Capa (árvore,
caindo as flores e folhas)
Formatação com o Deri
Última revisão a ser feita
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(Página)
Daniel Antunes Júnior
CELEBRANDO
A VIDA
Poemas Outonais e Contos
Belo Horizonte
2015 .......................................................................................................................(Página
de dentro)
Eis o cara autor deste livro .....
Índice
Prefácio
Celebrando a vida, ainda legal
Dedicatória
De vassalo a suseranos
Agradecimento
Preâmbulo
Considerações sobe a poesia na literatura
Primeira Parte
Tributo ao torrão natal
-Temas do meu Sertão
1 - Espinosa
2 - Lençóis do Rio Verde
3 - O vôo das garças
4 - Os Deuses do Olimpo
5 - O milagre do Sertão
6- Eldorado
7 - Solidão
8 - As Lopes na Praça
9 - Mexericos e Fofocas
10 - O otimismo do Vavá
11 - A fonte de Da.Bela
12 - Aos imbuzeiros
13 - O casadinho
14 - Mirante
15 - Desdemôna de Lençóis
16 - Holocausto à beleza
17 - Gloriosa Amélia
18 - Tiaguinho
19 - Zé Galo
20 - As Lopes
21 - A indomável
22 - Coisa Linda
23 - O número divino
24 - Os vigilantes da Jurema
25 - Os bravos Cangussus
26 - No tempo do pequi
27 - A libido e o pequi
28 - Imbu x Pequi
29 - Espinosa noventona
30 - Receita para fazer chover
31 - Nostalgia e esperança
32 - E as
chuvas chegaram
33 - Os raçadores do Mingu
34 - Ícones sertanejos
35 - A Estiva
Segunda parte-
Outros temas
36 - A Sucessão dos dias
37 - Renascer
38 - O elixir da eterna juventude
39 - Escravo fagueiro
40 - O sonho
frustrado
41 - Amélia revisitada
42 - De Daj, a contradita
43 - Amélia relaxada
44 - Sete palmos
45 - A voz do coração
46 - O rouxinol
47 - As luzes e as cores do mundo
48 - A alvorada dos oitenta
49 - Eternal
juventude
50 - Promessa é dívida
51 - Evoé!
52 - O arauto alvissareiro
53. Esbulho e
genocídio
54 - O Pélago
55 - Versos à Conceição
56 - Letícia Ano 2010
57 - Um quase adeus
58 - Serenamente
59 - Até ao fim
60 - E a vida continua
61 - Lembranças caras
62 - Jesus de Nazaré
63 - A Árvore Símbolo
64 - Belo Horizonte
65 - A Beleza
66 - Eclesiastes
67 - O homem e seus vícios
68 - Tudo passa
69 - Cronos
70 - Minha eterna namorada
71 - Néctar dos deuses
72 - O regalo da vida
73 - Expulsão do paraíso
74 - A saga do
pecado original
75 - Himeneu das virgens
76 - A mulher sem alma
77 - A laranja e o laranja
78 - Ode ao caloteiro
79 - O ciclo da vida
80 - Noventão
81 - Símbolo da sabedoria
82 - Filosofando
83 – Giovane Afrodite
84 - Aquilo roxo
85 - Casar ou não casar
86 - Depois de velho, ermitão
87 - O cordelista
88 - A linguagem do cordel
89 - Mateus, primeiro os meus...
90 - Nefanda trilogia
91 - O orgasmo do corrupto
92 - Instante de Belo Horizonte
93 - Caducando
94 - Dies irae
95 -Amar a terra
96 - Nunca desista
97 - Morrendo completamente
98 - Tanatos
99 - Planeta Terra
100- O outono da vida
101- A doce companheira
102- Amar o belo e o bom
103- Para a filha da mãe
104- Tentação incoercível
105- O cordelista retado
106- Abotoando o paletó
107- Baú de ossos
108- Viagem sem volta
108- Trovas
109- O estigma cruel
110- A mulher bem feita
111- A mulher de barriga
112- Don Juan
gabolas
113- Um guizo no pescoço do gato
114- Quanto vale uma saudade
115- Modernistas
116- A mulher bonita e o outro
117- A cama na comédia humana
118- Para finalizar esta parte
119- Primeiro poema (O São Francisco)
120- Segundo poema (A Mosca Azul)
121- Terceiro poema (O julgamento de Frineia)
122- Apêndice
123- A Vaca Eleitoral
124- A Flor do Pântano
125- O Anel de Madame
126- O Casamento de Manoel Sinhô
127- O
Reencontro com Zenith
128- O
Guarda-chuva
Prefácio
“Celebrando a vida – Poemas Outonais e Contos” é o
título que Daniel Antunes Júnior atribui à obra que agora lança.
Dizia Gustavo Barroso que a mocidade dos poetas está
nos versos que fazem. É realmente impressionante tal assertiva, pois, quem ler
os poemas inseridos neste livro, sem conhecer o autor, jamais pensaria
tratar-se de um vigoroso jovem de 90 anos. Banqueiro, fazendeiro, historiador,
cultor das letras, Daniel esparge alegria e jovialidade de espírito por onde
passa. A inteligência de Daniel, o raciocínio rápido e brilhante, a consolidada
cultura histórica e literária, fazem dele um “primus inter pares” em nosso meio.
Agora,
Daniel traz a lume o livro citado. Logo no início, faz homenagens especiais
a Anacreonte, “poeta lírico
grego, que celebrou, em versos ligeiros e graciosos, o amor, o vinho e os prazeres da mesa”, e a
Lord Byron, “poeta inglês, herói romântico, donjuanesco, satírico e espirituoso.”
Os
textos de Daniel deslumbram o leitor. Por exemplo, ao fazer considerações
sobre a poesia na literatura, observa
que “os poetas têm o dom de sentir e
identificar o que há de romântico no mundo que nos rodeia e do qual
fazemos parte, isto é, tudo quanto há de
elevado ou comovente nas pessoas ou
coisas, ” Na realidade, os poetas têm, como disse Cesário Verde, o dom de ver em
palimpsesto – onde está, o que não está
– ou seja, os poetas vêem além e melhor
do que os outros.
O
autor realça o soneto que, segundo ele,
“sintetiza e expressa,
na sua forma e transparência, a
mais pura essência do sentimento lírico e, através
da musicalidade das palavras, nos
enleva pela beleza sonora do verso”.
No
tocante aos trabalhos de Daniel, há muito o que ser destacado, tal como o “Tributo ao Torrão Natal”
e o “Otimismo do Vavá”, o ultimo uma
lição de vida nos dois tercetos do soneto:
“Feliz quem se contenta com o que é seu,
Valorizando sempre, e de boa mente,
O
que conquistou, ou que a sorte lhe deu.
Pois a felicidade nunca bate à porta
Do eterno e amargurado descontente,
Para quem nem o céu satisfaz ou
conforta...”
Interessantíssimo
é o soneto “No tempo do pequi” e suas propriedades afrodisíacas.
A
esposa e musa Conceição é homenageada em
diversos sonetos, dos quais destaco os excertos abaixo:
“De bem com a vida, nas carícias do
ninho,
A seu lado do pomo do amor desfrutei,
Com total lealdade, dedicação e
carinho.”
E
“Na intimidade de um amor fecundo,
Com alegria de alma e coração,
Juntos, para o prazer imenso, profundo,
Celebramos vida com glória e emoção.”
Celebra Daniel, também, a sua idade, com a alegria e o entusiasmo que lhe são
peculiares:
“NOVENTÃO
Como cheguei até aqui, lépido e
fagueiro,
Com todas as funções vitais a contento,
A desfrutar do dom da vida, prazenteiro,
Eu mesmo não saberei dizer, se tento...
Decerto não ficarei para semente,
Neste mundo maravilhoso e renovável:
Um dia partirei, como todo ser vivente,
Com antecipadas saudades dessa vida amorável.
Será com pesar que direi adeus a dedicados
|Amigos
que aqui deixarei para sempre.
Todos
eles inexcedíveis nos seus cuidados.
Sinto que deixarei a todos eles tão
somente,
Com as escusas por minhas falhas e
pecados,
A gratidão imensa de quem não ficar para
semente...”
Incursiona Daniel, ainda, pela difícil arte do cordel,
pouco difundido em Minas Gerais, elogiando o povo brasileiro, porque
“E mesmo
sendo a vida Severina
Canta com
humor a sua sina...”
Daniel homenageia, transcrevendo textos, o
Desembargador Antônio Pedro Braga
(poema sobre o Rio São Francisco), Machado
de Assis (“ A mosca azul”) e Olavo Bilac (”O julgamento de Frinéia”), tecendo
comentários a respeito dos mesmos, com
a erudição de sempre.
Vários outros temas são abordados, mas não posso, em
um prefácio, extravasar limites,
deixando aos leitores a fruição plena dessa obra admirável.
O livro de Daniel não é uma obra comum: é uma lição de história, uma lição de literatura, uma lição de amor, uma lição de vida!
Luiz Carlos
Abrita
Celebrando a
vida, ainda legal
Assim como o astro rei que já não brilha tanto nas
tardes crepusculares do solstício, mas ainda não se apagou, o autor, ao cabo de intensas atividades e já na
messe outonal, mesmo arrefecido no seu vigor, não terá ensarilhado de vez as suas
armas e ainda atua para fazer jus
às dádivas dos deuses!
A vida é bela e digna de ser vivida, em qualquer
de suas
etapas. Mas é uma só. Viveu bem quem
soube desfrutá-la com alegria e dignidade.
O outono é o tempo das
colheitas. É preciso plantar, para colher. Quem lançou na terra a boa
semente, terá o prêmio do seu labor.
As chances na
vida são preciosas, e agradável é o sabor da vitória. Finda a missão neste
mundo fascinante de lutas e encantamentos, cada
qual terá realizado o seu papel, sem voltar à cena. Não haverá retorno
para mais uma jornada. Assim, todos têm a
messe do seu esforço. Sem novas oportunidades, quem não aproveitou
melhor o seu tempo, deve comprazer-se
com o que foi capaz de realizar.
Sofre quem chora o leite derramado ou tenta
resgatar algo que não soube construir, pondo-se a navegar em busca do tempo
perdido. Sábio é quem se
contenta com o suficiente,
aceitando suas limitações.
O autor sente-se satisfeito de ser homem e de seu
desempenho na vida que levou, comedida
mas gratificante. Por tudo isso, dá
graças a Deus.
Daj
(Página)
Dedicatória
Dedico estes
poemas à Conceição - a musa da minha vida - a companheira inseparável que me
tolerou por tanto tempo, proporcionou-me a felicidade e me deu filhos
valorosos - Dante, Silvana, Daniel, Sergio e Sandra Maria.
(Página)
De vassalo
a suzeranos
Homenagem de grande estima e acatamento ao Dr. Jorge Lasmar e Da.Sara,
sempre atenciosos.
Homenagem póstuma de gratidão e respeito aos bons e
saudosos amigos,
Dr. Edir Carvalho Tenório
Prof. Hamilton
Leite
Des. Hélio Costa
Prof. José Marques Correia Neves
Dr. Miguel Augusto
Gonçalves de Souza
Profª. Nivia
Nohmi
Dep..Pedro Maciel Vidigal
Dr. Serafim Ângelo da Silva Pereira
Dr. Wilson Veado,
dos quais o autor recebeu incentivos e generosas demonstrações de apreço.
(Página)
Homenagem especial
a
Anacreonte,
poeta
lírico grego, que celebrou em
versos
ligeiros e graciosos, o amor,
o
vinho e os prazeres da mesa.
E
a Lord Byron,
poeta
inglês, herói romântico,
donjuanesco,
satírico e espirituoso.
(Página)
Agradecimento
O autor agradece aos
amigos e parentes que sempre o respeitaram e o incentivaram em todos os atos
de sua vida, inclusive na edição deste livro.
(Páginas)
Preâmbulo
Contam que
certa feita, em Bolonha, na Itália, um
pintor de paredes extasiou-se diante da “Santa Cecília”, uma tela de Rafael,
vindo a exclamar perante as pessoas presentes: Anch´io sono pittore... (Eu
também sou pintor).
O autor, que se empolgou com os poemas de tantos autores consagrados, ao aventurar-se como versejador, teve a ousadia
de compor estes sonetos, mas não se
considera senão um mero cronista. E aqui
entre nós, até teme a alcunha reservada aos que, sem a centelha genuína da inspiração poética, e indigentes de
auto-crítica, se mostram deslumbrados com as próprias e pobres composições literárias. São aqueles que, flanando por aí, vivem com o seu filosofismo, e dos quais se diz ironicamente:
é
um poeta...
Todavia, sempre tive o maior apreço
pelos cultores da poesia, como Machado de Assis, ou Drummond, ou Bilac,
ou Castro Alves, (para só citar alguns dos nossos), e cujo engenho
poético, de se tirar o chapéu, nos
conduz a nobres emoções.
Entendo que a poesia, (do latim poesis) como arte de
realçar o que a vida tem de mais significativo e belo, é o substrato da vida e do doce encanto de viver.
É o dom que se reserva, às pessoas de sensibilidade e de bem com a vida, notadamente através da literatura,
de captar, o quanto há de harmonioso, emocionante e arrebatador na alma humana
e neste mundo maravilhoso em que vivemos, transmitindo toda essa beleza a seus
semelhantes, para deleite do espírito.
