a soprada
Que lhe infundiria uma alma boa e serena
Como aconteceu com Adão seu camarada..

Ainda assim, empenhando-se  a  fundo
O homem busca a posse da mulher amada
E não a trocaria por nada deste mundo,
Embora seja fascinante,  mas desalmada...


A laranja e o laranja


Salve! a  laranja,  essa   fruta deliciosa
E suculenta, que  tanto gosto  dá  à gente.!
Mas esse cara de ação assaz duvidosa
Que disfarçado, e nem  sempre inocente,

Presta-se,  docilmente,  a  jogadas malsãs,
Como lacaio submisso, que tudo arranja,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
Segundo os planos  de corruptos Renans,
Só  por  ironia  é chamado   de laranja,

Pois fazem o papel de falsário matriculado
Ao compor firmas abjetas, lesivas e sujas
E ajudando  a lavar  o dinheiro roubado.

Por certo, com suas vitaminas, a boa fruta
Não merecia nem  merece de forma alguma,
Dar  nome  a esses descarados  filhos da puta...


Ode ao caloteiro

Quem parte desta para melhor,
Batendo as botas ou abotoando o paletó,
Conforme a vida que tenha levado
Neste mundo vário e complicado,

Ou vai, lépido e fagueiro, para o céu,
Ou vai, macambúzio, para o beleléu.
Para o céu, quem andou bem, fraterno,
E para as profundas do inferno

Todos os salafrários e caloteiros,
Vermes peçonhentos,  degenerados
Que com desfaçatez, em golpes certeiros,

Dizendo-se honestos e alinhados,
No fundo são parasitas verdadeiros,
A explorar  os incautos e menos avisados...

O ciclo da vida

Ao cabo de mais um dia de esplendor,
O astro-rei soberano, mas já broxante,
Declina no horizonte,  perdendo vigor,
E mergulha no ocaso num instante.

Então a noite cai serena, lentamente,
Sobre a vastidão emudecida
E uma  brisa  camarada, docemente,
Envolve toda a natureza entorpecida ;

Um manto de estrelas cintilantes
Cobre a noite  aos poucos enegrecida,
Como miríades de faróis distantes.

É o mistério da vida sempiterna,
Que não se sabe como teria começado,
Nem tão pouco como um dia se encerra...                                    

Noventão

Como cheguei até aqui, lépido e fagueiro,
Com todas as funções vitais a  contento,
A desfrutar do dom da vida, prazenteiro,
      Eu mesmo não saberei dizer, se tento...

Decerto não ficarei  para semente,
Neste mundo maravilhoso e renovável;
Um dia partirei, como todo ser  vivente,
Com antecipadas saudades dessa vida amorável

Será com pesar que direi adeus a dedicados,
Amigos que aqui deixarei  para sempre,
Todos eles inexcedíveis nos seus cuidados.  

Sinto que deixarei a todos eles tão somente,
Com as escusas por minhas  falhas e pecados,
A gratidão imensa de quem não  ficou para semente...


Símbolo da sabedoria
            Laude domum sicut stinge -Daj

Quem gaba o toco é a coruja,
Reza o velho adágio popular;
E eu vos direi, antes que surja
Alguém que venha a duvidar,

Da justa razão desse conceito,
Que mais vale  louvar  o que é seu
E tratar, com amor e respeito,
As boas coisas  que Deus lhe deu.

Que cada qual  faça a sua parte
Contentando-se com o suficiente
E possa louvar, com engenho e arte

Os dons deste mundo encantador
Paraíso de delicias, sonhos e venturas,
Concebidos por obra e graça do Criador.


Filosofando...

Estirado na rede, e  de papo pro ar,
Entrego-me à beatitude  que se consente
O ócio do acalentado e saudável vagar,
- o sempiterno e inefável  dolce far niente.

Nessa fase outonal, franca e generosa,
Limitadas todas as minhas ambições,     
Mais uma etapa da vida  afanosa
Cede lugar a novas e nobres emoções.

Terei alcançado  afinal  a coroa dourada,
Essa fase da vida  amorável e terna,
De quem não carece  fazer mais nada,

A não ser desfrutar do que lhe resta,
Desta vida de  ilusões que se encerra,  
Mas  com todas as alegrias de uma festa...






















Giovane Afrodite

Não há, nem pode haver,
Em todas as manifestações da natureza,
Coisa mais preciosa de se ver
Do  que a incomperável beleza

Dos seios túrgidos da vestal  menina;
São os pomos virginais do jardim de Alá,
A compor a escultural criação divina,                
Plena de harmonia e  perfeição sem par,

E na visão garrida dessa obra prima,
Os pomos divinos do jardim de Alá,
Mais fulgurantes que uma joia superfina,

Deslumbram e fascinam a quantos,
Ao reverenciar  a obra genial do Criador,
São acorrentados, submissos a seus encantos.







Aquilo roxo

A escalada da mulher na presidência
Foi recebida com badalada louvação,
Destacando-se o  fato de tal ocorrência
Inaugurar, desde já,  a feminil gestão.

Frágil também é a  curul presidencial.
Isto posto, é bom e justo assinalar
Que, aos nossos brios, tal  conquista, afinal,
Pouco ou nada veio a acrescentar.

Homens e mulheres são quase iguais
E capazes, até,  de algo realizar
Na vida, em prol de acalentados ideais

Na verdade, sabemos que esse   colosso
A que todos chamamos de sexo frágil
De fato só não tem aquilo roxo...






Casar ou não casar

Disse o desinfeliz sobre o matrimônio
Firme, de papel passado, mas fracassado:
Ainda que  me seduza outra vez o Demônio,
Juro não voltar a ser assim acorrentado!

E quanto ao casamento proclamou,vejam só,
Que para quem gosta de coisa ruim,
Não há nem pode haver, nada  melhor.
E mais que convicto,  indaga, por fim:

Por que  terá o incauto que  casar-se
Desde que há por toda parte tanta corda
Para um homem livremente enforcar-se?

Todavia, o cara não perde por esperar
Porque a gostosona, sempre tentadora,
Como  ela, em todo mundo,de fato não há...
 
Depois de velho, ermitão...

Nada há de mais nobre e edificante,
Que  a lisura autêntica de alguém
Ante a sociedade de que é integrante,
Seja o rico ou um mero João-ninguém.

O farisaísmo aviltante a que se recorra,
Não transforma  o vício em virtude,
Não  torna santa  nenhuma camorra.
Nem sequer ameniza mascarada atitude;

Assim como a zinha que não mais serviria,
De afrodite ou barregã,  para o culto do amor  ,
Torna-se piedosa devota da Virgem Maria,

Também,  depois de velho o poltrão,
Cansado de tanta e grossa patifaria,
O pobre Diabo vira... ermitão!...







O  cordelista

Ora veja, caro leitor,
Não  sou nordestino,
Nem tão pouco trovador;
Mas confesso que estimo

A boa arte do  cordel.
Assim, vamos começar:
Meu nome é Daniel
E agora, só pra variar,

Estes versos aqui  vão,
Para meu apreço mostrar,
Às coisas do nosso Sertão...

Pois tudo é Brasil,
Nossa Pátria amada,
E gentil  entre outras mil!...

A linguagem do cordel

Quem vai fazer cordel
Terá antes que entender
Que isso não é coquetel
De versos à toa, sem valor.
Ao invés tem tudo a ver
Com  o caráter e o humor

De um povo valoroso
Nascido  para lutar
E sempre generoso;
De paz com a vida
No bem-bom  ou no pesar
Vai em frente na sua lida.

È literatura popular,
De nordestino  valor
De quem sabe cantar
Com altivez e vigor
E seus males espantar
Com as tramas do amor

E mesmo sendo a vida severina
Canta com humor a sua  sina...


Mateus, primeiro os meus...

Mateus, primeiro os meus, depois os teus;
Segundo esta máxima dos afoitos sedentos,
Das coisas boas e dos bons momentos,
Só restaria aos outros o  que sobrasse aos seus.

Esta pretensão acintosa não pode vingar,
Contra o princípio moral da equidade
Que prioriza o direito à mesma oportunidade
A todos  os que a ela  possam se igualar.
.
Todavia, a prevalecer o suposto direito,
No caso de  perdas nas coisas e nos  eventos,
A prioridade também  caberia aos avarentos   
Completando  o sentido de tal  preceito.

Seja como for, capciosa é a  soberbia
Dos  que em tudo querem levar vantagem,
Como donos da enchente,  com  a coragem
De dourar a  pílula de sua ousadia ...


Nefanda trilogia

A grande urucubaca, que deprime e reduz
A pó-de-traque qualquer sujeito, que por sinal,
Procura dela fugir  como o Diabo da Cruz,
É a nefanda trilogia do velho, pobre e banal.

Decerto ser idoso não é defeito,  ou pecado;
E não sendo jovem como  foi, traz  saudades,
Mas ser velho  forte como se espera -  Deus louvado!
É curtir a vida com  amor,  charme e prioridades.

A pobreza  não pesa tanto, embora preocupante
Se somos  parcos e espartanos, sem veleidades
Mesmo velhos podemos viver em paz confortante

Mas ser banal é o fim da  picada,  é a pior situação,
Inda mais sendo velho e pobre, formando a trilogia;
Que determina a completa  ruína, sem  remissão...





O orgasmo  do corrupto       

Os nossos políticos estão mesmo convencidos
De que o Brasil  não tem jeito de se salvar;
Está nas mãos de safados e ladrões enrustidos  
Diplomados na arte e ciência de roubar...