Considerações
sobre a poesia na literatura
Versos, métrica e rima
Os poetas têm o dom de sentir e identificar o que há
de romântico no mundo que nos rodeia e
do qual fazemos parte, isto é, tudo
quanto há de elevado ou comovente nas pessoas ou coisas. E a poesia pode ser
definida como algo que desperta a sensibilidade da alma humana. Como arte, é o encanto da vida, a inspiração que a festeja,
a graça que a envolve, e o atrativo que a enobrece. É a emoção diante do belo, dos
sonhos e da sublimação dos desejos; em
face do lírico, do épico e do heróico,
das alegrias e das tristezas.
Manifesta-se a poesia tanto no sorriso de uma criança,
no canto dos passarinhos, no desabrochar das flores no campo, no clarão sereno do luar, na brisa refrescante
em noites cálidas, assim como nos
desafios da vida, notadamente no amor
e na ternura, e tudo mais que faz da nossa
existência uma experiência digna de ser vivida.
Diversas são as modalidades dos poemas, destacando-se
o soneto, termo derivado do francês sonnet
- cançoneta - diminutivo de son, (som)
tendo este o significado de ária de música - daí o caráter sonoro, musical, que
se pretende para a sua composição.
Jóia preciosa que nos vem da fase áurea da Renascença,
o soneto celebrizou Petrarca - o verdadeiro fundador do lirismo moderno.
O soneto
sintetiza e expressa, na sua forma e transparência, a mais pura essência
do sentimento lírico e, através da musicalidade das palavras, nos enleva pela beleza sonora do verso.
Célebres foram os trezentos e dezessete sonetos que Petrarca
- o grande vate - compôs em honra da bela
Laura de Noves, a aristocrática provençal à qual dedicou, durante toda a sua
vida, intenso amor platônico, vindo tais sonetos, pela pureza e encanto de sua forma, a contribuir na
formação e ornamentação do idioma italiano.
Como se sabe, rima é a repetição do mesmo som, ou
fonema, no fim de dois ou mais versos. E não há dúvida que os versos rimados,
em perfeita harmonia com o sentido da composição, é o que distingue a poesia da prosa.
Todavia, na poesia moderna a rima, que antes se ligava
intimamente aos versos, dando-lhe vida e beleza, deixou de ser obrigatória,
para ser facultativa. Como se vê nos léxicos, o verbo rimar tem o sentido de
compor versos, mas estes hoje não mais são necessariamente rimados.
Verso é a subdivisão, ou cada uma das linhas de um
poema, as quais se ligam harmoniosamente. Especialmente no soneto,
classificam-se como octossílabos – 8 sílabas;
decassílabos – l0 sílabas, e
alexandrinos – 12 sílabas.
Assim, os versos obedecem a padrões da métrica e
da rima, ou prescindem deles, como versos
soltos, brancos ou livres.
Os versos livres caracterizam-se por possuir certa harmonia,
ou efeitos sonoros, suaves, sem rimas ou com rimas ocasionais (como no caso de
Carlos Drummond de Andrade), além de apresentar unidade de sentido. Não
obedecem a nenhum outro critério senão às pausas espontâneas e cadenciadas.
A grande novidade é que na poesia moderna os versos
livres, tal como na decantada bossa nova - que é composição musical mais falada que cantada
- ganharam status e hoje andam de salto
alto, com apelos ou exageros evidentes. Muitos deles são vagos, ou só
entendidos pelo próprio autor. Mas, é inegável, - tal como ocorre na música
bossal - que na poesia moderna há também composições que se destacam pela
sensibilidade e bom gosto. Haja inspiração, harmonia e refinamento que equivalham
à sonoridade rimada!
Métrica é o conjunto das regras que presidem à
medida, ao ritmo e à organização do verso.
Os versos métricos, ou versos medidos, são uniformes
na sua extensão. Compõem-se de palavras ou fonemas em número similar ao de
outro verso do poema.
Na metrificação, pode ocorrer, ao final, a fusão ou
aglutinação dos sons de sílabas átonas com as dominantes, resultando uma
unidade, ou fonema tônico, no ritmo do verso (acento de intensidade), do qual
não se descartam a harmonia e a musicalidade.
Entretanto, em termos de prosódia, verifica-se que a extensão dos fonemas não se mede com
precisão matemática.
Isto ocorre
porque o fonema velar, cujo ponto de articulação está no véu palatino (o céu da
boca) pode ter entonação com efeitos peculiares a cada pessoa. Em outras
palavras, a impostação da voz e o timbre
variam de indivíduo a indivíduo. Em muitos casos, podemos distinguir,
nitidamente, a voz de determinada pessoa. Para os expertos do bel canto, não se confundirá um
Pavarotti com nenhum outro tenor, ainda que o mesmo tenha tamanha pureza e virtuosidade. Famosos e
inimitáveis foram os soluços de
Beniamino Gigli, e os maviosos sustenidos
de Maria Callas.
Pé é parte do verso. E rima é a última sílaba forte, ou
tônica, que combina com o final de outro verso, de par em par, ou intercalados.
Verso de pé quebrado não se confunde com verso livre;
é aquele que não reúne as qualidades mínimas
da concepção literária, tanto no
sentido, como na forma.
Soneto - a essência maior da poesia - é definido,
entre nós, como composição de 14 versos divididos em dois quartetos e dois
tercetos, com rima e metro variáveis. Petrarca o elevou à perfeição, no modelo
italiano, chamado petrarquiano.
Dante, Camões, Shakespeare, Fernando Pessoa, Jorge de Lima e tantos outros
autores de renome deram ao soneto grande prestígio. O soneto inglês é formado
por três quartetos e um dístico, isto é, dois versos.
E estrambote, ou estramboto, é verso ou versos
adicionais aos 14 do soneto.
Nas composições poéticas escritas, para indicar ao leitor o ritmo e pausas na recitação dos
versos, é correto, em termos ortográficos,
observar o mesmo critério de pontuação que
prevalece na prosa.
Assim, como
acontece no verso inicial, todos os subseqüentes começariam com letra maiúscula,
desde que seguindo-se a outros
terminados com ponto final, de exclamação, interrogação e reticências; e com
letra minúscula, nos demais casos. Drummond observa este modelo, com graça,
simplicidade e elegância.
Entretanto, essa regra gramatical nem sempre tem sido observada, até mesmo
por autores de nomeada.
Desta forma e facultativamente, costuma-se destacar, todos os versos, começando-os com letra maiúscula, qualquer que seja a
pontuação final do verso anterior; e ainda que completando o sentido dele, isto é, quando
constituem orações subordinadas do verso precedente.
Não foi encontrada nenhuma indicação fundamentada dessa
prática em voga. Indagamos de um poeta consagrado
a razão dela, mas ele nada esclareceu. Certamente tal
liberalidade é uma concessão especial à poesia, para se obter um visual
elegante na forma gráfica da composição poética...
Nos poemas, além dos
vilancetes (mote e glosa) há recursos criativos, floreios, como o jogo de
palavras, com ou sem rima, que muitas vezes dão ao texto um certo encanto. Vejamos este
exemplo numa equação poética de Shakespeare:
Se tiver que
ser agora, não está para vir.
Se tiver de
vir, não será agora.
E se não for
agora, mesmo assim virá...
E este outro,
da Mosca Azul, de Machado de Assis:
E zumbia, e voava,e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua -
melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão Mogol...
Na verdade, além de expressar o embevecimento pelas
coisas belas da vida, a poesia se presta a muitos outros casos. Por exemplo, em
quadrinhas bem arrumadas, tem sido usada em propaganda comercial e em avisos
irônicos, como este (do bataclã do José Fiel) fornecido pelo Florival Rocha:
Caldo de
galinha não é canja
Prosa não é
valentia
Com dinheiro
tudo se arranja
Nesta casa
não se fia...
Ou ainda para porfias satíricas, como esta atribuída a
Tobias Barreto e Castro Alves, (trazidas pelo catingueiro Tiãozito Cardoso):
TB - provocando:
São Salvador,
Bahia
Bahia de
Todos-os-Santos;
Lixo por
todos os lados,
Merda por
todos os cantos...
CA - retrucando:
Cidade do
Recife,
Veneza
pernambucana;
Em cada
janela uma puta,
Em cada
esquina um sacana...
É evidente que na poesia não basta fazer a composição
sob medida, em termos de métrica, e notadamente de rima. Esta, na sua essência,
pode ser forçada, insossa, sem graça. É preciso que o poema tenha “alma”;
que lembre a fragrância de uma flor, a
suavidade das águas puras, cristalinas e
cantantes; que se inspire numa imagem
ou numa mensagem que enleva ou arrebata;
enfim, que tenha harmonia, um toque benfazejo ou uma centelha fulgurante,
capazes de provocar a emoção e a sensibilidade do leitor, assim como uma doce,
festiva ou nostálgica melodia que encanta o ouvinte. Com tais atributos, a composição poética de valor - aquela que
transmite a outrem as emoções mais puras
de tudo de belo que encontramos na vida
e no mundo que nos rodeia - colorido, sonoro e cantante -, não está ao alcance de qualquer versejador.
Ainda
assim o autor compôs estes pobres
sonetos, para enfrentar os desafios feitos a si mesmo, apesar
do aforismo segundo o qual quem não
tem o dom do engenho poético tem
que se consolar com a prosa...
Daj
Primeira parte
TRIBUTO AO TORRÃO NATAL
(Temas do meu Sertão)
Espinosa
A Expedição Francisco Bruzza
Espinosa
Com as bênçãos do Pe.
Aspilcueta Navarro
Em caminhada longa e
espinhosa
Foi a primeira a explorar
nosso sertão bravo
Essa grande aventura ganhou
mundo!
Na velha Europa todos queriam saber,
Miudamente, com detalhes até
ao fundo,
Qual vantagem aqui poderiam
ter.
Entretanto, sem encontrar a
esmeralda,
O ouro e os diamantes tão
cobiçados,
Para a rapinagem grossa e tão sonhada
A
Expedição aqui não ficou, nem voltou
E somente trezentos anos
passados,
O lendário Lençóis do Rio
Verde brotou...
Lençóis do Rio Verde
No seu garboso e esbelto
perfil,
Impecavelmente de branco
vestidas,
Sob céu límpido e de puro
anil,
Leves, tão graciosas e garridas,
As garças em espessa revoada,
Vindo sobre as várzeas
pousar,
Ostentando sua alvura
imaculada
Como extensos lençóis a
corar,
Davam às tardes doce
melancolia
E nas esplêndidas manhãs de
sol
Saudavam álacres o novo dia.
Então Lençóis do Rio Verde
surgiu
Trazendo do berço o nome de
escol,
Que a vil modernidade traiu..
Nota - O nome de Lençóis do Rio Verde
foi troçado para Espinosa por imposição
dos novidadeiros do antigo Departamento
de Estatística do Estado.
O Vôo das Garças
No vale do Rio Verde Pequeno outrora
Garças brancas, brancas como
a neve,
Desde as primeiras luzes da
aurora,
Com seu belo perfil, gracioso
e leve,
Pousadas nas várzeas, em
profusão,
Tais como alvos lençóis a corar,
Deram a Lençóis do Rio Vede,
então,
O nome original, poético, sem
par.
Todavia, esse nome tão
excelente,
Por atroz ironia do destino
incerto
Veio a ser trocado
impunemente...
E as garças se afastaram por
opção.
Mas todos os anos retornam em
vôo direto,
Talvez na esperança de tardia
reparação...
Os deuses do Olimpo
Cedo ainda, bem cedo, na
Serra do Pau d´Arco,
Os deuses do Olimpo despertam
para o novo dia.
E navegando em seu carro,
qual formoso barco,
Partindo daquela azulada e
gigantesca penedia,
Surge Apolo, astro-rei
de luminosidade intensa ,
A espargir sobre os vales e
montes alcantilados,
Seus raios dourados a irisar
a névoa densa.
E nessa sucessão dos fatos,
sempre renovados,
Da vida palpitante e
bela, em todos os dias,
Os deuses tutelares, a tudo regem, protetores,
Propiciando aos eleitos, a
paz e as alegrias.
Possam suas benesses e
seus favores
Contemplar a todos que empenham as energias,
Para coroar suas lutas, sonhos e amores!
O milagre do meu sertão
Quando, em meu sertão, de
dentro da terra
Sobe o ar abafado, quente, trepidante,
E já no verão, pelas
quebradas da serra,
Ribomba nostálgico o trovão distante,
Nuvens carregadas cobrem o
céu profundo
E com a ansiada virada do
tempo,
Banham o solo adusto, mas
fecundo,
Trazendo à paisagem festejado
alento.
É o milagre perene, sempiterno,
Que transforma da noite para
o dia
Toda natureza do meu sertão
fraterno.
Nessa fonte de vida, com
euforia
O grande espetáculo, franco e
terno
Transborda os corações de paz
e alegria...
Eldorado
Da Jurema, sob céu límpido e sol radiante,
Vê-se, na Serra do Pau
d´Arco, azulada penedia,
Com o nítido perfil de gigantesco elefante,
Qual soberbo, benfazejo e
singular vigia.
Ali está a olímpica morada
dos deuses,
Que regem o destino das criaturas.
E de tudo decidem – suas glórias e reveses,
Suas lutas, sonhos, desditas
e venturas.
Mas o cadinho da Jurema foi
privilegiado
Pelos deuses tutelares,
que nas alturas,
Fizeram deste recanto bendito Eldorado,
Onde a vida é bela e plena de alegria.
No alvorecer o galo canta,
muge o gado.
E os pássaros em festa
saúdam o
novo dia!...
Obs - Para o autor, na
Jurema, nada havia de mais belo e confortante do que ver, nos galhos
farfalhantes das árvores e cintilantes
aos raios do sol da manhã, as gotas d´agua que restavam da chuvinha fina
e mansa da madrugada, quando se podia dormir
ao embalo de um leve e doce murmúrio.
Solidão
A solidão nem sempre é o
desterro
O ostracismo nefasto e
medonho,
Mais penoso do que o enterro
De um belo e acalentado
sonho.
É também pausa para meditação
Que liberta as almas cativas,
No jogo da vida, de toda
paixão,
Para novo alento e novas perspectivas.
Quando às vezes tudo parece negativo,
Com o mundo a desabar, na paz interior
Da solidão vamos buscar o
doce lenitivo
Para todas as mágoas e toda dor.
E encontramos a visão do porto festivo
Na rota segura e feliz do
sonhador.
Na
solidão da Jurema,
no domingo que
passou,
este pobre poema
foi tudo que me restou...
As Lopes na praça
De tanto aparecerem à noite
na praça,
A desfrutar das aragens o
frescor,
As Lopes, com os ares de
sua graça,
Passaram desde logo a compor
A paisagem humana em tal
recanto.
Ali, temperando humor com
fina ironia,
Se
divertem, acrescentando um ponto
Às fofocas picantes de cada
dia.
Mas como elas não escapam
Às farpas dos eméritos
futriqueiros,
De suas trincheiras contra-atacam
Os marmanjos boquirrotos e
bobocas
Fazendo virar o feitiço
contra os feiticeiros,
Que só parolam besteiras e
potocas...
Mexericos e Fofocas
Na praça, frente ao bar,
sobre a calçada,
Rematando mais um dia,
a espairecer,
Pontificam os fofoqueiros da
pesada,
Desde as
últimas luzes do entardecer.
Curtindo a cervejinha bem gelada,
Os eméritos abelhudos,
com humor,
De tudo falam em tais
rodadas ,
Notadamente
sobre as coisas do amor.
Que se cuidem as bonecas
audazes,
Sobretudo aquelas de
mais portentos,
Pois nada escapa às farpas
mordazes
Dos
marmanjos, sedentos de novidades,
Ávidos por
propalá-las aos quatro ventos
Sejam apenas potocas, senão doces
verdades...
Otimismo do Vavá
- Que belo é o meu trono! –
terá gabado,
A sábia coruja, dona do mísero toco
Que para pouso dela foi reservado,
Embora rústico, sem
vida, sem broto...
O dito lembra o Vavá das Lopes,
Com o seu otimismo assaz profundo,
Pois além das filhas de bons
dotes,
Tudo que possui é o melhor do
mundo!
Feliz quem se contenta com o
que é seu,
Valorizando sempre, e de boa mente,
O que conquistou, ou que a sorte lhe deu..
Pois a felicidade nunca bate
à porta
Do eterno e amargurado descontente,
Para quem nem o céu satisfaz
ou conforta ..
A fonte de Dona Bela
Outrora, naquela passagem do
rio,
Havia a famosa fonte de Dona
Bela.
E nas ribas, para além do
casario,
Erguia-se uma casa pequenina,
singela,
Onde morava a quitandeira da
fonte,
Que veio a ficar com o nome
dela.
Límpida e pura era
a água cantante
Que manava
na fonte de Dona Bela....
Melhor ainda eram as
brevidades,
Tão gostosas, da confeiteira
singular
Que aos aguadeiros deixaram saudades!....
Pois em noites estreladas ou de luar,
À garotada ávida, de todas as idades,
Ela prodigalizava o delicioso
manjar...
Aos imbuzeiros
Em Lençóis, para as
caminhadas de lazer
Pelos campos verdejantes em
pleno verão,
Ar puro, céu límpido desde o
alvorecer,
Os grupos se formavam por
tradição
E através de trilhas e
veredas conhecidas,
Rumo aos velhos imbuzeiros
camaradas,
Lá ia o bando alegre de
pessoas amigas,
Adultos, e jovens com suas
namoradas.
Nem os frutos agridoces - oh!
que delícia!
Pendentes dos galhos e ao
alcance da mão,
Eram tão doces, como a doce
carícia
Dos beijos furtivos e amassos - tentação!
Assinalados a canivete e com tal
perícia
No tronco dessas árvores nativas do sertão...
Obs. Os namorados deixavam o nome, ao lado
de um coração trespassado
pela seta de Cupido,
cravados no tronco do imbuzeiro , como
lembrança de seu idílio.
O Casadinho
O casadinho feito de tijolo e
requeijão,
À venda na banca do Geraldo
Serra-pau,
É cortado com caprichosa manipulação
Aos sábados, lá no Mercado Municipal.
Esse sal e sobremesa do nosso Sertão,
Produto da terra,
charmoso e comidinho,
É como a mulata, que vem de
pés no chão,
Atiçar o fogo do amor
bem chegadinho.
Na verdade, tal guloseima roceira,
Tão apreciada dos homens, é outra tentação
Que nunca falta aos sábados,
na feira.
Dizem até que por
insuspeitada razão
É infalível afrodisia,
vigorosa e brejeira:
Dá sustança, lava a alma...
e dá tesão...
Mirante
(Um cão como poucos
)
Forte, resoluto, altivo e até
galante,
Meu caro amigo e companheiro,
Na Jurema, sempre atento,
vigilante,
A qualquer sinal tu vês
primeiro
Quem está chegando, de boa ou
má paz..
Fiel a teus princípios de bom
guardião,
Impávido, de tudo serás
capaz,
Até mesmo de sacrificar-te
pelo patrão.
Cabe-me, pois, demonstrar-te Mirante,
Toda a minha simpatia por tua
fidelidade
Canina, segura,
incondicional, edificante,
Mantendo a melhor convivência
contigo.
Pois entre amigos encontrei
cachorros
E entre cachorros
encontrei-te, amigo!..
Desdêmona de
Lençóis
Uma jovem tão tímida,
de espírito tão sossegado e calmo,
que corava dos próprios anseios.
Shakespeare.
Naquele fatídico quinze de
julho
Do ano de mil novecentos e quatro,
Dando asas a seu imenso
orgulho
E dominado por ciúme
insensato,
O infeliz e sacrílego
consorte,
Em noite nefasta e já distante,
Desceu, em delírio, o braço forte
E abateu sua vítima num
instante.
Era a bela e indefesa Amélia,
coitada!
Golpeada de morte tão
rudemente,
E abandonada agonizante na
estrada,
Seu martírio inenarrável,
comovente,
Cingiu-lhe a fronte de luz
aureolada
E consagrou este local para
sempre!
Para a cruz de Amélia
à beira da estrada.
Holocausto à beleza
A gentil Amélia, cativante e
bela,
Vivendo de angústias e
receios,
Alma cândida que a candura vela,
Corava dos próprios anseios.
Musa nascida para os doces
carinhos,
Na sagrada comunhão do leito,
Como os pássaros nos seus
ninhos,
Só anelava o amor puro,
perfeito.
Sacrificada tão jovem, e sem alento,
Lençóis do Rio Verde, em
comoção,
Para assinalar tamanho
sofrimento,
No solo em que tombara indefesa,
Ergueu, com devotada e justa unção,
A cruz do holocausto à
beleza!.
Gloriosa Amélia.
Amélia, tal suave e gentil camponesa,
Tão formosa como a pastora
Raquel,
Com seus cabelos bastos, que
beleza!
Olhos vivos, sonhadores,
lábios de mel,
Nem Rebeca,
ao saciar Isaac na fonte,
Teria sido mais encantadora
do que ela
De porte airoso e vivaz semblante,
E todos atrativos de uma
jovem donzela...
Envolvida na trama de seus
pretendentes
E ceifada duramente por ser tão bela,
Ainda que possam alegar
antecedentes,
Da sua imensa tragédia - a
sua cruz!
Amélia sucumbiu como o apagar
de uma vela,
Para ressurgir com a gloria,
plena de luz!
Notícia histórica
Amélia Freire
Alkimim, uma jovem de 21 anos de idade, foi abatida, por ciúme, por seu marido Evaristo Antunes de Souza, na
noite estrelada e fria de 15.07.1904, no
local assinalado por duas pequenas cruzes,conservadas ainda hoje, mais de um
século depois da tragédia.
Ao fundo foi construída uma capela, às
expensas de um seu devoto, que mora em São Paulo, e foi beneficiado de uma
graça, alcançada por sua intercessão.
Foi ali que
Amélia sofreu ate à morte, sem que pudesse contar com qualquer auxílio, nada
podendo fazer senão apelar para um poder mais alto que a amparasse naquele
momento de desespero.
Qualquer que
tenha sido em vida a conduta de Amélia,
ninguém pode negar, em sã consciência,
que a morte trágica lhe colocou sobre a fronte uma auréola de luz
Ninguém pode
duvidar que continuamente e cada vez
mais, anos a fora, legiões de almas
aflitas e sofredoras buscam e alcançam, na invocação de Amélia, um lenitivo
para as suas dores e um consolo para suas mágoas
Na verdade,
seria estranho que isto pudesse acontecer, sem que algo transcendente tivesse
marcado aquele episódio sangrento, ocorrido há mais de um século.
Na memória
gloriosa de seu sacrifício - a própria imagem do sofrimento que redime e
santifica - vê-se que a sensibilidade popular, indiferente aos antecedentes da
grande tragédia, instituiu e consagrou a devoção de Amélia ,na inspirada crença
de que, naquele martírio inenarrável, sua alma foi resgatada pura como o lírio dos pântanos e resplandecente como o
sol que brilha no céu límpido, após a noite tenebrosa das tempestades e dos
vendavais.Daj
Tiaguinho
Tiaguinho, essa pequenina
criatura ,
Ainda frágil, mas vivaz e contente,
Com seu sorriso pleno de
candura,
Enleva e nos transmite
docemente,
Como um anjo todo vestido de branco,
A mensagem de fé; de paz e venturas,
Para a harmonia e todo o
encanto
Das almas cândidas, generosas e puras.
Bendita a imagem dessa inocência
Que inspira ao mundo
atribulado e vário,
A compreensão e a saudável
convivência,
Sem os desencontros da
porfiada lida
Que levam os homens ao seu calvário,
Turbando os venturosos dons
da vida!....
Zé Galo
Zé Galo, maioral do Barro Vermelho,
Filho dileto de seu Zé de
Agostinho
É bom amigo e melhor companheiro,
Operoso e gentil em seu cantinho.
Ali mantém
bois e vacas a pastar.
E para uma rodada bem gostosa,
Tem sempre uma
cervejinha a gelar,
Constando não haver em toda
Espinosa
Vivalma que
melhor saiba receber,
Tornando as horas livres e, com efeito,
Mais doce o inadiável encanto de viver.
Salve, pois, o falante amigo
do peito
Que sempre fagueiro, e
festivo a valer,
Tempera a vida e agrada a seu
jeito!..
As Lopes
Tateando devagarinho, sutil e
mansamente,
E lucilando, mesmo com pouca
intensidade,
Vamos desvendar desde logo e
claramente,
O enigma das Lopes – guerreira irmandade.
A Teresinha, tão elegante e
aristocrata,
Não é pequena como o nome
indica.
E Tatiane, que não é prenome,
retrata
A suavidade e, sendo
indomável, não o acredita.
Por sua vez Nora Ney não é a
cantora,
E Maria das Graças não tem
apenas uma graça,
Enquanto Rita de Cássia é
mandona e inovadora.
Cristie, a estrangeira, está
em outra praça
E finalmente a Coisa Linda,
sempre doutora,
Completa e time do Vavá,
apurando a raça...
A Indomável
“O homem foi feito para a
guerra
E a mulher para o prazer do guerreiro”;
Este velho e singular adágio
encerra
Conceito sutil mas pouco
lisonjeiro
Para as adoráveis filhas de
Eva.
Mesmo assim, com tamanha irrisão
Desde era remota, mui
primeva,
Tornou-se o dogma... do
machão.
Como então tomar essa Lopes
destemida,
Indomável e airosa, desejável e dominante
Para as carícias amoráveis da
vida?
Se algum guerreiro vier a
conquistá-la
Terá que submeter-se ao seu
talante,
Ainda que obstinado, capaz de
domá-la!...
Coisa Linda
Quando Deus inventou Adão
E o fez de um barro qualquer,
Para poupá-lo de imensa
solidão,
De sua costela formou a
mulher.
Salve! Eis que os dois
habitaram
O edênico paraíso de delícias.
Mas dali foram expulsos pois
pecaram
No doce embalo das carícias...
Que dizer agora da Lopes Coisa Linda,
Nascida mulher com a graça da
flor?
Para uma jornada sempiterna,
infinda,
Feliz o Adão que tendo-a por
companheira
Possa merecer toda a glória do seu amor,
Fazendo-a ditosa durante a vida
inteira!..
O Número Divino
Este mundo, que em sete dias
Deus criou,
Para festejá-lo, sete são as
notas musicais.