Assim sendo, esses pilantras despudorados
Alvitram: Por que não tirar o máximo proveito
De tudo, se fomos  eleitos senadores e  deputados?
Então, pondo a mão na massa, com arte  e jeito

Os trêfegos parlamentares tipo “waldemar”
Armaram o nefasto esquema,  quase perfeito,
E as coisas  fluíram como vieram a planejar;

E afinal, no ápice de sua carreira, um rasgo.!
Esses congressistas corruptos   vieram a festejar,
Refestelados e descaradamente,  o seu orgasmo!...

                      Mas afinal.a vaca foi para o brejo,
                                            E alguns  corruptos para a cadeia...


Instante de Belo  Horizonte

Instante silencioso de Belo Horizonte,
É primeiro de janeiro, e  a tarde
Se desvanece num torpor  dominante
Em clima de recordações e saudade

Como capital eleita do povo mineiro,
Desde Aarão Reis, seu construtor,
Seu belo nome augusto e alvissareiro
Simboliza um futuro promissor.

Inda hoje, já adulta, és cidade menina
Cheia de graça, encantamento  e vigor,
És o farol cintilante  que ilumina

Os caminhos alcandorados das gerais
Das Minas Gerais, altiva e fagueira,
Na busca e defesa  de seus  Ideais...




Caducando

Quando eu lelé da cuca  ficar,
Se ficar,
Ninguém terá nada com isso.
Por isso,

Vamos logo estabelecer
Pra valer:
A  culpa cabe aos neurônios já apagados,
Coitados.

Serei inteiramente livre para esmar
E errar
A meu talante exclusivo,
E sem aviso.

Posso até fazer  bobagem,
Sem pajem,
Ou seja, errar  sozinho, sem ninguém.
Amem.

Alegra, ou não alegra
Está tudo combinado, é a regra,
Que não podemos mudar.
Saravá!...

Dies irae

Se não for antes, no dia do  juízo final
Pretendo bater na porta principal
Do céu, pedindo licença pra entrar.
Se São Pedro o ingresso me negar,

Cabe-me  explicar-lhe, entretanto,
Que se realmente não fui santo,
Tenho, porém, algo a meu favor,
Eis que vivi em função do amor,

E que não regateei a minha atenção
A quem quer que  nesta vida
Tenha  a mim  aberto   seu coração.

Amar e ser amado não é má ação.
Pecado é prejudicar o próximo
Ou negar-lhe um átimo de sua afeição.




Amar a  terra
Ama o  teu torrão natal para valer,
Como sempre amaste  a nosso Deus,
Pois foi ela o  berço que  te viu  nascer;
E mesmo que,  lembrando Odisseus,

Vieste a perambular neste mundo vário
A procura  da própria identidade,
Ou de um lugar  ao sol, de  um ideário,
Sonhado com   própria felicidade,

Ao alcançar alhures  a coroa dourada,
Simplesmente não esquece a terra natal
Dedicando-lhe a glória  da tua jornada...

Feliz é aquele que lutou,  venceu, e afinal
Reverenciou  o berço  em que nasceu
Sob o signo da esperança, do amor e do ideal!... 



Nunca desista

Pese tudo  antes da luta começar
Mas, se começar, nunca  desista;
E vá em frente sem titubear,
Inda que a sorte, de pronto, não o assista.

Pois a sorte é vária e caprichosa
E pode mudar assim como o vento,
Trazendo-lhe na sua ação poderosa
Novas esperanças e novo alento.

As perdas são ganhos às avessas
E para realizar os sonhos dourados,
Mesmo navegando em águas  adversas,

Vá à  luta decidido e não enrole
Seja obstinado, nada de conversas
Que a vida é dura para  quem é mole...

Morrendo completamente

Quando meu  copo baixar à sepultura,
Completamente  hirto, sem vida, sem valor.
Lá ficarei, nessa cova fria e  escura,
Para todo o sempre,  - Ai!,  que horror...

Mas este é o retorno fatal ao pó da terra,
Donde vieram os mortais, plebeus ou nobres; .
Sem  qualquer privilégio, a dura lei encerra
Tratamento igualitário a ricos e pobres;

E assim cabe a todos  aceitá-la passivamente.
Todavia, ponho-me a imaginar como seria,
O dia-a-dia, as  coisas e o próprio ambiente

Em casa, após a partida que ainda adiaria.
Sinceramente, não sei se alguma falta farei
Mas levarei  saudades da vida plena de alegria...


Tanatos
                            
Tanatos, ou a  Morte, temível  irmão  do sono,
Com entranhas de bronze  e coração de ferro,
És o inimigo implacável do gênero humano,
E habitas o Tártaro, junto à porta do inferno.

Filho da Noite, envolto de fuligem e  carvão
Rosto desfeito, emagrecido, olhos fechados,
Coberto com um véu, e com uma foice na mão,
Tu ceifas, todos os mortais,  pobres coitados.

Com a mais horrível expressão no semblante,
Davam-te a forma sinistra  de esqueleto
Com asas,  um facho derrubado, e sempre atuante...

Infandum! Trazes  uma urna de cinzas, tudo crepe,
Mas  também a  borboleta abrindo o vôo  da esperança,
Emblema de  uma outra vida no paraíso celeste...





Planeta Terra

Rolando sem cessar nas amplitudes siderais,
Sob a tutela infalível do nosso Astro-Rei,
Em ciclos cósmicos precisos e eternais,
Junto  a tantos outros planetas de sua grei,

A Terra, em órbita perene e imutável,
Destinada aos confins da eternidade,
Guia-se por mecânica de precisão  notável,
Desde a Criação pela divida Sumidade.

Alinhada a essa  fraternidade de astros,
Na ordem universal com harmonia e equidade,
Sem discrepâncias, sem descanso ou rastros,

Embora seja  dos menores entre os seus,
Tem o privilégio de ser  planeta habitado
Pelo homem, à imagem e semelhança de Deus1...


O Outono da vida

Outono é a época cíclica de cada ano,
Quando se colhe de tudo que se plantou.
Simboliza também o  ocaso insano
E inexorável ao final da vida que se levou.

Sem retorno, essa fase crepuscular,  outonal,
Não é como a estação da ceifa a acontecer
Cada ano, com novo alento  a cada qual,
Diante  de tudo quanto  venha a colher.

Nesta  vida laboriosa, de acalentados planos,
Com sonhos e ideais, todos nós lutamos  a valer,
Ainda que nem sempre  os realizamos,

E se não os realizamos completamente,
Babau! Agora é muito tarde, o tempo passou,
E o outono chegou sorrateiramente...

A doce companheira

A fome,  a sede e mais a erótica pulsão
Que tanto incitam as funções vitais,
De modo terminante, sem exceção,
Notadamente entre  nós, os  racionais,

São apelos irrecusáveis da natureza em flor,
Que contemplam  todos os animais.
Mas, para  coroarmos  de paz e amor,
Os prazeres da mesa e das lides sexuais,

Ao varão será sempre fundamental
O adjutório da  parceira louçã e fagueira,
Capaz de realizar tudo de bom e por igual;

É que, nesta vida boa, mas passageira,
O homem não se completa, afinal,
Sem o concurso da doce companheira!...

Amar o  belo e bom

Neste  vasto mundo, tudo que é  prazenteiro
Vem a ser proibido, engorda ou engravida,
Assim  proclama o zangão brejeiro  
Sobre o  amor livre e  o  doce elixir da vida...

Que diabo  me importa o tecido social,
Se é apenas  de minha própria felicidade
Que pretendo ocupar- me, em especial?
Portanto, menos restrições, e mais liberdade!

E proclama, afinal,  o machão, com ar convicto:
Se tudo que é belo  é obra do onisciente
Criador de todas as coisas, como acredito,

Desfrutar do  belo e do   bom, como  é  evidente,
É também uma forma de render  culto irrestrito
A  Deus pai, generoso  e onipotente!...







Para a  filha da mãe
                                        
Você, menina,  não se fez por acaso,
Nasceu de um  encontro furtivo e  criador;
Ao embalo  de carícias sem prazo,
Como  fruto abençoado de proibido amor.

Eis que  cresceu e se desenvolveu,
Formando sua própria personalidade,
Com o afã  de quem amanheceu
Feliz, a levar a  vida com dignidade.

Louve-se  de estar  de bem com a vida,
Com a proteção dos  deuses de verdade,
A conjurar os próprios demônios,  querida.

Na senda  do seu destino, sem veleidade,
Siga  seus passos, cautelosa   e decidida,
Airosa e  risonha, na busca da felicidade.


Tentação incoercível

Quando Deus inventou este mundo,
Dentre todas as  suas disposições,
Criou  o homem  operoso e fecundo,
Mas estabeleceu duas  condições:

A primeira - como castigo para  quem cai,
Terás que viver com o fruto do teu labor;
A outra, a do crescei-vos e multiplicai,
Como prêmio sazonado do melhor sabor:

Terás a mulher como companheira,
Para as delícias inefáveis do amor.
Mas o varão só a terá  a vida inteira,

Se for  um herói, capaz o suficiente,
De mantê-la  e tolerar toda asneira
Que ela exigirá, tentadora e convincente...




O cordelista retado
              

O cordelista
Um especialista
Do cantar sertanejo.
Valente e sem pejo,
É aquele
Que sem ele
A graça falece
E o verbo emudece.

Seu cantar
Vem realçar
As belezas
Apesar das asperezas
Deste mundo encantado
E retado.
Se  tudo vai  bem
Como convém,

Bendito seja
Quem peleja
Como o catingueiro
Forte e altaneiro
Que enfrenta a  vida
Que é luta renhida
Sem  reclamar da sorte
E luta até a morte.