A semana com apenas sete dias ficou
E ao todo sete são os pecados
capitais.
As maravilhas do mundo antigo
são sete,
As colinas de Roma - Cidade
Eterna - são sete,
Os braços do candelabro
hebraico são sete
E as cores do arco-íris
também são sete.
O sétimo céu é o auge, o
máximo do bem-estar.
Sete foram as dores da Virgem
Maria
E pintar o sete é exceder-se,
deitar e rolar.
No jogo, sete de ouros é o
sete belo – Olá!
Mulher tem fôlego de sete
gatos, quem diria?
E sete são as bravas filhas
do Vavá!...
Os vigilantes da Jurema
Sete são os meus cães na Jurema
Mas apenas dois são os
titulares:
Um casal, macho e fêmea,
De faro e esperteza
exemplares.
Biriba, cadela de pelagem
preta,
Cuida da defesa da parte externa,
E Barão, sempre vivaz, à
espreita,
No quintal, guarda a parte
interna.
Os outros cães, fêmeas e
machos,
Dentes afiados, aptos a
estraçalhar,
Basta um sinal para os rechaços
De quem ali acaso venha
buscar,
Como amigos do alheio,
velhacos,
Aquilo que não deixou a
guardar..
Os brvos Cangussus
Era uma vez a briosa família dos Pintos
Cuja fazenda
com os Pinheiros confinava
Surgindo entre ambas alguns conflitos
A respeito de uma cerca que demarcava
A linha divisória das duas propriedades.
Foi por causa dessa desavença comezinha,
Que os
Pinheiros surraram os ex-confrades
E ainda
os tacharam de homens galinha...
Então o chefe dos Pintos, um tanto humilhado ,
Veio a trocar
o nome que sua família tinha
Para Cangussu,
bicho valente e retado
Mas essa
onça pintada de malhas maiores
Cujo nome pavoroso, foi assim adotado,
De certo, não os tornou ferozes nem melhores...
No tempo do pequi
Que me diz do pequi,
minha Senhora?
Perguntou o Dr. Hermes à geraiseira,
Em pesquisa nos grotões,
outrora;
Queria ele saber
se era verdadeira,
A fama do pequi como afrodisíaco;
E ela, que uma ninhada de filhos
tinha,
Respondeu pronto, com ar
convicto:
No tempo do pequi,
sempre que vinha
Da roça, meu marido, muito
fogoso,
Já nem me esperava ajeitar
sozinha;
E cada
vez, muito mais carinhoso
Me ocupava depressa, veja lá
o senhor;
Por isso mesmo é que de tão
gostoso
Temos a casa cheia!
Ai, que horror!
A libido e o pequi
O pequi, fruto dadivoso, nativo dos Gerais,
De formato globoso e casca grossa,
Com suas características
essenciais,
É o produto típico, o que
mais possa
Simbolizar o nosso sertão
agreste.
Sua polpa nutritiva
e aromatizada,
Com calorias, de amarelo-ouro
se reveste,
Cobrindo a castanha de espinhos formada;
E a castanha, tal avaro e seguro reduto,
Conserva dentro dela, bem guardada,
A parte mais nobre do
genial produto;
É a amêndoa ricamente elaborada
Com o teor excelso da
afrodisia, que resoluto,
Proporciona vigor e tesão ao camarada...
Imbu x pequi
Lembrando a guerra entre o
cravo e a rosa
O imbu e o pequi, como célebres rivais,
Que se confrontam em emulação
valorosa,
O imbu das Catingas e o pequi
dos Gerais.
São produtos nativos e
fecundos da região;
Ambos integram a dieta dos sertanejos
Para propiciar-lhes sustança,
vigor e tesão
Ao estimularem a pulsão vital
e os desejos...
Consta que houve um
acordo de cavalheiros,
Para não se plantar imbu na terra
dos Gerais,
Nem pequi nos domínios dos catingueiros...
E assim selaram a
saudável convenção.
Respeitando, desde então, os
direitos individuais
Cada qual medrando na sua
esfera de ação.
Espinosa noventona
Mais
de noventa anos já medeiam
Desde a fundação desta Cidade altaneira,
Cujos pendores não se
alardeiam
De terra boa, generosa e
hospitaleira.
Salve todas as veras do seu
status social!
Estilo de vida ameno, alegre
e festivo,
Indústrias, informática,
comércio ativo,
Escolas, esportes,
cavalgadas, tudo legal...
Bem-vindos aqueles que de outras plagas
Aqui passaram a conviver
conosco,
E abeberando juntos das
nossas águas,
Como filhos autênticos da terra,
Participam ufanos do seu
progresso,
E de tudo de bom que ela
encerra!...
Receita para fazer chover
Por recôndito e insondável
desígnio do Senhor
Nossa terra boa e dadivosa , em irrisão que espanta,
Tem sofrido estiagens prolongadas – um horror!
Que muitas vezes
calcina tudo que se planta.
Faz dó ver então nossos
campos ressequidos,
Com toda a plantação tenra a
se exaurir sem alento,
Enquanto os animais famintos, tristes e combalidos
Vagam ao leu a procura do escasso alimento.
Dir-se-ia que a terra é
boa, o céu é que não presta,
Mas resta apelar com fé
aos santos protetores,
Para o milagre de chuvas fartas, que na certa
Trarão a redenção providencial
aos sofredores.
Basta que , à moda dos “Sem Terra”, sempre atuantes,
Organizem-se bandos
precatórios, e saiam a rebolar,
Homens, mulheres e
crianças, bandeiras à frente, ululantes,
E rezando, cantando
e dançando, venham a clamar
Por misericórdia aos
nossos pagos tão castigados;
E indo
de cruzeiro em cruzeiro, o madeiro a molhar,
Com potes e garrafas de
agua na cabeça. carregados
Por moças
saradas de biquíni, a pele nua
a queimar,
Certamente se abrandará o desdém
da natureza;
E ao chegar o séquito à
cruzinha de Amélia, a Santa,
O céu já estará pingando, e
com toda certeza
Tudo voltará à vida que nos conforta e nos encanta...
Nostalgia e esperança
Nada mais evocativo e
alvissareiro
Que o ribombar distante do
trovão,
Pelas quebradas da
serra, altaneiro,
Anunciando as chuvas de
verão.
Quem não sente a doce
nostalgia
Desse quadro de lembranças
caras,
E ao mesmo tempo a alegria
Com a antevisão de boas
searas?
De certo, nas catingas do
Sertão mineiro,
O tempo caprichoso rege a
contradança,
Alternando a vida seca, por
inteiro,
Com as boas chuvas e a bonança.
E o sertanejo qual bravo timoneiro
Segue em frente com fé e esperança...
E as chuvas chegaram
Ao cair, dádiva preciosa no
Sertão adusto,
A chuva, sempre providencial
e generosa,
Só concedida pelo desígnio augusto
Do Senhor Deus, soberano a
toda prova,
Reveste de verde a paisagem
crestada
Pela canícula de um sol
inclemente,
Tão rápido como a urgente revoada
Dos pássaros em demanda
premente,
Das condições de vida a contento,
Para retornarem depois, plenos de euforia,
Com a mudança benfazeja do tempo.
É o milagre sempre festivo
que recria
O doce encanto de viver - o
portento!
Na terra bendita, com amor, paz e alegria
Eis Raimundão, meu bisavô,sagrado
campeão.
Óleo de Godofredo Guedes
Os raçadores do Mingu
Reza a antiga tradição oral - vede!
No lendário Lençóis do Rio
Verde,
Dois irmãos viris e
façanhudos,
Mais fortes que os touros
macanudos,
Apostaram, fogosos, a ver
qual dos dois
Tinha mais fôlego e tesão, o
suficiente,
Para emprenhar mais mulheres
e, pois,
Povoar o Mingu com muita,
muita gente!
Dizem que Raimundo José de Tolentino
Levou a palma do raçador mais
potente
Superando, de longe, o mano José Valentino,
Com a marca de cinqüenta rebentos,
Fora muitos outros ignorados,
que o destino
Espalhou no mundo aos quatro
ventos...
Ícones sertanejos
Eis
os Ícones valorosos do meu Sertão,
Mandachuvas
cada qual a seu jeito,
Um
guerreiro, o outro poeta, pois então,
Adversários
políticos e amigos do peito:
O
Coronel Levy, sempre empolgante,
Com
rasgos de bravura e generosidade,
E
Cangussu de boa paz, mas vibrante,
Cada qual encarnando a sua cidade,
Uma, Monte Azul, o antigo Tremedal,
Outra, Lençóis do Rio Verde, a lendária,
Atual
e pacífica Espinosa, cidade rival,
Mas irmã fraterna, que foi tributária
Da
comarca criada na cidadela original
Da
temida e famosa Maria Rosária.
A Estiva
A fazenda da Estiva, - que
era longe demais,
Foi o próprio paraíso
terrestre, um regalo.
Ficava num vale verde, nos
confins dos Gerais
E a gente ia lá, de férias, viajando a cavalo.
O estirão durava
dois dias, com chuva ou sol,
Mas ali morava a avó Carlota, que na sua lida
Nos proporcionava tratamento
de escol
Com atrações
inesquecíveis, alegria e vida
Mas os tempos passaram e o
mundo mudou;
Voltando anos depois àquele
sítio encantado,
A decepção - que horror! -
quase me matou.
Nada se preservou do
saudoso Eldorado:
A casa senhorial, a
chácara, o monjolo
E tudo mais agora são páginas do passado!...
Segunda parte
OUTROS TEMAS
A sucessão dos dias
À tarde, o sol declina suavemente,
As luzes do dia esmaecem
vagarosas
E então, os pássaros em
revoada silente,
Voltam aos ninhos nas árvores
frondosas.
Na hora crepuscular e
evocativa do dia,
O portentoso astro-rei já não
brilha tanto!
E em meio a essa aura de
nostalgia
A natureza plange em doce
acalanto...
Daí a pouco todo o céu
azul escurece
Crivado de miríficas
estrelas, um encanto,
Até que a nova
aurora resplandece!
É na sucessão alvissareira do tempo
Que a vida, sempre bela,
permanece
Com renovadas esperanças e mais alento
Renascer
No diferente mundo de
outrora,
Quando as distâncias pareciam
maiores,
E ao contrário do que ocorre
agora,
As velocidades eram bem
menores,
Os dias custavam tanto a passar!
Lindos eram os sonhos -
e benfazejos!
Havendo sempre mais tempo e
vagar
Para a inefável sublimação
dos desejos.
Mas muitas vezes nem tudo era
flor
E a tristeza de uma urze
intrometida
Irrompia solerte nos jardins
do amor.
Restava esperar o retorno da alegria
Das coisas belas e
gostosas da vida
Ao raiar esplendido de um
novo dia...
Esplendor fugaz
Uma mulher bonita suporta tão mal
a
vida sem luxo,
como um homem inteligente um estado
subalterno.
Ela sente o seu poder nos olhares dos
passantes;
sabe que esse poder é por essência transitório.
Como uma nação armada e forte
deseja assegurar a sua posição no mundo
antes de dar baixa aos seus soldados,
a mulher quer tratar com o sexo inimigo
antes que o peso invasor da velhice
venha impor-lhe uma pacífica resignação.
Da Vida de Shelley, por Maurois.
O elixir da eterna juventude
(Paráfrase da sedução em queda)
A mulher, com todo o seu esplendor,
Cheia de vida, atraente e
amorável,
Espelhando o encanto de uma
flor
Na sua tessitura
incomparável,
Cativa o homem com
sua graça
E o deslumbra, poderosa e
sedutora,
Como jóia superfina e sem
jaça;
Mas, para ser sempre
tentadora,
Pois tudo é bom enquanto dura,
Terá que renovar-se no
seu fulgor
A cada dia, assim como quem
procura
O elixir da eterna juventude e do amor.
Se não o fizer,
- oh, que loucura!
Decerto fenecerá como a
própria flor...
Escravo fagueiro
A mulher, essa divina obra
de arte,
foi feita da costela do varão pelo Criador,
para enfeitiçar o companheiro
em toda parte,
com seus encantos e muito,
muito amor.
Entretanto, volúvel como
pluma ao vento,
tão caprichosa e rebelde por natureza,
- oh, que mágico e atroz
portento! -
mesmo pérfida - que horror!
- tem a certeza
de poder fazer do homem,
pobre coitado!
Sempre ávido e dependente de
seus favores,
seu vassalo submisso, ou
escravo acorrentado...
Mas, não haverá pecador de
todo contente,
sem a dádiva de seus beijos e
humores,
na voragem
de seu amor ardente!..
O sonho dourado
Sobre esta vida não desejo falar coisas
Como tantas que por outros já foram ditas.
São todas aquelas coisas e loisas,
Surradas sim, bem ditas ou
mal ditas!
Gostaria de escalar montanhas encantadas,
Singrar mares nunca dantes navegados.
Sentir na face as suaves brisas
camaradas
Respirando ares de campos embalsamados,
Para falar
de tudo isso, e o céu também,
Com todo engenho e arte, como convém,
Porque da obra da criação,
como se acredita,
A última palavra ainda não
foi dita!
Falaria ainda das coisas do
amor e bem alto
E daquelas coisas simples e
boas da vida
Levando a todos, como feliz arauto,
A boa nova de uma existência
apetecida
Entretanto,é pena, para falar tudo isso,
Pobre de mim, falto de luz, sem fanal,
E desventurado por vil e cruel
feitiço,
Trago vazio meu pequeno bornal...