A  vida é bela
Para   quem zela
Com acalantos 
Pelos encantos
Que ela oferece
E não emudece
Pois quem canta
Seus males espanta.
  
Abotoando o paletó...

Esticar as canelas,  batendo a caçoleta,
Abotoando de vez o paletó, ou a jaqueta,
Na hora fatídica, incerta ou aprazada
Sem dúvida alguma, é o fim da picada...

Ninguém escapa dessa dura realidade,
Tragédia inapelável, feroz impiedade,
Que iguala a todos,  fracos e  poderosos,
Inda os mais decididos  e corajosos.

Sei que quando a minha vez chegar,
- É pena, - não haverá choro nem velas
Que sejam capazes, sequer, de adiar

O momento azado, crucial da partida.
E  nada  comigo poderei levar,
Além da imensa saudade desta vida...


Baú de ossos

Batem-se as botas  ao fim da  jornada,
E por mais que se apegue a esta vida,
Você não poderá fazer mais nada,
Quando lhe chegar a hora da partida.

Não fique triste ante esta dura realidade;
E lembre-se que lhe serão suficientes
Os sete palmos de terra que por equidade
São reservados a potentados e carentesl

Como ninguém ficará para semente,
Todos embarcarão rumo à eternidade
Onde jazerão  esquecidos e para sempre,

A menos que alguém, com amor e bondade,
Tendo seus ossos  guardados num baú,
Ainda lhe reserve um preito de saudade...

Viagem sem volta

Com a alma sensível  do  catingueiro,
Ao iniciar a  minha viagem sem volta,
Qual ousado e intrépido caminheiro,
Esquecerei toda  mágoa ou derrota

Que em vida também as tive, bem sei;
Levarei apenas a doce recordação
Dos bons momentos que desfrutei
Com muita alegria e paz no coração.

Mas se inconsciente eu tiver maltratado
A desafetos ou a amigos de eleição,
Penitencio-me pesaroso, desalentado,

Pelo dissabor involuntário cometido
Na vã ilusão de só ter o bem praticado
Antes desta boa vida ter partido...

Trovas

Evoé! Ergo a minha taça
A Baco, deus do vinho,
Festejando a nossa raça.
Com muito amor e carinho.

Mas, quanto  aos corruptos,
Sejam deputados e senadores,
Para o diabo esses putos,
Ladrões  e aproveitadores...

Deus salve um Brasil radiante
De  paz, serenidade e harmonia 
Livre dessa corja degradante
E pleno de paz e alegria!


O estigma  cruel

Na mulher, nada fere tanto como a mutilação
Na  parte mais sensual do seu corpo em flor;
Onde se localiza todo o poder de sedução
Que leva  o homem  ao amplexo do amor.

Felizes são aquelas bem nascidas , saradas,
De corpo esbelto, cheia de graça e tentação,
Prontas para serem possuídas e bem amadas,
No doce embalo e todo vigor da gamação.

Mas por azar,  há as que foram sacrificadas
Nos pomos mais lindos do jardim de Alá,
Para outras, embora livres e  intocadas,

Sem charme,  e para  quem nada acontece,
Resta  ainda o velho adágio segundo o qual
Quem ama o feio, bonito lhe parece...





A mulher bem feita
È próprio da mulher o sorriso que nada
promete e permite tudo imaginar.
Carlos Drummond de Andrade,
Quem não se extasia diante da beleza
Estonteante de uma mulher bem feita?
Essa obra-prima e excelsa da natureza,
Dotada de curvas na tessitura perfeita 

De um corpo por mão divina  cinzelado,
Que tem o poder de subjugar  seu oposto
Fazendo-o cativo, submisso, enfeitiçado,
É o supra-sumo, o ápice  do bom gosto.

Se  ao homem nada  é tão importante
Como essa dádiva generosa do Criador,
Que não perca  tempo, nem um instante,

Para possuí-la com toda gamação e vigor
Certo de que ela também anseia e bastante
Por sua fatia no jogo inefável do amor...


A mulher de barriga

Quando se topa com a mulher de barriga,
Conseqüência  do que fizeram na cama,
Vislumbra-se uma  transa aquecida
No inefável  embalo de  quem ama.

Para o gozo inigualável e tentador,
No auge  dessa união  festiva -  hosana!
Fundem-se dois corpos com todo vigor,
No inefável  embalo de quem  ama...

E assim,  com o  que fizeram  na cama,
Cúmplices e  sem reservas ou pudor,
No inefável  embalo de quem ama,

Vieram a  cumprir o texto bíblico - saravá!
Do crescei e multiplicai- vos pelo gozo tentador, 
Vital e tão prazeroso que como ele não há...
                     







Don Juan gabolas

Que diabo me importa o tecido social?
Dizia de si  mesmo o Don Juan gabolas:
O que  me interessa  nesta vida, em especial,
É o prazer do sexo livre, sem  enrolas!

E arrematava com jactância redobrada:
Sempre que nada de  melhor tenho a fazer
Vou ao encontro da mulher amada,
A compartilhar, juntos,  tesão e prazer...

Mas tudo soa como  prosa do faroleiro loquaz;
No fundo, se o falastrão tivera de fato tanto furor
Como apregoava, talvez  já não fosse capaz

De manter  acesa a lamparina do amor
Por falta do azeite  que anima e dá sustança
Ao cabra macho e  porreta, sim senhor!...


 Guizo no pescoço do gato

Andavam assaz apavorados os pobres ratos
Pela inacreditável esperteza  e crueldade
Dos seus vorazes e velhos inimigos - os gatos
Tanto os do campo, como os da cidade.

Eles surgiam  solertes, traiçoeiramente,
Sem dar-lhes sinal de  sua aproximação,
E devoravam-nos  com rabo e tudo, de repente
Causando a  todos muita tristeza e comoção.

Era mais que preciso  buscar, a todo vapor,
Um meio eficaz de contornar a traição,
E em reuniões acaloradas vieram a propor

Várias moções, sendo aprovada por aclamação
A de pôr um  guizo no pescoço do gato comedor
Mas, quem seria capaz  de cumprir tal missão?





Quanto vale uma saudade...

Esconjuro aquele que, como dizia,
Foi feliz na vida e não sabia...
Mas, quem ignorou a própria felicidade,
Essa dádiva da divina bondade,

De fato não teve uma vida ditosa
E, movido por presunção enganosa,
Ao desprezar  o que Deus lhe deu,
Passou pela vida e não viveu!

Para  o insaciável ou descontente,
Que só festeja aquilo  que não tem,
Vindo a alcançá-lo,  ainda inconseqüente,

Pelo vezo contumaz da intemperança,
Encara o suficiente com desdém,
Por obra e graça da própria ignorância,,,



Modernistas

Salve o poeta consagrado, de boa raça,
Modernista genuíno   e de  elação,
Que transmite ao leitor sutilezas  e graça
Em páginas inspiradas, de fina  emoção.

Todavia,  outros  se metem  a versejar
Também sem metro,   nem a boa rima,
Mas  com seus botões  passam  a devanear
Compondo tudo  em linguagem sibilina,

Se é   para  o próprio deleite, tudo bem.
Mas quando  se faz necessário   adivinhar
As coisas  que no aranzel se  contem,

Perde fosfato e tinta quem   pretende
Transmitir  ao leitor ocupado e arisco,  
As idéias vagas que só o autor entende... 







A mulher bonita e o outro...
Ela tinha os olhos grandes e bonitos, de cabra tonta.
Guimarães Rosa.

Quem tiver mulher nova e bonita
Deve de trazê-la  debaixo de olho...”
Disse Guimarães Rosa  -  sentença erudita.
A quem não quiser pôr a barba de molho,

Credo! Bastaria desposar mulher feia,
Salvando o privilégio da posse enxuta;
Pois, não tendo em casa uma sereia,
Ninguém correria o risco de uma disputa.

Todavia, se a mulher falseia e  prevarica
Saindo  com  o outro, melhor é cedê-la
Toda,  todinha, ao gajo que com ela  fica...

Mas diz o traído   mantendo  a zinha,
Para consolar-se e espairecer, fazendo fita:
Puta por puta, fico com a minha...

A cama na comédia humana

As mulheres sempre exploram a sensualidade
Para se tornarem cada vez mais atraentes;
E  na flor e esplendor  de sua  feminidade
Tramam para enredar incautos e inocentes.

E todos sucumbem gostosamente a seus atrativos:
Braços nus,  busto airoso, traseiro arrumado,
E mais os apelos tentaculares e lascivos,
De um  colo em  decote insinuante e ousado.

Muitas inda usam joias  para mais enfeitiçar,
E seus vestidos colantes, como se a despissem
Revelam  o corpo na sua atração sem par.

É o doce sortilégio que leva todos à cama
Para  o seu papel vital  desempenhar
No inefável mistério  da comédia humana...
                                            
           


Para finalizar esta parte...

O autor, como   sonetista   retardado, melhor dizendo bissexto,   agradece, sensibilizado,  aos leitores  e amigos que o acompanharem até aqui,  lendo  estes pobres versos  outonais.
Este é o prêmio que espera alcançar. Se o conseguir, felicito-me por ter lavrado um tento, assim como o jogador que conseguiu marcar um gol .
Para recompensá-los por tal generosidade, reservamos algo superior para o final deste  volume. Ao mesmo tempo estamos reverenciando à memória de três luminares das nossas letras, ao transcrever aqui magníficos poemas de sua autoria .

Primeiro poema
Do caro e  saudoso amigo, - Desembargador Antônio  Pedro Braga, temos o belo poema que se segue.

           O  São Francisco                                         
                       
Não há nem pode haver quem, deste outeiro,
Ao ver de perto o Nilo Brasileiro,
         Não sinta, como eu,
A emoção desse deslumbramento
Que empolga e eleva a alma, num momento,
         A esplêndido apogeu.

Aqui vim ter, meu doce rio  amigo
Para  te ver, sentindo-te comigo
            Como sempre almejei
Desta tua barranca tão famosa
Contemplo a atua grandeza portentosa
            Que descrever nem sei.

Rompendo em Casca d´Anta, murmuroso,
És bravo já, oh! Rio impetuoso,
            Que avanças para o mar.
Nascendo já com ares de gigante,
Caminhas firme, altivo e dominante,
            Como rei milenar.

De aquém, pelo planalto extenso e vário,
Vens rolando em socalcos de calcário
            Em rumo do sertão.
Coleias pelo dorso da chapada,
Qual sucuri gigante e prateada
         Na imensa solidão.

Mil correntes penetram-te a entranha;
O das Velhas, o Verde, o Carinhanha
            Teus tributários são.
Em tuas águas desliza o surubi,
Em tuas margens verdeja o buriti
            De espalmado pendão

Em Paulo Afonso, esplêndido acidente,
Despencas com fragor a tua corrente
            Do imenso pedestal.
E espumas, com estrondo, no granito,
Bramindo, como em cósmico conflito,
            No salto  colossal.


Do Amazonas não tens a calha imensa
Nem a forte e  brutal floresta densa
            De  rica seiva  plena.
Não tens do Minho luso o curso ameno,
Os castelos feudais do velho Reno
            Nem pontes como o Sena.

Em tuas águas, porém, rola a memória
De mais de quatro séculos de história
            Honrada e varonil.
E és, na  Pátria amada do Cruzeiro,
Entre todos os rios o primeiro,
            Orgulho do Brasil

Na ousada tessitura das  bandeiras
Uniram-se as terras brasileiras
            Ao longo da tua pista.
E foste, da unidade nacional,
O fator soberano e natural.
            Na fase da conquista

Esta lua mineira  em tua corrente
Refletida, poética e dormente,
            A mim me faz pensar
Na calejada mão dos teus vaqueiros
No sofrimento destes barranqueiros,
            Heróis do labutar.

Cansados já de tanta e vã peleja
Despegam-se da riba sertaneja
            E emigram para o sul.
Limpa deles, Senhor, as cicatrizes!
Dá que vivam, meu Deus, aqui, felizes,
            Sob este céu azul!

Embora, a força do progresso, um dia
Irrompendo por toda a tua bacia,
            Há de trazer aqui
Os elementos de felicidade:
             O pão, a paz e a tranquilidade
            Que em teu vale não vi.
Deixa-te, pois, estar e não lamentes
Que o futuro repousa em tuas vertentes
            Oh! meu rio cristão.
Serás, neste planalto de verdura,
O rio da esperança e da fartura
            Do homem do sertão.

Como se vê, este poema não é  apenas uma  composição antológica, que se expressa e encanta na feição de sua bela e inspirada tessitura, transmitindo ao leitor a imagem viva dessa dádiva da Natureza, tão majestosa em si mesma, e tão generosa nas suas potencialidades.
Se esse admirável poema fosse  tão somente o hino de amor ao Velho Chico,  ao louvar  e festejar a glória de sua existência milenar, a suntuosidade de seu porte sobranceiro, a virtuosidade de seus saltos de vigor e energia e a impetuosidade de suas águas a rasgar, soberano, o território do sul ao norte, para gerar vida  e fecundidade até lançar-se ao mar, sendo testemunha ocular da História de um  povo – já teríamos a consagração do autor como poeta de primeira água.
Todavia, o autor, além de expressar-se como poeta genuíno, teve a visão profética ao antever  um futuro promissor para as populações ribeirinhas do Velho Chico, ironicamente ainda deserdadas da sorte, por carência  de meios para o aproveitamento dos seus recursos hídricos.  Eis que exorta:
Deixa-te, pois, estar e não lamentes
Que o futuro repousa em tuas vertentes
        Oh! meu rio cristão.
Serás, neste planalto de verdura
O rio da esperança e da fartura
                     Do homem do sertão.











Segundo poema
Vejamos agora, do grande e  insuperável Machado de Assis, - dono de  estilo inconfundível e um dos maiores nomes  da literatura  da língua portuguesa - o notável poema  que chegou a criar a imagem da pessoa à qual foi inoculada uma idéia visionária, ou a ilusão  de um sonho dourado.
Ei-lo:

             A Mosca Azul

Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
      Filha da China ou do Indostão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada
          Em certa noite de verão.

E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
                 Refulgindo ao clarão do sol
E da lua, - melhor do que refulgiria
                 Um brilhante do Grão-Mogol.

Um poleá  que a viu, espantado e tristonho,
                 Um poleá lhe perguntou:
“Mosca, esse  refulgir, que mais parece um sonho,
                 Dize, quem foi que to ensinou?”

Então ela, voando e revoando, disse:
                 “Eu sou a vida, eu  sou a flor
Das graças. o padrão das eterna meninice,
                 E mais a glória, e mais o amor.”

E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo,
                 E tranquilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo
                 Sem comparar, nem refletir.

Entre as asas do inseto, a voltear no espaço,
                 Uma coisa lhe pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
                  E viu um rosto, que era o seu.

Era ele, era um rei, o rei da Cachemira,
                   Que tinha sobre o colo nu
Um imenso  colar de opala, e uma safira
                  Tirada do corpo de Visnú.

Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas
                  Aos pés dele, no liso  chão
Espreguiçam, sorrindo, as suas graças finas,
                  E todo o amor que têem, lhe dão.

Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios.
                   Com grandes leques de avestrus,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios,
                   Voluptuosamente nus.

Vinha a glória depois: - catorze reis vencidos,
                    E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.

Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
                    Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
                    Via limpos os corações.

Então ele, estendendo a mão calosa e tosca,
                    Afeita  a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
                    Curioso de a examinar.

Quis vê-la, quis saber a causa do mistério;
                    E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensa que ali tinha um império,
                    E para casa se partiu.

Alvoroçado chega, examina e parece
                    Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
                    Dissecar a sua ilusão.

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
                    Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaíu-se-lhe aquela
                    Visão fantástica e sutil.

Hoje, quando ele aí vai, de aloé e cardomo
                    Na cabeça, com ar taful,
Dizem que ensandeceu, e que não sabe como
                    Perdeu a sua mosca azul.

Terceiro poema
Por ultimo, temos a fulgurante poesia  de Olavo Bilac - referido como o príncipe dos poetas brasileiros.
Antes, porém, vejamos um  ligeiro  comentário sobre célebre  episódio  em que se inspirou o vate, numa fase em que sua poesia se impregnava de erotismo, mas  em estilo elevado e  brilhante.
A frase cherchez la femme,  que sintetiza tema inesgotável da dramaturgia, nos lembra  que, a despeito da inferiorização da  mulher , ela em todos os tempos teve o condão de monopolizar a atenção e o interesse dos homens, a ponto de atribuir-se a ela  toda a responsabilidade por tudo que acontece de mal, em função de seus irrecusáveis atrativos  e beleza.
Uma das mais famosas cortesãs gregas, Friné, formosa em extremo, que viveu no quarto século antes de Cristo, certa vez, no  festival   dedicado a Afrodite, desfez-se de suas vestes e caminhou totalmente  nua para o mar,  diante da população inteira de Elêusis.
 Praxiteles o grande  escultor,  achava-se entre os presentes e mais tarde tomou-a como companheira. E inspirado na perfeição de suas  formas harmoniosas e  belas,  veio-lhe a inspiração para  esculpir  as estátuas da deusa Afrodite (Venus, para os romanos),  tendo-a como modelo.  Assim, deu  ao mundo obas-primas da arte grega: Afrodite de Téspias, Afrodite de Cós e Afrodite  de Cnido, a mais célebre, com réplicas no Museu do Vaticano, na Galeria de Arte de Firenze, no Louvre, em Paris,  e no Museu de Munchên.
Ela foi amante também de potentados  atenienses, dos quais auferiu riqueza, tendo oferecido sua fortuna para construir  os muros de Tebas.
Num dos julgamentos mais célebres da história, Friné, ou Frineia, foi acusada de causar a ruína de vários nobres de Atenas. Hipérides, na defesa,  lançou mão de muitos argumentos, para inocentá-la, mas os  juízes estavam decididos a condená-la definitivamente. Então, como último recurso, o advogado dirigiu-se ao Aerópago, onde se encontrava  Frineia e, num gesto heróico arrancou-lhe toda a roupa, deixando-a  completamente nua, diante da multidão atônita e surpresa. e pasmando subitamente os Juízes deslumbrados.
Foi  o Triunfo da Beleza!
Uma enciclopédia espanhola resume, assim, seu verbete alusivo a Friné:  Cortesana griega del s. IV a. de J.C., famosa por su hermosura, que fué amante de Paxiteles, al que sirvió de modelo para sus estatuas de Venus. Acusada de impiedad, fué desnudada por su defensor, el orador Hipereides, ante los jueces,  y, admirados éstos de su belleza, la absolvieron por unanimidad. Este hecho fué debido a que los griegos creían en la correlación etre la belleza coporal y la espiritual, y,  por tanto, Friné no podia ser culpable del delito que se le imputaba.                                        
Narrando magistralmente esse episódio, Olavo Bilac  compôs o magnífico poema que se segue:

O Julgamento de Frinéia


Mnezarete, a divina, a pálida Frinéia,
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxíteles,
De Hiperides à voz e à palheta de Apeles.

Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.

Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis...
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo...
Nada iguala o poder de suas mãos  pequenas:
Basta um gesto, - e a seus pés roja-se humilde Atenas...
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça,
cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa...
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:

"Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! É má!" (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
"Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!"

Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma...
Mas, de pronto, entre a turba Hiperides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige... O Areópago não cede.
"Pois condenai-a agora!" E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca...

Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frinéia  aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza .




Apêndice

Abastado cidadão da alta sociedade mandara  seu melhor carpinteiro fazer  primorosa estante para a biblioteca de sua bela mansão, na qual seriam exibidos os livros ricamente encadernados, de lombadas vistosas, com o título da obra e o nome do autor gravados a ouro.
 Mas as prateleiras do móvel se excederam, em espaço, às vistosas coleções já adquiridas. Por isso teve que encomendar mais tantos centímetros de livros para encher os espaços vazios...
Por sua vez, este modesto escriba, ao elaborar este volume com seus  poemas outonais, houve por bem engordá-lo ao final com alguns contos, para que o livro não ficasse  tão magro como um pífio folheto. Além disso, veio-lhe à mente o  velho adágio, segundo o qual,  quem não tem jeito  para a poesia, que se contente com a prosa...
E agradece a boa acolhida.


Percalço eleitoral

Logo que foi inaugurado o novo Clube da   cidade, a Diretoria nomeou uma Comissão composta de cinco membros associados, da qual tomei parte, para a organização  de sua Biblioteca.
Era um clube social, não esportivo, mas com muitas opções de lazer e entretenimento. Além do amplo e bem mobiliado salão  para bailes, com palco  para espetáculos, e amplo  auditório para conferências e palestras, tínhamos o scotch bar, salões para bilhares,  bingos e outros jogos, tudo com excelente decoração; e até copa e  cozinha. Por assim dizer,  um Clube completo, que era o orgulho da cidade.
Faltava apenas a Biblioteca, já com amplos espaços  reservados, incluindo anexos  para leitura e televisão. As prateleiras , de madeira entalhada, e o mobiliário  adequado, já estavam prontos. A Comissão ficou encarregada de receber as doações espontâneas ou em espécie, realizar eventos artísticos e outras promoções para levantamento de fundos, fazer a seleção e aquisição de obras de autores de nomeada, nacionais e estrangeiros, e ainda  providenciar a encadernação dos livros ainda em brochura e a informatização  da Biblioteca.
Havia, portanto, muito por realizar, e a Comissão se reunia quinzenalmente, à noite. Muitas vezes as reuniões se estendiam como verdadeiras tertúlias,  no curso das  quais, se servia o chamado chá literário, com a participação de outros associados.
O Edgard , membro atuante da Comissão, era um comerciante comunicativo e muito bem relacionado na sociedade local.  Dele podia-se dizer, um cidadão pacífico e respeitado.
Mas um belo dia ele apareceu-nos no Clube penso de um lado ao peso de algo volumoso sob a aba do seu jaquetão. Naturalmente despertou com isso a curiosidade de todo mundo.
- Que negócio é esse Edgard?  -  perguntou alguém.
E ele não se fez de rogado, abrindo o seu paletó, para mostrar  um tresoitão, cabo de madrepérola.
“ O caso  é  simples e complicado - iniciou ele  a sua história - Vocês todos sabem que nunca fui político. E tenho até certa prevenção contra essa atividade que vem sendo exercida por velhacos, aventureiros; uma corja de  corruptos, que  deslavadamente só visam o interesse próprio. É claro  que há exceções honrosas, mas geralmente as  pessoas de bem se esquivam de  competir com essa cambada de aproveitadores  que está  por aí e que nos causa  vergonha...
Mas acontece que dei ouvidos a alguns  amigos que, numa campanha de renovação do nosso legislativo, instaram a que eu me candidatasse ao cargo de vereador de nossa cidade. De princípio não admiti essa idéia. Todavia,  tanto me falaram a respeito da necessidade da moralização dos nossos costumes políticos, que acabei  me acedendo, ingenuamente,  a essa aventura que, de resto, só está me trazendo  aborrecimentos inaudíveis, além de despesas imprevistas..”
- Mas afinal, por que esse  trinta e oito na cintura, a uma hora  dessa?  Que está acontecendo? - inquiriu outro companheiro.
“ Estou arrenegado de dois casos,  que seriam apenas cômicos, se não envolvessem certa dose de tragédia - prosseguiu ele. -  Vejam bem. Uma vez que foi oficializada a minha candidatura,  passei a receber apoios que me deram satisfação pessoal e a expectativa de vitória. Cheguei a me entusiasmar com a minha suposta popularidade.  Mas  depois, dentre tais apoios, dois deles só me  trouxeram desapontamento e preocupações. Acho que caí numa esparrela dos diabos! Estou  sendo explorado por um, e ameaçado de morte pelo outro. Tenho que me defender como posso e  aonde quer que eu vá...
No primeiro  caso, um meu freguês da zona rural procurou-me na loja para dizer, em princípio de conversa, que adorou a minha candidatura e que todos os votos de sua família eram meus E a seguir acrescentou   que ali viera para oferecer-me um comício em sua propriedade, na qual tinha uma venda, freqüentada por muitos amigos da redondeza, eleitores que  seguiam a sua orientação... Se eu concordasse, bastava marcar a  data, preparar o discurso e ele providenciaria tudo mais.. Para animar a festa, haveria  uma cervejada,  fogos de artifício e um churrasco.  Para isso ele mataria uma vaca...
Na verdade, o tal comício foi um sucesso. Muito concorrido. Comes e bebes à vontade e muita animação. O cara,  jeitoso e falante como ele só, fez até um discurso, me cumulando de elogios. Só faltou dizer que eu era santo...  Mas alguns dias depois da farra ele voltou a procurar-me na loja,  para cobrar o preço super-faturado da vaca e das bebidas... E entre dentes dizia ter sacrificado o leite das meninas, pois a vaca era a única que ele possuia...
Caí das nuvens. Fazer o que?  Tive  que engolir a seco e pagar a conta.  Mas esse caso não foi o único. O pior veio depois.
Outro freguês, por sua vez, procurou-me depois, com oferecimento semelhante. Já escaldado e escolado como estava, deixei que o homem falasse. Disse-me ele que tinha  visto meu retrato e minha plataforma política no jornal, que apreciou o meu empenho de  disputar a eleição e que desejava apenas colaborar, apoiando os  bons candidatos. Oba! -  pensei com meus botões: até que enfim arranjei um correligionário desinteressado. Ele não se propôs abater vaca nenhuma para  churrasco, e isso me animou, foi um alívio. Ainda assim, meio desconfiado, mas precavido e de olho aberto, pedi que me informasse, prèviamente,  se haveria alguma despesa que devesse correr por minha conta. Com surpresa, respondeu-me ele que não, acrescentando apenas que, se eu quisesse, poderia levar alguns  foguetes, para abrilhantar a festa. Depois  dos discursos haveria apenas um forró, de que o povo tanto gosta,  e o  sanfoneiro nada cobraria.
Conclui que esse freguês era um homem de boa fé, e tenho a impressão de que assim procedia, porque algum dia, na loja, eu teria lhe  prestado um favor qualquer, ou mesmo uma simples gentileza. Como vocês estão vendo, esse caso foi bem diferente do outro. O forró foi de fato muito animado, tinha muitas moças bonitas e varou a madrugada...
  Mas, por gentileza e só para demonstrar  o meu  reconhecimento,  pensando em prestigiar a família do dono  da casa, com todo respeito tirei a mulher dele, (uma  coroa até  simpática e muito dada),   várias vezes  para dançar,  sem perceber que estava  causando o feroz ciúme do marido.. Foi ai que o caldo  entornou. Por causa disso, segundo fui advertido, o ferrabrás, puto da vida, instigado por fofoqueiros, adquiriu uma pistola para lavar a sua honra tão exigente,   e quer me matar!...”