E então, companheiro?
Devo enfiar a viola no saco,
Rebelar-me por inteiro,
Ou fazer como o macaco
Que se assenta no próprio rabo
Pra falar do rabo alheio
Com desdém e menoscabo
De quem não sabe a que veio?
Clemência...
Amélia revisitada
Numa revista, na
sala de espera do
Dr.Almada,li esta arenga do Millor.
Ela me quer a seu lado
Me trata como seu dono
Me cuida quando acordado
Me vela durante o sono
Não reclama se eu reclamo
Pois, repito, sou seu dono
Minha loucura é juízo,
Me dá o que nem preciso
E não pede quando está tesa
Sou seu sal e sobremesa.
Minha tia qué queu acho,
Sabe o queu acho minha tia?
Nem acho. Paro, e relaxo
Gozo minha amordomia
De Daj, a contradita
Li para Dona Conceição
Esse exemplo de mulher,
Sem fazer comparação.
Mas ela nem sequer
Riu de tanta submissão;
E, convicta, resmungou:
Comigo isso não
dá não,
Não é prova de amor.
Melhor de tudo queu acho
É ser boa companheira
É ser mulher e não capacho.
E ajuntou que a tal Amélia
Com tamanha baboseira,
Não passa de uma cadela...
Amélia Relaxada
Ela não me quer a seu lado
Não me trata como seu dono
Não me cuida quando acordado
Nem me vela durante o sono.
Só reclama, mas não reclamo
Apesar de ser seu dono.
Acha que sua loucura é juízo
Não me dá o que mais preciso
E muito exige se está tesa
Sem ser meu sal e sobremesa.
Minha tia, quê queu acho?
Sabe o queu acho, minha tia?
Só acho, mas paro e relaxo
Sem gozar minha amordomia
Sete palmos
Muitas são as desigualdades na
vida
E os deserdados, sempre em carência,
Não conseguem na porfiada lida,
Nada mais que a própria sobrevivência.
Eis que reza o adágio, tão festejado:
Quem canta, seus males
espanta!
Se isso é algo enganoso
e isolado,
Como bela ilusão que nada
adianta
Resta o consolo do veredicto profundo:
Todos afinal sob sete palmos jazerão
E consigo nada
levarão deste mundo
Se alguém na vida
nada veio a amealhar
Em contrapartida e por justa razão
Nada perdeu, e nada tem a chorar...
A voz do coração
Outros te queiram bem
somente. Eu não!
Não sei dizer aquilo que não
sinto,
Desde que sou mais do que
tudo instinto
E ouço apenas a voz do coração.
Enquanto outros na vida te
dirão
Que te olham como um ser puro
distinto,
Eu, que sou rude, só porque não
minto
Digo que te olho como a
tentação.
Nem me culpes de um mal que
não procuro,
E vê, que se sou rústico ou
sou impuro,
Pertence a culpa a quem me
faz assim.
Outros te queiram bem
somente. Eu não!
Eu não sei ver o rosicler da
aurora, senão
A desejar todinha para mim.
Para Daniel
Jacy de Assis , 1956 (Fundador
da Universidade de Uberlândia)
O Rouxinol
Nesse lindo sorriso e
doce olhar
Ornando seu recital do bel
canto
E nos trazendo de volta a
sonhar,
Vê-se a magia, e todo o
encanto,
De uma alma boa, terna e
pura,
Suave como a brisa do mar!
Seus acalantos plenos de
ternura
Na voz cristalina, lapidar,
Com harmonia, luz e
esplendor,
Em cada Imperial Modinha
Espargem graça, vida e
amor!...
Lembrando os gorjeios da
andorinha,
Seu mavioso cantar espelha,
com louvor,
A virtuosidade da jovial Coutinha!
As Luzes e as Cores do Mundo
Para
Dra.Nínia Nohmi
Dra. Nívia Nohmi, cara Amiga,
Seus poemas ditados pelo
coração,
São amoráveis e pulsam como a vida,
A transbordar de ternura e
elação.
São jóias de valor e
sensibilidade
Refletindo as luzes e cores do mundo
Na magnitude e toda intensidade
Do amor sempiterno e fecundo.
No teatro da vida, plena de
alegria,
Bendito seja o “luzeiro da
paz”,
A iluminar o amanhecer de
cada dia!
Em versos puros, com
alma e vigor
Sua mensagem de graça e harmonia
Eleva aos céus um hino de paz e amor...
Alvorada dos Oitenta
Meu caro Companheiro e Amigo
Cidadão Carlos Eugênio
Thibau,
Decerto você há-de convir
comigo:
Chegar aos oitenta não é nada
mau.
Todavia, quem em brancas
nuvens passar
Como nau sem rumo, sempre
apagada,
E nem um rastro de luz vir
a deixar,
Se de fato viveu, foi por
nonada.
Mas você, como bom timoneiro,
Valoroso, firme e de bem com
a vida,
Soube traçar e seguir o bom
roteiro,
Em busca do Ideal - a coroa
dourada,
E chega fagueiro, lépido, de
vencida,
Aos oitenta anos, em bela
alvorada!...
.l0.09.200l
Eternal Juventude
Para a
jovem Cecy Thibau
Poderias dizer –“ Meu tempo
passou,
E na voragem dos dias e horas felizes,
Ou tristes, todo o sonho
acabou...”
Mas se, apesar de tudo, ainda
dizes
Que valeu a pena
viver e peregrinar
Por entre abrolhos e também
entre flores,
Bem posso comigo concluir,
imaginar,
Que tão rica de venturas e amores
Certamente terá sido a tua
passagem
Por este mundo de Deus, vasto
mundo.
E poderás legar, assim, a tua mensagem
De fé e esperança aos
carentes de elação
Para o viver feliz, alegre e fecundo,
Com vigor e muita paz no coração!
Promessa é Dívida
Meu ilustre Companheiro,
Dr. Wagner Colombarolli:
Segundo meu lambiqueiro,
Esta bebida que bole
Com os humores da gente,
Tragada como convém,
Dá euforia à mente
E não pesa a ninguém.
Faça dela bom proveito
Em benfazejas rodadas,
Entre amigos do peito.
Com alegria e moderação,
Em doses educadas
Bons momentos fruirão!
Evoé!
Meu caro e ilustre
Companheiro
Leão Reginaldo Solon Santos:
Esta pinga, segundo emérito
cachaceiro,
Tal como o vinho, tem lá seus encantos,
Pois que levanta o astral da
gente!
De fato, desde que bebida
como convém
Anima, e dando euforia à
mente,
Não faz mal algum a ninguém.
Veja! Com suas virtudes excelentes,
Como num belo conto de fadas,
Aquece no frio e refresca em
dias quentes!
Evoé! Faça dela uso a preceito,
Em joviais e alegres rodadas,
Com os leais
amigos do peito!...
O arauto alvissareiro
O mensageiro da paz e do amor,
Não é o colibri de plumagem
colorida
Que adeja gentil ao lado da
flor,
A sugar-lhe o néctar da vida.
Nem a gralha tagarela,
fenomenal,
Que imita toda a passarada;
Nem a gaivota que anuncia o
litoral
Ou a cotovia, o arauto da
madrugada.
Quem nos traz as boas novas
Festivo, afoito e camarada,
Com todas as veras e provas,
É o nosso Vim-vim alvissareiro
Ao esvoaçar entrando em casa,
Alegre, brincalhão e fagueiro.
Esbulho e genocídio
O drama inenarrável de um
povo varonil
Nativo e dono deste vasto
pais continental
Que veio a chamar-se
propriamente de Brasil
Teve início à chegada de
Pedro Álvares Cabral.
Ao instalar-se aqui a famigerada colonização.
Marcada de lutas com outras nações aguerridas,
Também ávidas por explorá-lo
até à exaustão,
As nações indígenas humilhadas e vencidas
Foram subjugadas ao trabalho
e à escravidão
Ou simplesmente exterminadas
como feras,
Embora defendessem sua
legítima possessão.
Nesse esbulho vergonhoso,
sem precedente,
Ocorreu o maior genocídio de
toda história
Para cobrir de tanta vergonha
a nossa gente!...
O pélago
Na superfície densa de
suas águas
Revoltas, volumosas e
abissais,
Move-se o mar em sucessivas
vagas,
Desde tempos perdidos, imemoriais.
Nada mais tenebroso que o mar
Indormido, a bramir
roucamente,
Como gigante terrível, tentacular,
Ameaçador e a tudo indiferente.
No horizonte o céu vai encontrar
E à noite estrelada e cintilante,
Escancara a fauce, prestes a
devorar
O destemido e incauto
navegante.
É o pélago profundo, milenar,
Insaciável, medonho, apavorante
A musa
Versos à Conceição
Nos verdes anos de minha
vida,
Em meio a lutas, sonhos e fantasias,
Com a alma ansiosa mas enternecida,
Provei de tudo, tristezas e alegrias.
Mas contigo, querida, valeu a pena,
Os dias passaram a deixar
saudade.
E nessa reflexão tardia, mas serena,
Não sei se na busca da felicidade,
Fui capaz de fazer-te também
ditosa
Dando a ti, com amor e
lealdade,
Tudo quanto faz a vida
venturosa.
Se acaso tu não foste tão
feliz,
Perdoa-me, já não posso mais,
é tarde!
Compensar-te pelo que não fiz...
Letícia Ano 2010
A cada dia que passa, -
legal!
Mais Lelê se afirma como só
ela,
Garota amável, muito
especial,
Cheia de vida, cativante e
bela!
Quem não gosta da Letícia?
Da sua jovialidade e modo de ser,
Do seu sorriso cheio de
carícia,
E de sua alegria de viver?
Bendita seja a mão divina
Que nos brindou com todo o
encanto
E toda graça dessa menina,
Ao enfeitar com ela os nossos
dias,
Fazendo da vida novo acalanto,
Plena de elação e muitas
alegrias!...
Um quase adeus
Quando eu morrer, aqui ou
lá fora,
Por favor, não chorem por
mim,
Pois que já estava mesmo na
hora;
Mas façam de conta, enfim,
Que eu simplesmente viajei,
Como tantas vezes tenho feito
E que, logo depois, voltarei
Tranqüilo, lépido e satisfeito.
Mas se acaso eu não voltar,
Como seria o caso, - que jeito!
Nada adiantaria então
chorar...
Terei partido levando saudade
Mas não poderia mesmo voltar
Para abraçar a todos, de verdade...
Serenamente
Até há pouco tempo nunca me
importou
Que um dia também terei a
minha partida
Para a viagem da qual ninguém
voltou,
Pois sempre peregrinei de bem
com a vida.
Mas os meus doces dias,
no entanto,
Estão passando céleres nas
asas do vento,
Embalados no inefável e suave
encanto
De uma existência gentil e a
contento.
E agora, já longevo e atento
à chamada
A que deve responder todo ser vivente,
Após extensa e aprazível caminhada,
Resta-me preparar, sem pranto
ou ilusão,
Para a despedida, tardia mas
indesejada,
Com serenidade, coragem e paz
no coração...
Jurema,13.1.2001
Até ao fim
Sei que não vou ficar para
semente
E que também um dia fatalmente
partirei
Como qualquer outro ser
vivente,
Deixando aqui o rastro
da vida que levei.
Mas decerto, de todo não
morrerei;
De minha existência laboriosa
e fagueira
Restará a posteridade que
suscitei
Com minha amada e doce
companheira.
De bem com a vida, nas carícias
do ninho,
A seu lado do pomo do amor desfrutei,
Com total lealdade, dedicação
e carinho.
Mas ao partir, comigo somente
levarei
Dessa união benfazeja, feliz até o fim,
As saudades das alegrias que
libei...
Jurema,11.1.2010
E a vida continua.
Após uma existência gentil e apetecida
E levando comigo um monte de
saudade,
Quando finalmente eu partir
desta a vida,
Em demanda da irrecusável
eternidade,
Terei deixado por aí, sem apelo, sem opção,
Tudo a que me liguei com amor
fecundo:
A família que formei com total
dedicação,
Os amigos e as gostosas
coisas deste mundo...
Meu corpo então será devolvido
à terra,
Afinal, serei como uma vela que se apaga
Ou uma página virada que se
encerra...
Por certo, indiferentes à minha
partida,
As coisas manterão a cadência
eterna
E nada mudará o incessante ritmo
da vida!
Lembranças caras
Breve, ou mais tarde, como
espero,
Partindo desta vida, fatal e
sem alento,
Ao deixar este mundo
sedutor e belo.
Não farei falta, em nenhum
momento,
A quem quer que seja,
que aqui fica.
E sem saber qual seria o meu
destino,
Mas sem o medo que a alma
petrifica,
Seguirei em frente tal indômito
peregrino.
Nessa longa viagem na estrada
do poente.
Rumo a páramos de que cristão
algum voltou,
Levarei lembranças caras e
especialmente
Da vida que levei com a doce
companheira
Que tanta felicidade me
proporcionou
Com dedicação e durante a
vida inteira.
Jesus de Nazaré
Tu que nasceste puro e predestinado
A remir as culpas da
humanidade,
Sendo injusta e duramente crucificado
Sem a ínfima parcela de piedade,
Deu ao mundo, no inaudito sacrifício,
Novas perspectivas de paz e
amor.