A Flor do Pântano

Quando recentemente conheci  Darliene, uma morena sarada, no esplendor de seus dezesseis anos, fiquei sabendo que ela era irmã de João Paulo, o garoto que um dia, cerca de quatro anos atrás, se identificou a mim como trazedor do almoço para o meu amigo  Joaquim, o carroceiro que me fornecia areia, apanhada do rio, para obras na Jurema.
João Paulo me disse que Joaquim era seu vizinho e padrinho. E ao referir-e a ele com certa dose de familiaridade e respeito, convenceu-me do seu  caráter dócil e afável . Eu gostei  de seu temperamento  jovial e de  sua espontaneidade, e desde então tornamo-nos bons amigos. De vez em quando na rua, quando eu passava de carro, ele me acenava e eu  parava para cumprimentá-lo e dar-lhe uns trocados, lembrando-me dos tempos em que,  ainda criança, eu também gostava de ganhar um  dinheirinho de algum parente.
Darliene e João  Paulo são filhos de Do Carmo, mas não do mesmo pai. Do Carmo é uma mulher parda de pele lisa,  um pouco gorda.  Ela aposentou-se como  desassisada, vive ao léu, perambulando pelas ruas, e pode-se imaginar que não é dos mais organizados o dia-a-dia de sua família. Noutros tempos, com os atrativos próprios da mocidade, foi uma cabrocha arrumada e boa parideira. Mas hoje, inteiramente largada, foi-se o tempo em que era requestada.
 Curioso é que, apesar de um tanto airada, seu instinto maternal é aguçado, como o das  vacas paridas de  novo.  Com suas doidices, certa vez me pediu ajuda, porque estaria alguém tentando tomar-lhe um dos  filhos, ou filha. Na época tranqüilizei-a, garantindo que ninguém podia fazer isso, e ela se acalmou.
 Mas Darliene, que não recebe dela bons tratos nem tantos mimos, vive mais  com a  vizinha, que lhe  proporciona o afeto maternal que lhe falta em casa.
Além de Darliene e João  Paulo, Do Carmo tem outros filhos e filhas, uma ninhada, de pais diferentes e até desconhecidos. A  filha mais velha é quem recebe o benefício da aposentadoria, para o  seu  sustento e pequenas despesas.
Darliene, dócil e inteligente, de aspecto agradável, herdou da mãe alguns traços fisionômicos, mas bastante melhorados. É produto apurado. Morena de corpo esbelto, silhueta elegante, busto bem proporcionado, lábios e dentes perfeitos, é dona de um sorriso franco e charmoso. No conjunto, é uma afrodite digna de ser perpetuada no mármore.
Com tais atributos, perguntei-lhe se tinha coragem de posar nua para a revista Playboy  e ela respondeu que não. Mas deixou escapar um  sorriso enigmático, além do brilho diferente nos olhos, como quem sonha com algo intrigante, desconhecido e temeroso, mas fascinante... Ela tem trabalhado ocasionalmente em eventos sociais e  tem  queda para isso. E como  tal, não passa despercebida dos convivas, de olho nela.
Apesar de sua plástica feminil e sensual,  ela prefere os divertimentos próprios dos homens. Por exemplo, gosta de jogar futebol e de sinuca, passando horas acertando as bolas que rolam no pano verde, ao tentar encaixá-las na  bolsa. Gosta, também, de tomar banho no rio, no açude, em contato direto com a natureza, para sentir na própria pele bronzeada as carícias de uma brisa camarada.
Um mancebo  abelhudo, fanatizado pela perfeição de suas formas, conta que não resistiu à tentação de ir espiá-la ao banho, de longe, escondido numa moita de assa-peixe... Com a respiração  entrecortada, viu-a emergindo das águas com a anágua colada  ao  corpo...                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               
Certamente, de biquíni faria boa figura numa piscina, ou na praia, e despertaria os olhares cobiçosos dos homens.. E não se sabe até quando ela resistiria aos  assédios a que se expusesse.
Do Carmo e  filhos (ela não tem um companheiro permanente) moram numa casa modesta, em  bairro da  periferia. No seu ambiente  doméstico, com algumas carências e pouco conforto, falta uma boa orientação e mais autoridade materna  no quotidiano e encaminhamento dos filhos. Enfim, com um comando à matroca, frouxo, o matriarcado não funciona a contento.
Darliene e seus irmãos têm baixa escolaridade, não gostam de estudar, sobrando-lhes mais tempo para o a ociosidade. Mas, salve-se o instinto da vida, apesar de tudo.
Eu quis saber quem era o seu pai. Respondeu-me que não o conheceu e acredita que nunca  o  viu, nem lhe interessa vê-lo. Mas disseram-lhe que era filha de um tal de Federal. E, por isso, chamavam-na também de Federal.
Em tais condições, pode-se dizer que Darliene, bonita, saudável, de temperamento sereno, sem traumas ou complexos aparentes, é como uma flor pura e viçosa que nasceu ao acaso, no pântano.
O fato é que, se de um lado o pai sequer tomou conhecimento da existência da filha, por outro lado ela jamais sentiu a falta dele, isto é, se praticamente nunca o teve, também não experimentou a sensação de perdê-lo, ou o desejo de identificá-lo, ou reivindicá-lo.
É provável  que Federal, a exemplo de outros parceiros de Do Carmo, teve com ela, em algum canto, uma relação libidinosa apenas  instintiva e ao acaso, como acontece  com os animais. Não se sabe onde, nem como, mas o suficiente para enxertá-la. Nenhum comprometimento disso resultou. E Darliene, nascida desse  acasalamento  fortuito,  não teve a oportunidade de qualquer convivência com o pai. E se ela algum dia chegou a vê-lo, não tomou ciência  disso.
 Eu  conheci Federal como vendedor de alavancas, mas não sabia que ele tinha esse apelido. Quem acidentalmente mo revelou  foi  o meu amigo Minervino - o açougueiro - que conhece todo mundo. Mas até hoje não sei qual  é o nome próprio de Federal, nem porque ele ganhou tal apelido.
As alavancas que ele vendia, muito apropriadas   para serviços na roça, compunham-se de uma haste, mais ou menos comprida, de ferro oitavado (a que chamavam de barra-mina), soldada a uma lâmina de aço temperado, feita de molas de caminhão, tendo na base o gume bem afiado.
Eram um tipo de ferramenta muito bom,  de produção limitada, do tamanho adequado para abrir buracos; uma especialidade dele (made by Federal) e não se encontravam à venda nas lojas. Ele mesmo as vendia na  rua, ou a  domicílio, a adquirentes habituais -  eu inclusive. Eis  porque, para muitos  dos seus fregueses, Federal era mais conhecido  como vendedor de alavancas.
De certa forma essa ferramenta veio a simbolizar a eficiência genesíaca de Federal, ao alavancar, na descuidada Do Carmo, um produto tão bem acabado, embora feito ao acaso.
Não me lembro bem  da última vez que o  vi e lhe comprei a ferramenta, mas isso já faz alguns anos.
Não sei do que  foi feito dele. Provavelmente já morreu. Era  um tipo meio desajeitado, rosto ligeiramente alongado, altura mediana, magro, braços descarnados e rijos, lábios de rebordo,  lembrando a boca de peixe, ou  uma salsicha fina. Mas boa  pessoa.
Quero crer - mas disso não tenho certeza - que Federal foi o menino que  Dinha Nena criou e que conheci quando eu morava  fora. Ele era então um rapazote calado, quase sempre de pés no chão e  calça arregaçada até o meio da  canela, de boa índole, meio arredio e muito prestativo. Servia para dar recados, entregar leite e varrer a casa, além de outros afazeres domésticos.
Entretanto, por longos anos  não me lembrava dele, seja como possível serviçal de minha mãe, seja como vendedor de alavancas.
Só recentemente, ao conhecer a sua filha, - que  saiu mais à mãe, - é que, especulando, recompus a memória e veio-me à mente sua fisionomia, envolta em considerações sobre o enigmático sentido da  vida e o imponderável destino das pessoas. Fiquei admirado de ser Darliene sua  filha...
Afrodite, a deusa do amor que emergiu das ondas do mar, segundo a mitologia greco-romana, é o ideal  da beleza feminina, e foi descrita na Ilíada com o sortilégio de”transformar todos os mortais e  os  deuses pelo desejo”.
Darliene, que nasceu de uma relação sexual, marcada pelo instinto animalesco de seus  pais, veio ao mundo sob o signo desse ideal de beleza - beleza que decerto não herdou  de seu pai, para tornar-se alvo do desejo ardente dos homens.
Se ainda é virgem? É provável que não, pois na sua idade,  com os  atributos de sua feminilidade, e seus atrativos sensuais, não lhe teriam faltado, além da  curiosidade instigante das donzelas bem nascidas, os apelos da carne, nem a  oportunidade para  uma fugaz aventura romanesca, e muito  menos ainda quem lhe tentasse, sedutoramente,  experimentar as delícias do fruto proibido.
Mas, em  qualquer hipótese, tudo indica  que ela, com  total discrição e  senhora de sua conduta pessoal, ainda se  mantém nos limites da ponderação e do recato.
Certamente, um dia se entregará, prazerosamente e sem  reservas, àquele que a tomará por  esposa, ou por sua amante, seja para valer, em caráter definitivo, como merece, ou transitório, como aconteceu  com sua mãe. Afinal, é mulher...
Se tiver sorte, atraído por sua plástica e moreneza, por sua exuberância  e docilidade, terá o companheiro ideal,  que lhe proporcionará tranqüilidade e conforto,  em troca dos prazeres que é capaz de lhe prodigalizar. Se não, cumprindo um  destino implacável, como objeto do prazer e sempre cobiçada pelo bicho homem, poderá ficar como joguete, de mão em mão, sem rumo certo,  até  que o tempo e as asperezas da vida federal se encarreguem de  desgastá-la. E fatalmente fenecerá como as  flores do pântano...             