Entretanto, nem a imagem do crucifixo
Com a expressão cruel da imensa dor
Foi suficiente para erradicar
de vez,
Nos ímpios, toda a maldade,
Senhor!
E se acaso voltasses um dia,
talvez,
Ante tamanha indiferença e desamor,
Santo Deus! Serias de novo
sacrificado
Com toda crueldade. Que horror!
A Árvore Símbolo
Vejam só como cresceu e se formou
A bela árvore, gigantesca e frondosa,
Que um dia, faz tempo, Dany
plantou
E hoje, à porta da rua, e majestosa,
Qual sentinela vigilante do
nosso lar,
Abriga os pássaros álacres e camaradas
Que cada novo dia, airosos, vêm cantar
Nas manhãs e tardes de sol
douradas.
Ela é o símbolo da vida e do labor;
Nascida pequenina e tenra, e de certeza
Ali plantada com dedicação e
amor,
Ganhando corpo, ao farfalhar
de sua ramagem,
Sintoniza os inefáveis sons da natureza,
E eleva ao Criador sempiterna
homenagem
Belo Horizonte
A minha querida Belo
Horizonte
Tão charmosa, não me viu
nascer.
Mas como lençoense, peregrino
errante,
Em seu seio generoso vim a antever
A esperança de alcançar um
lugar ao sol.
E desde logo, seduzido e cativo
Desse cadinho privilegiado,
de escol,
Senti-me como seu filho adotivo.
Entretanto, todos amam a sua
terra
E jamais olvidei o meu torrão natal
Por tudo de bom que ele encerra.
Resta-me, pois, dividir o amor filial
Entre as minhas duas terras queridas
Ambas acolhedoras, de nobreza
igual.
A beleza
Diz o poeta, com proverbial
convicção,
Que na mulher a beleza é
fundamental.
De fato, para as lides do
amor e da afeição,
Nada há melhor que esse dom
natural.
Entretanto, o conceito da
beleza é relativo
E para as menos dotadas, com
certeza,
Resta o consolo e o recurso compassivo
De que a beleza está nos
olhos de quem a veja
Assim, segundo o velho
brocardo
Quem ama o feio, bonito lhe
parece.
E na singularidade clara desse ditado,
Reside a sabedoria na obra da
criação;
Tudo tem a sua razão de ser, que
prevalece,
Na eterna busca do amor
e da afeição...
Eclesiastes
O tempo é imemorial , e o espaço infinito!
Entre
as brumas indevassáveis da vida,
Vê-se que tudo aquilo que já foi dito
Sobre o homem e sua aptidão presumida,
É como uma gota d´agua no
oceano,
Eis que para tudo neste mundo,
sem exceção
Rege uma ordem estabelecida de plano
Desde os primeiros tempos da criação.
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!
Não há nada de novo debaixo do sol!
Disse o Eclesiastes, e esta é
a pura verdade.
Por mais que o homem possa em
seu mister
Realizar, presunçoso, como ente de escol,
Jamais
dará a vida a um filho sem a mulher...
..
O homem e seus vícios
Deus onipotente, bom e generoso
Mestre,
Inventou Adão e Eva, nossos
ancestrais,
E deu-lhes de presente o
paraíso terrestre,
O dom do livre arbítrio, e tudo mais.
Nos desígnios divinos do
Criador,
Ao casal, apesar de sua
desobediência,
Foi dado encher a terra ao
embalo do amor,
Mas o Demônio, com tamanha
insolência
Veio a insuflar também a devassidão
,
Seduzindo o ser humano contra
a prevalência
Do prazer e da moral em
perfeita comunhão.
Desde então, destinado aos
bons princípios,
Mas submisso aos apelos da satânica sedução.
O homem tornou-se escravo de seus vícios...
Tudo passa
Nesta nossa vida severina
tudo passa,
Tudo mais cedo ou mais tarde
se encerra,
Seja na bonança ou na
desgraça,
Tanto na santa paz, como na guerra...
Tudo é festivo nos dias de venturas,
Mas como não há bem que
sempre dure,
Também nos momentos
de agruras
Não haverá mal que sempre
ature...
Na alegria, assim como na
tristeza,
Com a nossa cruz ou a nossa
espada,
Lutemos até ao fim, e com
certeza,
Ainda que cobertos do pó da estrada,
E com os arranhões de toda
aspereza,
Hosana!
Alcançaremos a coroa dourada!...
Cronos
Implacável é a marcha do
tempo,
Esse monstro criativo e voraz
Que voa célere nas asas do
vento,
Indiferente a tudo aquilo que
faz!...
Ninguém consegue deter a ação
Desse velho sempre renovado e audaz,
Que consome tudo de roldão,
Assim na guerra como na paz.
Embalando os sonhos e ilusões
da vida,
A dança das horas, alegre
e fugaz,
Festeja todo esforço de luta renhida
Em nossa busca da sonhada
felicidade.
Mas nessa luta insana e
resumida,
Tudo se desvanece ao pé da eternidade...
Minha eterna namorada
Ai, como você era linda, tão
bela!
Com toda a graça genuína da
flor
E a pureza sem jaça da
donzela
Fadada, sim, para as carícias
do amor.
Na intimidade de um amor
fecundo
Com a alegria de alma e coração,
Juntos, para o prazer imenso,
profundo,
Celebramos a vida com glória e unção.
E desfrutei de todos os seus
encantos,
Feliz desse privilégio,
e com
elação,
Ao embalo de suaves acalantos.
Que possa você ter a mesma evocação
De tudo de bom, que sem dor
nem prantos
Auferimos em doce e
inefável comunhão.
Eis a musa do autor
Néctar dos deuses
Os
vinhos, seja o Porto, ou o Lacrima
Christi,
Generoso
moscatel das fraldas do Vesúvio,
Têm
a virtude e a magia de alegrar o triste
Com
o sutil buquê do inebriante eflúvio
Emanado da essência de sua composição.
É o néctar dos deuses, - bendito seja!
Que dos mortais revigora o coração
E dá euforia a todo aquele
que almeja
Momentos de prazer,
alegria e elação.
Mas, como quem veleja em mar
profundo,
Sujeito a todos os perigos da navegação
Ao erguer a sua taça, - Evoé!
- consciência!
Não venha a desmoronar-se como beberrão,
Ao ultrapassar os limites da
prudência.
O regalo da vida
O prazer é pecaminoso?
Ora, quem disse?
Se Deus, tão judicioso,
Acaso consentisse
Nessa balela
à-toa,
Por que iria
Fazer a vida tão boa?
O prazer, seja ele qual for,
É o regalo da vida;
Tanto nas práticas do amor,
Essa coisa apetecida,
Como na ação divertida
Do lazer ou do labor!
Quem disso duvida?...
Expulsão do paraíso
Reza a Bíblia que em era mui primeva
O Senhor Deus onisciente e legal
Criou os nossos ancestrais
Adão e Eva,
E os colocou no paraíso
terreal.
Criou-os à sua imagem e
semelhança
E tudo ali, com uma proibição
somente,
Foi-lhes dado, para que sem tardança
Povoassem a terra amplamente.
Todavia, sob o jugo da volúpia
- coitados!
E instigados pela serpente tentadora,
O livre-arbítrio de que foram dotados,
Permitiu-lhes a aventura
pecadora.
E na metáfora do pecado original,
Só por terem comido do fruto
proibido,
Da árvore da ciência do bem e
do mal,
Foram expulsos do éden, graças
à libido...
Mas, como o bicho homem seria capaz
De multiplicar-se, povoando o mundo,
Sem possuir a mulher, como sempre
se faz
Na prática prazerosa do amor
fecundo?
Decerto, se outra opção fosse
adotada
Nos planos divinos e geniais
da criação,
Para o bicho homem, sem a sua amada,
A vida não teria mais
a grande atração!...
A saga do pecado original
Em si mesmo, qualquer que
seja ele,
O prazer, mesmo o sensual,
não é pecaminoso;
Até o erotismo é dádiva superfina daquele
Que, generoso, paternal e todo poderoso,
Criou o homem à sua imagem e
semelhança;
E ao levá-lo com Eva ao
paraíso de delícias,
Ordenou: crescei e
multiplicai-vos sem tardança,
E povoai toda a terra, sem indicar as primícias,
Do conúbio que se tornaria sacramental.
Mas, seduzida pela serpente, para
as carícias,
Eva foi com muita
sede ao pote, e afinal,
Ao comerem do fruto proibido,
nossos ancestrais
Foram expulsos, sim, deste paraíso terreal,
Mas legaram gerações às águas lustrais...
Obs. - Água lustral – a água sagrada do batismo, que
os antigos obtinham extinguindo-se
na água comum um tição ardente tirado da pira dos sacrifícios.
.
Himeneu das virgens
Outrora as moças se casavam puras
E cabia aos eleitos do seu
coração
Iniciá-las na vida conjugal, e
a ventura
De possuí-las em primeira mão.
Nas primícias do amor
verdadeiro
E
sem reservas entre os nubentes
O
jovem, com o privilégio de ser o primeiro
Nas carícias e no gozo mais
fremente,
Ardia ávido e impetuoso por ensinar
E a virgem cândida e docilmente
Ansiava por aprender a arte
de amar.
Então as portas do paraíso se
abriam
Para eles, festivamente, de
para em par,
E mais venturosa a
vida não teriam.
Mulher sem alma
La donna é móbile..
Verdi
Deus
criou o mundo, e sem mais tardança,
Inventou
Adão, nosso lendário ancestral.
Ao
fazê-lo, à sua imagem e semelhança,
Usou
do barro da terra, barro bom e legal.
É o
que dizem as sagradas escrituras,
Nas
páginas do Gênesis, mui claramente.
E
pronto o boneco das humanas criaturas,
Para
aperfeiçoar a sua obra, docemente,
O
Senhor deu-lhe nas ventas a soprada,
Que
lhe infundiu a alma generosa e boa.
Mas
o Criador viu que não era recomendada
A
Adão uma existência solitária, à-toa,
E
mandou-lhe um sono profundo, reparador
Retirando-lhe
uma costela, e sem demoras,
Fez
dela o belo corpo de Eva, - um amor!
Para
sua companheira de todas as horas.
Mas
uma vez pronta a boneca, - que pena!
O
Senhor se esqueceu de dar-lhe a soprada
Que
lhe infundiria uma alma boa e serena
Como
aconteceu com Adão seu camarada..
Ainda
assim, empenhando-se a fundo
O
homem busca a posse da mulher amada
E
não a trocaria por nada deste mundo,
Embora
seja fascinante, mas desalmada...
A laranja e o laranja
Salve! a laranja,
essa fruta deliciosa
E suculenta, que tanto gosto
dá à gente.!
Mas esse cara de ação assaz
duvidosa
Que disfarçado, e nem sempre inocente,
Presta-se, docilmente,
a jogadas malsãs,
Como lacaio submisso, que tudo arranja,
Segundo os planos de corruptos Renans,
Só por ironia
é chamado de laranja,
Pois fazem o papel de
falsário matriculado
Ao compor firmas abjetas,
lesivas e sujas
E ajudando a lavar
o dinheiro roubado.
Por certo, com suas
vitaminas, a boa fruta
Não merecia nem merece de forma alguma,
Dar nome a
esses descarados filhos da puta...
Ode ao caloteiro
Quem parte desta para melhor,
Batendo as botas ou abotoando
o paletó,
Conforme a vida que tenha
levado
Neste mundo vário e
complicado,
Ou vai, lépido e fagueiro,
para o céu,
Ou vai, macambúzio, para o
beleléu.
Para o céu, quem andou bem,
fraterno,
E para as profundas do
inferno
Todos os salafrários e
caloteiros,
Vermes peçonhentos, degenerados
Que com desfaçatez, em golpes
certeiros,
Dizendo-se honestos e
alinhados,
No fundo são parasitas
verdadeiros,
A explorar os incautos e menos avisados...
O ciclo da vida
Ao cabo de mais um dia de
esplendor,
O astro-rei soberano, mas já
broxante,
Declina no horizonte, perdendo vigor,
E mergulha no ocaso num
instante.
Então a noite cai serena,
lentamente,
Sobre a vastidão emudecida
E uma brisa
camarada, docemente,
Envolve toda a natureza
entorpecida ;
Um manto de estrelas
cintilantes
Cobre a noite aos poucos enegrecida,
Como miríades de faróis
distantes.
É o mistério da vida
sempiterna,
Que não se sabe como teria
começado,
Nem tão pouco como um dia se
encerra...
Noventão
Como cheguei até aqui, lépido
e fagueiro,
Com todas as funções vitais
a contento,
A desfrutar do dom da vida,
prazenteiro,
Eu mesmo
não saberei dizer, se tento...
Decerto não ficarei para semente,
Neste mundo maravilhoso e
renovável;
Um dia partirei, como todo
ser vivente,
Com antecipadas saudades
dessa vida amorável
Será com pesar que direi
adeus a dedicados,
Amigos que aqui deixarei para sempre,
Todos eles inexcedíveis nos
seus cuidados.
Sinto que deixarei a todos
eles tão somente,
Com as escusas por
minhas falhas e pecados,
A gratidão imensa de quem não ficou para semente...
Símbolo da sabedoria
Laude domum
sicut stinge -Daj
Quem gaba o toco é a coruja,
Reza o velho adágio popular;
E eu vos direi, antes que
surja
Alguém que venha a duvidar,
Da justa razão desse
conceito,
Que mais vale louvar o que é seu
E tratar, com amor e
respeito,
As boas coisas que Deus lhe deu.
Que cada qual faça a sua parte
Contentando-se com o
suficiente
E possa louvar, com engenho e
arte
Os dons deste mundo encantador
Paraíso de delicias, sonhos e
venturas,
Concebidos por obra e graça
do Criador.
Filosofando...
Estirado na rede, e de papo pro ar,
Entrego-me à beatitude que se consente
O ócio do acalentado e
saudável vagar,
- o sempiterno e inefável dolce far niente.
Nessa fase outonal, franca e generosa,
Limitadas todas as minhas
ambições,
Mais uma etapa da vida afanosa
Cede lugar a novas e nobres
emoções.
Terei alcançado afinal
a coroa dourada,
Essa fase da vida amorável e terna,
De quem não carece fazer mais nada,
A não ser desfrutar do que
lhe resta,
Desta vida de ilusões que se encerra,
Mas com todas as alegrias de uma festa...
Giovane Afrodite
Não há, nem pode haver,
Em todas as manifestações da
natureza,
Coisa mais preciosa de se ver
Do que a incomperável beleza
Dos seios túrgidos da vestal menina;
São os pomos virginais do
jardim de Alá,
A compor a escultural criação
divina,
Plena de harmonia e perfeição sem par,
E na visão garrida dessa obra
prima,
Os pomos divinos do jardim de
Alá,
Mais fulgurantes que uma joia
superfina,
Deslumbram e fascinam a
quantos,
Ao reverenciar a obra genial do Criador,
São acorrentados, submissos a
seus encantos.
Aquilo roxo
A escalada da mulher na
presidência
Foi recebida com badalada
louvação,
Destacando-se o fato de tal ocorrência
Inaugurar, desde já, a feminil gestão.
Frágil também é a curul presidencial.
Isto posto, é bom e justo
assinalar
Que, aos nossos brios,
tal conquista, afinal,
Pouco ou nada veio a
acrescentar.
Homens e mulheres são quase iguais
E capazes, até, de algo realizar
Na vida, em prol de
acalentados ideais
Na verdade, sabemos que
esse colosso
A que todos chamamos de sexo
frágil
De fato só não tem aquilo
roxo...
Casar ou não casar
Disse o desinfeliz sobre o
matrimônio
Firme, de papel passado, mas fracassado:
Ainda que me seduza outra vez o Demônio,
Juro não voltar a ser assim
acorrentado!
E quanto ao casamento
proclamou,vejam só,
Que para quem gosta de coisa
ruim,
Não há nem pode haver,
nada melhor.
E mais que convicto, indaga, por fim:
Por que terá o incauto que casar-se
Desde que há por toda parte
tanta corda
Para um homem livremente
enforcar-se?
Todavia, o cara não perde por
esperar
Porque a gostosona, sempre
tentadora,
Como ela, em todo mundo,de fato não há...
Depois de velho, ermitão...
Nada há de mais nobre e
edificante,
Que a lisura autêntica de alguém
Ante a sociedade de que é
integrante,
Seja o rico ou um mero João-ninguém.
O farisaísmo aviltante a que
se recorra,
Não transforma o vício em virtude,
Não torna santa
nenhuma camorra.
Nem sequer ameniza mascarada
atitude;
Assim como a zinha que não
mais serviria,
De afrodite ou barregã, para o culto do amor ,
Torna-se piedosa devota da
Virgem Maria,
Também, depois de velho o poltrão,
Cansado de tanta e grossa patifaria,
O pobre Diabo vira...
ermitão!...
O cordelista
Ora veja, caro leitor,
Não sou nordestino,
Nem tão pouco trovador;
Mas confesso que estimo
A boa arte do cordel.
Assim, vamos começar:
Meu nome é Daniel
E agora, só pra variar,
Estes versos aqui vão,
Para meu apreço mostrar,
Às coisas do nosso Sertão...
Pois tudo é Brasil,
Nossa Pátria amada,
E gentil entre outras mil!...
A linguagem do cordel
Quem vai fazer cordel
Terá antes que entender
Que isso não é coquetel
De versos à toa, sem valor.
Ao invés tem tudo a ver
Com o caráter e o humor
De um povo valoroso
Nascido para lutar
E sempre generoso;
De paz com a vida
No bem-bom ou no pesar
Vai em frente na sua lida.
È literatura popular,
De nordestino valor
De quem sabe cantar
Com altivez e vigor
E seus males espantar
Com as tramas do amor
E mesmo sendo a vida severina
Canta com humor a sua sina...
Mateus, primeiro os meus...
Mateus, primeiro os meus, depois
os teus;
Segundo esta máxima dos afoitos
sedentos,
Das coisas boas e dos bons
momentos,
Só restaria aos outros o que sobrasse aos seus.
Esta pretensão acintosa não
pode vingar,
Contra o princípio moral da
equidade
Que prioriza o direito à
mesma oportunidade
A todos os que a ela possam se igualar.
.
Todavia, a prevalecer o suposto
direito,
No caso de perdas nas coisas e nos eventos,
A prioridade também caberia aos avarentos
Completando o sentido de tal preceito.
Seja como for, capciosa é
a soberbia
Dos que em tudo querem levar vantagem,
Como donos da enchente, com a
coragem
De dourar a pílula de sua ousadia ...
Nefanda trilogia
A grande urucubaca, que
deprime e reduz
A pó-de-traque qualquer
sujeito, que por sinal,
Procura dela fugir como o Diabo da Cruz,
É a nefanda trilogia do
velho, pobre e banal.
Decerto ser idoso não é
defeito, ou pecado;
E não sendo jovem como foi, traz saudades,
Mas ser velho forte como se espera - Deus louvado!
É curtir a vida com amor, charme e prioridades.
A pobreza não pesa tanto, embora preocupante
Se somos parcos e espartanos, sem veleidades
Mesmo velhos podemos viver em
paz confortante
Mas ser banal é o fim da picada,
é a pior situação,
Inda mais sendo velho e pobre,
formando a trilogia;
Que determina a completa ruína, sem remissão...
O orgasmo do corrupto
Os nossos políticos estão mesmo
convencidos
De que o Brasil não tem jeito de se salvar;
Está nas mãos de safados e
ladrões enrustidos
Diplomados na arte e ciência
de roubar...
Assim sendo, esses pilantras
despudorados
Alvitram: Por que não tirar o máximo proveito
De tudo, se fomos eleitos senadores e deputados?
Então, pondo a mão na massa, com
arte e jeito
Os trêfegos parlamentares
tipo “waldemar”
Armaram o nefasto esquema,
quase perfeito,
E as coisas fluíram como vieram a planejar;
E afinal, no ápice de sua carreira,
um rasgo.!
Esses congressistas
corruptos vieram a festejar,
Refestelados e descaradamente, o seu orgasmo!...
Mas afinal.a vaca foi para o brejo,
E alguns
corruptos para a cadeia...
Instante de Belo
Horizonte
Instante silencioso de Belo
Horizonte,
É primeiro de janeiro, e a tarde
Se desvanece num torpor dominante
Em clima de recordações e
saudade
Como capital eleita do povo
mineiro,
Desde Aarão Reis, seu
construtor,
Seu belo nome augusto e
alvissareiro
Simboliza um futuro
promissor.
Inda hoje, já adulta, és
cidade menina
Cheia de graça,
encantamento e vigor,
És o farol cintilante que ilumina
Os caminhos alcandorados das
gerais
Das Minas Gerais, altiva e
fagueira,
Na busca e defesa de seus
Ideais...
Caducando
Quando eu lelé da cuca ficar,
Se ficar,
Ninguém terá nada com isso.
Por isso,
Vamos logo estabelecer
Pra valer:
A culpa cabe aos neurônios já apagados,
Coitados.
Serei inteiramente livre para
esmar
E errar
A meu talante exclusivo,
E sem aviso.
Posso até fazer bobagem,
Sem pajem,
Ou seja, errar sozinho, sem ninguém.
Amem.
Alegra, ou não alegra
Está tudo combinado, é a
regra,
Que não podemos mudar.
Saravá!...
Dies irae
Se não for antes, no dia
do juízo final
Pretendo bater na porta
principal
Do céu, pedindo licença pra
entrar.
Se São Pedro o ingresso me
negar,
Cabe-me explicar-lhe, entretanto,
Que se realmente não fui
santo,
Tenho, porém, algo a meu
favor,
Eis que vivi em função do
amor,
E que não regateei a minha
atenção
A quem quer que nesta vida
Tenha a mim
aberto seu coração.
Amar e ser amado não é má
ação.
Pecado é prejudicar o próximo
Ou negar-lhe um átimo de sua
afeição.
Amar a terra
Ama o teu torrão natal para valer,
Como sempre amaste a nosso Deus,
Pois foi ela o berço que
te viu nascer;
E mesmo que, lembrando Odisseus,
Vieste a perambular neste
mundo vário
A procura da própria identidade,
Ou de um lugar ao sol, de um ideário,
Sonhado com própria felicidade,
Ao alcançar alhures a coroa dourada,
Simplesmente não esquece a
terra natal
Dedicando-lhe a glória da tua jornada...
Feliz é aquele que
lutou, venceu, e afinal
Reverenciou o berço em que nasceu
Sob o signo da esperança, do
amor e do ideal!...
Nunca desista
Pese tudo antes da luta começar
Mas, se começar, nunca desista;
E vá em frente sem titubear,
Inda que a sorte, de pronto,
não o assista.
Pois a sorte é vária e
caprichosa
E pode mudar assim como o
vento,
Trazendo-lhe na sua ação
poderosa
Novas esperanças e novo
alento.
As perdas são ganhos às
avessas
E para realizar os sonhos
dourados,
Mesmo navegando em águas adversas,
Vá à luta decidido e não enrole
Seja obstinado, nada de conversas
Que a vida é dura para quem é mole...
Morrendo completamente
Quando meu copo baixar à sepultura,
Completamente hirto, sem vida, sem valor.
Lá ficarei, nessa cova fria
e escura,
Para todo o sempre, - Ai!,
que horror...
Mas este é o retorno fatal ao
pó da terra,
Donde vieram os mortais,
plebeus ou nobres; .
Sem qualquer privilégio, a dura lei encerra
Tratamento igualitário a
ricos e pobres;
E assim cabe a todos aceitá-la passivamente.
Todavia, ponho-me a imaginar como
seria,
O dia-a-dia, as coisas e o próprio ambiente
Em casa, após a partida que ainda
adiaria.
Sinceramente, não sei se alguma
falta farei
Mas levarei saudades da vida plena de alegria...
Tanatos
Tanatos, ou a Morte, temível irmão
do sono,
Com entranhas de bronze e coração de ferro,
És o inimigo implacável do
gênero humano,
E habitas o Tártaro, junto à
porta do inferno.
Filho da Noite, envolto de
fuligem e carvão
Rosto desfeito, emagrecido,
olhos fechados,
Coberto com um véu, e com uma
foice na mão,
Tu ceifas, todos os
mortais, pobres coitados.
Com a mais horrível expressão
no semblante,
Davam-te a forma
sinistra de esqueleto
Com asas, um facho derrubado, e sempre atuante...
Infandum! Trazes uma urna de cinzas, tudo crepe,
Mas também a borboleta abrindo o vôo da esperança,
Emblema de uma outra vida no paraíso celeste...
Planeta Terra
Rolando sem cessar nas
amplitudes siderais,
Sob a tutela infalível do
nosso Astro-Rei,
Em ciclos cósmicos precisos e
eternais,
Junto a tantos outros planetas de sua grei,
A Terra, em órbita perene e
imutável,
Destinada aos confins da
eternidade,
Guia-se por mecânica de
precisão notável,
Desde a Criação pela divida
Sumidade.
Alinhada a essa fraternidade de astros,
Na ordem universal com
harmonia e equidade,
Sem discrepâncias, sem descanso
ou rastros,
Embora seja dos menores entre os seus,
Tem o privilégio de ser planeta habitado
Pelo homem, à imagem e
semelhança de Deus1...
O Outono da vida
Outono é a época cíclica de
cada ano,
Quando se colhe de tudo que
se plantou.
Simboliza também o ocaso insano
E inexorável ao final da vida
que se levou.
Sem retorno, essa fase
crepuscular, outonal,
Não é como a estação da ceifa
a acontecer
Cada ano, com novo
alento a cada qual,
Diante de tudo quanto venha a colher.
Nesta vida laboriosa, de acalentados planos,
Com sonhos e ideais, todos nós
lutamos a valer,
Ainda que nem sempre os realizamos,
E se não os realizamos
completamente,
Babau! Agora é muito tarde, o
tempo passou,
E o outono chegou
sorrateiramente...
A doce companheira
A fome, a sede e mais a erótica pulsão
Que tanto incitam as funções
vitais,
De modo terminante, sem
exceção,
Notadamente entre nós, os
racionais,
São apelos irrecusáveis da
natureza em flor,
Que contemplam todos os animais.