O Anel de Madame

Juro que o Zu não era e nunca foi um tipo vulgar, desses desenxabidos,  reles e arapuqueiros, tão encontradiços nas pequenas  cidades do interior. Ao contrário, sempre foi  um sujeito lealdoso, arrumado (vestia-se bem), alegre e de boa paz. Qualquer um poderia pôr a mão no fogo por sua retidão e compostura. Os fados é que às vezes lhe pregavam uma  peça.
Pertencia ele à família dos Biscoitos, apelido  que se transmitia de pais a filhos e que configurava uma  homenagem um tanto maliciosa  a seu bisavô Rafael Luiz de Campos, pasmem, só porque ele  gostava muito de  biscoito... É certo que os descendentes não se conformavam muito com essa alcunha, inda mais porque, só para tesar, maldosamente ainda a deturpavam para Biscoito de Sebo... Mas o Zu não estava nem aí por essas  irreverentes ninharias.
Com efeito, ele era um cara espirituoso, brincalhão e finório. Sabia sair-se bem das encrencas involuntárias. De certa forma, lembrava a figura lendária de Degas Maciegas,  que “pisa na folha e não escorrega” -  como antigamente se dizia no jargão popular -, e as aventuras do famoso Pedro Malasartes, personagem que desfrutou de invejável simpatia popular.
Suas ladinezas, se assim podemos dizer, eram limpas, sem a intenção de  engambelar a quem quer que seja. Dele, na pior hipótese, poder-se-ia  dizer que foi um trambiqueiro honesto, já que, sem ser ingênuo, não botava maldade nas  coisas.
Se não teve a sorte de nascer de pais ricos - em berço de ouro, como se diz - nem de  ter amealhado bens de fortuna de seu trabalho, todavia conseguia manter um trem de vida razoável, contentando-se com o suficiente, ajudado pela esposa, que era professora. Aliás, é bom que se diga, ela foi a minha primeira professora.
O traço marcante do seu caráter foi a sua  veia de  bom humor. Aos amigos ele contava coisas do arco-da-velha, de sua  vida prosaica, aventureira.
Macio e espontâneo, todo mundo gostava de ouvi-lo e se divertia com as suas façanhas. Um misto de Bocage e do famoso barão de Munchhausen.
Não digo que foi o meu tipo inesquecível, só meu, porque não é justo monopolizar um direito que é de todos os  que tiveram o privilégio de conviver com ele, ou mesmo apenas de conhecê-lo de perto.
Muito dedicado à família, quando ainda morava na sua cidade natal, criava uma vaca malhada da raça holandesa e mansa como um  cão, só para dar leite aos filhos. A bem  dizer,  ela era a mãe de criação deles.
Certa vez,  tinha chovido muito, a vaca  estava do outro  lado do rio e este, sem ponte,  pegara uma cheia e não dava passagem  a vau. Mas ele  foi buscá-la assim mesmo, passando pela pinguela que o Sr. Schimidt mandara fazer. Laçou o animal  pelos chifres e, para voltar, galgou aquele tronco que servia de ponte e puxou-o para atravessar o rio a nado. Mas a  forte correnteza levou  a vaca rio abaixo e ele, levado pela  corda enrolada  no  braço, despencou de lá de cima, para um mergulho nas águas revoltas. Foi  salvo pela própria vaca amiga que, saindo na outra margem, o arrastou pela corda...
Algum tempo depois, com a família, transferiu-se, de  armas e bagagem, para Montes Claros, onde montou uma pensão monitorada pela esposa, que praticamente cuidava de tudo, ficando o marido a cargo das  relações públicas.
Ali vieram a ter a  preferência dos  caminhoneiros  e demais conterrâneos que demandavam a capital do Norte de Minas. A casa era antiga mas, com suas instalações adaptadas  e em ponto central, era razoavelmente confortável e todos os  seus hóspedes se compraziam do excelente passadio. A comida era preparada em extenso  fogão de lenha.
Naquela cidade,  conhecido e conhecendo   todo mundo, o Zu desfrutava de  enorme popularidade, tornando-se  uma figura quase folclórica por suas brincadeiras e trato amigável..
Tanto me falaram daquela pensão - uma espécie  de consulado de minha terra natal -, que certa vez, de passagem pela cidade, fui visitar o Zu e minha professora  Nicó,  velhos amigos.
Foi um encontro muito agradável e o Zu se  excedeu em gentilezas. Eu já tinha jantado no hotel em que me hospedara, mas ele  não acreditou. Como já tivesse passado da hora, ele mandou buscar num restaurante próximo  uma refeição completa  para mim. E ele ainda foi à  cozinha  para trazer   um vidrinho de óleo de pequi, para “adubar a comida”,  como disse.
Naquela noite, para não decepcioná-lo, acabei jantando duas vezes!  Mas não ficou só nisso. Ele mandara vir um  cara seu amigo, violonista e seresteiro, que me  brindou com modinhas românticas do  repertório sertanejo.
Quanta honra para um  pobre Marquês! - confabulei com meus  botões...
Contaram-me depois um caso interessante desse meu amigo, sempre brincalhão.
Uma senhora da sociedade local teve sua residência assaltada por um larápio que  levou-lhe as jóias, inclusive um rico anel de brilhante. A Polícia foi acionada e estava cuidando do caso.
Naqueles dias  um cara de fora havia abordado o  Zu,  para vender-lhe um anel, - que dizia ter  pertencido a sua avó -,  ignorando, talvez, o valor da jóia. O cara, fingindo de simplório, tinha uma lábia tão apurada que o Zu acreditou nele.. E de boa fé,  sem saber do  roubo, acabou fechando o negócio, a preço de banana.  O pior é que  andou  a comentar a aquisição, com diversas pessoas..
O Delegado soube disso e, para averiguações, mandou convocar  o nosso amigo, que compareceu à Delegacia, já desconfiado do  que se tratava. 
Tendo ouvido falar das artimanhas do Zu, e procurando amenizar as coisas, para facilitar a solução tranquila do caso, o Delegado  disse que a Madame Tal havia  perdido um anel, e contaram-lhe  que ele, Zu, havia achado um na rua. Era verdade?
- É verdade, Dr.Delegado - respondeu, e  metendo a mão no bolso tirou dele um anel, que entregou ao Delegado, perguntando-lhe: - será este?
Surpreso, ao recebê-lo, vendo que era apenas a garra,  o Delegado disse já em tom incisivo:
- Sim, deve ser, mas cadê a pedra dele?
- A pedra ... eu  perdi, Dr....
- Perdeu?  Não pode ter perdido!  Como  explicar isso?
- Ora, Sr. Delegado, eu  perdi a pedra. E essa Madame aí não perdeu o anel com pedra e tudo?
O homem de fato dava nó em pingo dágua...

O Casamento de Manoel Sinhô
                                                                            
Isso aconteceu há muitos anos. Naquele tempo,  em Lençóis do Rio Verde, os casamentos eram aguardados e  festejados com muita badalação, principalmente quando o pai da noiva  era homem de posses e o casamento lhe fazia o gosto.
Assim, quando os noivos eram de famílias mais importantes, as solenidades civil e religiosa realizavam-se na residência dos pais da noiva, perante o Juiz e o Padre, que  para ali  se deslocavam. Nas cerimônias, o Juiz quase sempre  era lacônico, e falava o estritamente necessário, conforme a lei. Mas a prédica do Padre celebrante era proporcional ao prestígio das famílias envolvidas. Algumas vezes, após o ato religioso, os  convidados espargiam arroz à passagem dos nubentes,   augurando-lhes prosperidade e alegrias. Seguia-se a recepção, com felicitações aos recém casados. E depois, lauto jantar.
O melhor era quando a cerimônia religiosa se  realizava na  Igreja e a festa era na roça, onde nunca faltava um animado forró, seguido de quadrilha, ou contradança, sem faltar os  comes e bebes, - churrasco, leitão assado, quentão e pinga da boa, como convém. Dançava-se até ao raiar do dia seguinte.
 Mas, no  caso de Manoel Sinhô, a coisa foi mais simples. Simples e diferente, a exemplo do que aconteceu quando se casou o  seu irmão  Joaquim Cachorrinho, também gente  boa, modesta,   trabalhadora e  de  bons costumes e cuja noiva, ainda muito jovem e inexperiente, fugiu apavorada na noite de núpcias.
Manoel Sinhô, já avançado em anos, era homem meio rude  e curtido de sol, falante, camaradão e raparigueiro. Ao ficar viúvo, ainda esquentado e assanhado nos forrós, vivia arrastando azas por mulheres, como galo de terreiro, parecendo um verdadeiro Sátiro.  Para os desocupados filhos da Candinha, valia a pena ver se Manoel Sinhô ainda dava no  couro...
Puseram-lhe na  cabeça que, com tanto fogo nas veias, devia casar-se novamente e até lhe arranjaram a noiva.  Era  a filha mais velha de Tião Pescoço.
Ela, madurona e acanhada, tinha  caído no barricão, pois  quase todas as suas irmãs mais novas, umas até bonitinhas,  tinham-se casado, e ela não, embora vivesse sonhando com os esponsais, apegada a Santo Antônio, o Santo casamenteiro.
O fato é  que a moça, virgem, casta e pura, se não era um tanto de se jogar fora,  embora encarquilhada e só afeita às lides domésticas - uma boa cozinheira,  vá lá - , podia fazer-lhe a felicidade, quem sabe?
Depois dos entendimentos com o pai dela, homem severo e de costumes à antiga, ficou decidido que o casamento seria realizado com  simplicidade e parcimônia, tudo conforme as circunstâncias. Por exemplo, a noiva não precisava ir toda  apetrechada, como de costume, dispensando-lhe até o vestido branco. Tudo o estritamente necessário. Não haveria festa, com comes e bebes. Apenas um café. Mas, à  boca pequena, não faltariam as fofocas.
No dia do casamento, à tardinha, os noivos, parentes, padrinhos e convidados  reuniram-se previamente na casa do futuro sogro, e de lá partiram, a pé e em procissão a passo moderado,  rumo à  Igreja, no largo da Matriz.
À frente do cortejo, dando-lhe um toque  festivo,  ia o sanfonista, que se esbaldava com a sua surrada sanfona de  oito baixos, tocando uma polca buliçosa e cadenciada, à guisa de marcha nupcial. E de braços dados, a noiva, um pouco desajeitada, seguia com o noivo, também meio encabulado.
Aliás, foi a musica arrancada desse instrumento popular, o que mais chamou a atenção das pessoas, muitas das quais, encontradas pela frente, se incorporavam  ao séquito.
E foi assim que aconteceu um caso interessante.
Meu tio afim Azemar, era um comerciante ladino, muito importante e  experiente na vida,  e em sua  loja eu, ainda menino,  trabalhava como caixeiro.
Naquela tarde tranqüila, logo  que do canto da praça, à esquerda de sua loja e um pouco mais abaixo, irromperam-se os primeiros acordes daquela macha nupcial, coincidentemente o  tio Azemar assomou à porta da casa e curioso perguntou-me assustado: “ O que é aquilo?”
Ele mesmo certificou-se do que estava acontecendo.. O fato é que  tinha  sido convidado para padrinho de casamento de seu amigo Manoel Sinhô, mas não anotou a data. Quase caiu de susto,  e perplexo exclamou gaguejando: “Meu Deus, me esqueci do casamento dele!”
 Mas não perdeu tempo. Num piscar de olho, correu lá dentro e  voltou  com capuchos de algodão em caroço nos ouvidos. Na falta de algodão hidrófilo, foi aquilo que ele  arranjou...Quem não tem cão,caça com gatos...
Quando o cortejo passou ao largo, tio Azemar, em pé na calçada, se  virava de um lado para outro, para mostrar que não compareceu, porque estava com dor de ouvidos...
Não duvido de ter  o noivo percebido que  seu convidado  estava mesmo dodói...
Já na Igreja, onde chegaram atrasados, lá encontraram  o Padre, que estava visivelmente cansado e impaciente com a demora. Em tais circunstâncias, ele costumava alinhavar os passos rituais, tantas vezes repetidos nas celebrações a seu cargo.
Tio Vigário  era um Padre respeitado, carismático, mas  bravo e consciente de sua autoridade. Dentre  suas  virtudes, era amante do vinho e tinha o condão de ser generoso nas  suas ironias, ante as fraquezas da natureza  humana. Nos seus sermões, costumava verberar os sepúlcros caiados, mas também tinha seus ditos e adágios  espirituosos e sempre oportunos. 
No curso do ato religioso, o Padre não se preocupou com a posição dos nubentes, no pequeno grupo   que se   formou ao pé do altar,  e a noiva, de vestido comum, não se distinguia das acompanhantes. Afinal, aquela era uma rotina de que já estava cansado.
E quando ordenou que a noiva  colocasse a aliança no dedo da mão esquerda do noivo, este estendeu-lhe a mão direita. Visivelmente contrafeito, o Padre lhe indicou:
- A outra!
Manoel Sinhô, que era um pouco surdo, não entendeu, mas  respondeu afobado:
- A noiva é essa mesmo, seu Padre...
- É a outra mão, seu Manoel! - Mas o homem insistiu em impor a mão direita.:
- Já falei, é a outra mão, o Sr. não está ouvindo?
Então, o noivo estendeu-lhe a mão esquerda, com ar de  súplica, quase como se tivesse cometido um pecado, mostrando que, infelizmente,  nela não tinha o dedo anular, no qual  se usa pôr o anel... Desfeita a confusão, o celebrante esboçou um leve sorriso de aquiescência, e o ritual prosseguiu.
Ao encerrar a cerimônia, Tio Vigário - que era observador finório - diante daquele casal tão retardado, esboçou um gesto de quem iria comentar alguma coisa, mas limitou-se a dizer com bonomia, sem medir o que falava:
- Vá em paz, e o Senhor o acompanhe. Cumpra a sua obrigação e sejam felizes!  O dedo vizinho  do midinho, que o Sr. perdeu,  não é tão importante, não serve para nada,  e certamente não  lhe fará   falta nenhuma...
A história  terminaria ai, se o casamento de Manoel Sinhô não tivesse outro desfecho. Dois dias depois, ao devolver a noiva ao  sogro, disse -lhe apenas:
-  Ela não serve mais pra casamento. Mas, se o Sr. quiser, posso aceitar a outra, a mais nova..


O Guarda-chuva
                                                                            
O tranqüilo e correto cidadão da Rua Felipe dos Santos,  após o café da manhã, pegou a sacola de pano e  saiu com sua filha para  abastecer-se de frutas no”Sacolão” a um quarteirão de sua casa.
Como o tempo estava  chuvoso, em vez da bengala, para apoiar-se, levou consigo o seu guarda-chuva de fabricação portuguesa, objeto de estimação.
Lá  chegando, encontrou a casa cheia de fregueses, que se acotovelavam para as compras.
Então foi direto a um dos estandes de frutas,  onde  uma distinta senhora estava a escolher laranjas, e  passou também a selecionar as que ia levar, colocando-as  na sacola, tendo pendurado o seu guarda-chuva na  borda da banca. Uma vez cheia a sacola, deixou-a na própria banca, junto ao guarda-chuva, enquanto foi buscar um carrinho lá fora, para nele reunir todas as frutas que foi comprar.
Ao voltar ao interior  da loja,  um indivíduo moreno, alto e magro, que provavelmente também  se encontrava há mais tempo  no recinto, o interceptou para perguntar-lhe se eram seus os óculos que estavam no carrinho, e que não tinham sido notados antes.
- Não, não são meus  - respondeu, ao verificar que os óculos eram escuros, artigo barato.
- Então alguém os esqueceu ahi - e assim dizendo  tomou a iniciativa de entregá-los ao caixa, num gesto de aparente colaboração. A pessoa  que os esqueceu, voltaria ali, para procurá-los - fez crer.
Conduzindo o carrinho de mão,  o cidadão da rua Felipe dos Santos foi escolher as outras frutas - pepinos e bananas - no curso de poucos minutos.
Mas ao voltar à banca das laranjas, só encontrou a  sacola cheia que ali deixara. O guarda-chuva, num átimo, foi-lhe surripiado. E não mais estavam no recito, nem a distinta senhora, nem aquele senhor dos óculos...
O fato foi levado imediatamente ao conhecimento do  gerente da loja e da moça que trabalhava no “caíxa”, mas ambos nada puderam fazer. Todavia, todo mundo, com a casa cheia, ouviu os comentários a respeito, admitindo-se duas hipóteses: de roubo, ou de mero engano.
É possível que tenha sido um dos dois o autor da façanha, pois ambos, logo a seguir,  desapareceram do local.  A distinta senhora é suspeita, porque estava próxima do objeto subtraído; e o cara dos óculos, com suspeita maior, porque provavelmente teria armado um  estratagema diversionista, para  dar impressão de probidade.
Voltado para casa, o dono do guarda-chuva roubado digitou, em letras grandes, um apelo a quem o teria “levado por engano”, esclarecendo que era de  fabricação portuguesa, raríssimo no Brasil, com uma faixa azul,  facilmente identificável. E esse aviso foi colocado na loja em posição bem visível.
Imaginemos  então, hipoteticamente, o  que poderia  ter acontecido a seguir,  com o principal suspeito.
Ao chegar em sua residência, o cara, trazendo um novo guarda- chuva , diferente e vistoso, seu filho foi logo lhe perguntando:
- Uai, pai,  o senhor foi às frutas e acabou comprando essa jóia de guarda-chuva, heim? Deixe-me vê-lo! Que bacana... Onde o senhor o comprou?
Sem nada responder, dando de ombros, apesar do seu descaramento embutido, no fundo de sua alma o homem, que abominava mentir, sentiu um calafrio. E foi ao quintal, com pretexto de dar comida ao seu  cachorro, na expectativa de que a curiosidade do filho se desvanecesse.
Três dias depois, ele volta ao “Sacolão”, para compras e vê, pendurado junto às pencas de bananas, aquele aviso que lhe feriu a vista, como coisa sinistra.
Depois, com chuva, três vezes precisou de sair, mas pegava sempre o guarda-chuva velho e já com uma vareta quebrada.
Não teve coragem de  usar imediatamente o guarda-chuva roubado.  Toda vez que ele saia com chuva,  a mulher insistia, inutilmente, que o levasse. E na medida em que o fato   se repetia, mais estranheza causava em casa. O homem se sentia encurralado. Tinha um belo guarda-chuva, mas lhe faltava coragem para  usá-lo.
E ainda houve um detalhe intrigante. O filho  insistia em saber onde o pai o adquirira e qual foi o preço  pago, porque desejava   comprar outro igual... Mas o homem desconversava...
Noutro dia, a mulher pretendeu ir ao “Sacolão” usando  o  já fatídico guarda-chuva, mas o marido,  apavorado, opôs tal resistência, que chegaram a se desentender.
- Não entendo o seu ciúme por esse “trem” que ninguém pode usar. Será que você o roubou?
- Mulher, me respeite!...
 Também o filho ficou grilado com o problema. Até os vizinhos tomaram conhecimento do caso.
Tantos foram  os problemas que iam surgindo, que o homem passou a imaginar uma forma de desfazer-se do guarda-chuva. Pensou em devolvê-lo, mas,  que explicação daria em casa? Como seria recebido no “Sacolão” depois de vários dias,  tendo estado lá tantas vezes?  Sim. poderia alegar que não o devolvera antes  porque se esquecera de levá-lo, mas isso lhe soava falso. Imaginava cenas deprimentes, constrangedoras. Será que acreditariam que o levara “por engano”?
Sua mente baralhava. Sentia-se num beco sem saída. Com tal coisa metida na cabeça, sonhava  constantemente. Sonhos horríveis, tachado de ladrão, às voltas com a polícia.  A cada dia sentia-se mais deprimido. Perdera o apetite e  definhava. Ficou doente, macambúzio.
Dando tratos à bola, afinal teve uma idéia  salvadora. Com o pretexto esfarrapado de consultar-se com um médico especialista, em cidade vizinha, indicado por um amigo,  inventou  uma viagem misteriosa de  trem, sozinho, sem admitir acompanhante, e sempre muito cabreiro, levou consigo o maldito  guarda-chuva, tendo o cuidado de envolvê-lo numa capa, para não ser notado ou identificado por quem quer que seja. E no caminho, já bem longe, o atirou pela janela.
Ufa! Quando voltou, sentindo-se aliviado, e esforçando-se por dar a impressão de ter  sofrido perda irreparável,  alegou em casa que o guarda-chuva tinha sido roubado - o que era a expressão da verdade...