Mas, para coroarmos
de paz e amor,
Os prazeres da mesa e das
lides sexuais,
Ao varão será sempre
fundamental
O adjutório da parceira louçã e fagueira,
Capaz de realizar tudo de bom
e por igual;
É que, nesta vida boa, mas
passageira,
O homem não se completa,
afinal,
Sem o concurso da doce
companheira!...
Amar o
belo e bom
Neste vasto mundo, tudo que é prazenteiro
Vem a ser proibido, engorda
ou engravida,
Assim proclama o zangão brejeiro
Sobre o amor livre e
o doce elixir da vida...
Que diabo me importa o tecido social,
Se é apenas de minha própria felicidade
Que pretendo ocupar- me, em
especial?
Portanto, menos restrições, e
mais liberdade!
E proclama, afinal, o machão, com ar convicto:
Se tudo que é belo é obra do onisciente
Criador de todas as coisas,
como acredito,
Desfrutar do belo e do
bom, como é evidente,
É também uma forma de
render culto irrestrito
A Deus pai, generoso e onipotente!...
Para a filha da
mãe
Você, menina, não se fez por acaso,
Nasceu de um encontro furtivo e criador;
Ao embalo de carícias sem prazo,
Como fruto abençoado de proibido amor.
Eis que cresceu e se desenvolveu,
Formando sua própria
personalidade,
Com o afã de quem amanheceu
Feliz, a levar a vida com dignidade.
Louve-se de estar
de bem com a vida,
Com a proteção dos deuses de verdade,
A conjurar os próprios
demônios, querida.
Na senda do seu destino, sem veleidade,
Siga seus passos, cautelosa e decidida,
Airosa e risonha, na busca da felicidade.
Tentação incoercível
Quando Deus inventou este
mundo,
Dentre todas as suas disposições,
Criou o homem
operoso e fecundo,
Mas estabeleceu duas condições:
A primeira - como castigo
para quem cai,
Terás que viver com o fruto do teu labor;
A outra, a do crescei-vos e multiplicai,
Como prêmio sazonado do
melhor sabor:
Terás a mulher como companheira,
Para as delícias inefáveis do amor.
Mas o varão só a terá a vida inteira,
Se for um herói, capaz o suficiente,
De mantê-la e tolerar toda asneira
Que ela exigirá, tentadora e
convincente...
O cordelista retado
O cordelista
Um especialista
Do cantar sertanejo.
Valente e sem pejo,
É aquele
Que sem ele
A graça falece
E o verbo emudece.
Seu cantar
Vem realçar
As belezas
Apesar das asperezas
Deste mundo encantado
E retado.
Se tudo vai
bem
Como convém,
Bendito seja
Quem peleja
Como o catingueiro
Forte e altaneiro
Que enfrenta a vida
Que é luta renhida
Sem reclamar da sorte
E luta até a morte.
A vida é bela
Para quem zela
Com acalantos
Pelos encantos
Que ela oferece
E não emudece
Pois quem canta
Seus males espanta.
Abotoando o paletó...
Esticar as canelas, batendo a caçoleta,
Abotoando de vez o paletó, ou
a jaqueta,
Na hora fatídica, incerta ou
aprazada
Sem dúvida alguma, é o fim da
picada...
Ninguém escapa dessa dura
realidade,
Tragédia inapelável, feroz impiedade,
Que iguala a todos, fracos e poderosos,
Inda os mais decididos e corajosos.
Sei que quando a minha vez
chegar,
- É pena, - não haverá choro
nem velas
Que sejam capazes, sequer, de
adiar
O momento azado, crucial da
partida.
E nada comigo poderei levar,
Além da imensa saudade desta
vida...
Baú de ossos
Batem-se as botas ao fim da jornada,
E por mais que se apegue a
esta vida,
Você não poderá fazer mais
nada,
Quando lhe chegar a hora da
partida.
Não fique triste ante esta
dura realidade;
E lembre-se que lhe serão
suficientes
Os sete palmos de terra que
por equidade
São reservados a potentados e
carentesl
Como ninguém ficará para
semente,
Todos embarcarão rumo à
eternidade
Onde jazerão esquecidos e para sempre,
A menos que alguém, com amor
e bondade,
Tendo seus ossos guardados num baú,
Ainda lhe reserve um preito
de saudade...
Viagem sem volta
Com a alma sensível do catingueiro,
Ao iniciar a minha viagem sem volta,
Qual ousado e intrépido
caminheiro,
Esquecerei toda mágoa ou derrota
Que em vida também as tive,
bem sei;
Levarei apenas a doce
recordação
Dos bons momentos que
desfrutei
Com muita alegria e paz no
coração.
Mas se inconsciente eu tiver maltratado
A desafetos ou a amigos de
eleição,
Penitencio-me pesaroso, desalentado,
Pelo dissabor involuntário
cometido
Na vã ilusão de só ter o bem
praticado
Antes desta boa vida ter
partido...
Trovas
Evoé! Ergo a minha taça
A Baco, deus do vinho,
Festejando a nossa raça.
Com muito amor e carinho.
Mas, quanto aos corruptos,
Sejam deputados e senadores,
Para o diabo esses putos,
Ladrões e aproveitadores...
Deus salve um Brasil radiante
De paz, serenidade e harmonia
Livre dessa corja degradante
E pleno de paz e alegria!
O estigma cruel
Na mulher, nada fere tanto
como a mutilação
Na parte mais sensual do seu corpo em flor;
Onde se localiza todo o poder
de sedução
Que leva o homem ao amplexo do amor.
Felizes são aquelas bem
nascidas , saradas,
De corpo esbelto, cheia de
graça e tentação,
Prontas para serem possuídas
e bem amadas,
No doce embalo e todo vigor
da gamação.
Mas por azar, há as que foram sacrificadas
Nos pomos mais lindos do
jardim de Alá,
Para outras, embora livres e intocadas,
Sem charme, e para
quem nada acontece,
Resta ainda o velho adágio segundo o qual
Quem ama o feio, bonito lhe
parece...
A mulher bem feita
È próprio da mulher o sorriso que nada
promete e permite tudo imaginar.
Carlos Drummond de Andrade,
Quem não se extasia diante da
beleza
Estonteante de uma mulher bem
feita?
Essa obra-prima e excelsa da
natureza,
Dotada de curvas na tessitura
perfeita
De um corpo por mão
divina cinzelado,
Que tem o poder de
subjugar seu oposto
Fazendo-o cativo, submisso,
enfeitiçado,
É o supra-sumo, o ápice do bom gosto.
Se ao homem nada
é tão importante
Como essa dádiva generosa do
Criador,
Que não perca tempo, nem um instante,
Para possuí-la com toda
gamação e vigor
Certo de que ela também
anseia e bastante
Por sua fatia no jogo
inefável do amor...
A mulher de barriga
Quando se topa com a mulher
de barriga,
Conseqüência do que fizeram na cama,
Vislumbra-se uma transa aquecida
No inefável embalo de
quem ama.
Para o gozo inigualável e
tentador,
No auge dessa união
festiva - hosana!
Fundem-se dois corpos com
todo vigor,
No inefável embalo de quem ama...
E assim, com o
que fizeram na cama,
Cúmplices e sem reservas ou pudor,
No inefável embalo de quem ama,
Vieram a cumprir o texto bíblico - saravá!
Do crescei e multiplicai- vos
pelo gozo tentador,
Vital e tão prazeroso que
como ele não há...
Don Juan gabolas
Que diabo me importa o tecido social?
Dizia de si mesmo o Don Juan gabolas:
O que me
interessa nesta vida, em especial,
É o prazer do sexo livre, sem enrolas!
E arrematava com jactância
redobrada:
Sempre que nada de
melhor tenho a fazer
Vou ao encontro da mulher amada,
A compartilhar, juntos, tesão e prazer...
Mas tudo soa como prosa do faroleiro loquaz;
No
fundo, se o falastrão tivera de fato tanto furor
Como apregoava, talvez já não fosse capaz
De manter acesa a lamparina do amor
Por falta do azeite
que anima e dá sustança
Ao cabra macho e porreta, sim senhor!...
Guizo
no pescoço do gato
Andavam assaz apavorados os
pobres ratos
Pela inacreditável
esperteza e crueldade
Dos seus vorazes e velhos
inimigos - os gatos
Tanto os do campo, como os da
cidade.
Eles surgiam solertes, traiçoeiramente,
Sem dar-lhes sinal de sua aproximação,
E devoravam-nos com rabo e tudo, de repente
Causando a todos muita tristeza e comoção.
Era mais que preciso buscar, a todo vapor,
Um meio eficaz de contornar a
traição,
E em reuniões acaloradas
vieram a propor
Várias moções, sendo aprovada
por aclamação
A de pôr um guizo no pescoço do gato comedor
Mas, quem seria capaz de cumprir tal missão?
Quanto vale uma saudade...
Esconjuro aquele que, como
dizia,
Foi feliz na vida e não sabia...
Mas, quem ignorou a própria
felicidade,
Essa dádiva da divina
bondade,
De fato não teve uma vida
ditosa
E, movido por presunção
enganosa,
Ao desprezar o que Deus lhe deu,
Passou pela vida e não viveu!
Para o insaciável ou descontente,
Que só festeja aquilo que não tem,
Vindo a alcançá-lo, ainda inconseqüente,
Pelo vezo contumaz da
intemperança,
Encara o suficiente com
desdém,
Por obra e graça da própria
ignorância,,,
Modernistas
Salve o poeta consagrado, de
boa raça,
Modernista genuíno e de elação,
Que transmite ao leitor
sutilezas e graça
Em páginas inspiradas, de
fina emoção.
Todavia, outros se metem a versejar
Também sem metro, nem a
boa rima,
Mas com seus botões passam a devanear
Compondo tudo em linguagem sibilina,
Se é para o próprio deleite, tudo bem.
Mas quando se faz necessário adivinhar
As coisas que no aranzel se contem,
Perde fosfato e tinta quem pretende
Transmitir ao leitor ocupado e arisco,
As idéias vagas que só o
autor entende...
A
mulher bonita e o outro...
Ela
tinha os olhos grandes e bonitos, de cabra tonta.
Guimarães
Rosa.
“Quem tiver mulher nova e bonita
Deve de trazê-la debaixo de olho...”
Disse Guimarães Rosa -
sentença erudita.
A quem não quiser pôr a barba de molho,
Credo! Bastaria desposar mulher feia,
Salvando o privilégio da posse enxuta;
Pois, não tendo em casa uma sereia,
Ninguém correria o risco de uma disputa.
Todavia, se a mulher falseia e prevarica
Saindo
com o outro, melhor é cedê-la
Toda,
todinha, ao gajo que com ela
fica...
Mas diz o traído mantendo
a zinha,
Para consolar-se e espairecer, fazendo
fita:
Puta por puta, fico com a
minha...
A cama na comédia humana
As mulheres sempre exploram a sensualidade
Para se tornarem cada vez mais atraentes;
E na flor e
esplendor de sua feminidade
Tramam para enredar incautos e inocentes.
E todos sucumbem gostosamente
a seus atrativos:
Braços nus, busto
airoso, traseiro arrumado,
E mais os apelos tentaculares e lascivos,
De um colo em decote insinuante e ousado.
Muitas inda usam joias
para mais enfeitiçar,
E seus vestidos colantes, como se a despissem
Revelam o corpo na
sua atração sem par.
É o doce sortilégio que leva todos à cama
Para o seu papel
vital desempenhar
No inefável mistério
da comédia humana...
Para finalizar esta parte...
O
autor, como sonetista retardado, melhor dizendo bissexto, agradece,
sensibilizado, aos leitores e amigos que o acompanharem até aqui, lendo estes pobres versos outonais.
Este
é o prêmio que espera alcançar. Se o conseguir, felicito-me por ter lavrado um
tento, assim como o jogador que conseguiu marcar um gol .
Para
recompensá-los por tal generosidade, reservamos algo superior para o final
deste volume. Ao mesmo tempo estamos
reverenciando à memória de três luminares das nossas letras, ao transcrever
aqui magníficos poemas de sua autoria .
Primeiro poema
Do
caro e saudoso amigo, - Desembargador
Antônio Pedro Braga, temos o belo poema
que se segue.
O São Francisco
Não há nem pode haver quem, deste outeiro,
Ao ver de perto o Nilo Brasileiro,
Não sinta, como eu,
A emoção desse deslumbramento
Que empolga e eleva a alma, num momento,
A esplêndido apogeu.
Aqui vim ter, meu doce rio amigo
Para te ver,
sentindo-te comigo
Como sempre almejei
Desta tua barranca tão famosa
Contemplo a atua grandeza portentosa
Que descrever nem sei.
Rompendo em Casca d´Anta, murmuroso,
És bravo já, oh! Rio impetuoso,
Que avanças para o mar.
Nascendo já com ares de gigante,
Caminhas firme, altivo e dominante,
Como rei milenar.
De aquém, pelo planalto extenso e vário,
Vens rolando em socalcos de calcário
Em rumo do sertão.
Coleias pelo dorso da chapada,
Qual sucuri gigante e prateada
Na
imensa solidão.
Mil correntes penetram-te a entranha;
O das Velhas, o Verde, o Carinhanha
Teus tributários são.
Em tuas águas desliza o surubi,
Em tuas margens verdeja o buriti
De espalmado pendão
Despencas com fragor a tua corrente
Do imenso pedestal.
E espumas, com estrondo, no granito,
Bramindo, como em cósmico conflito,
No salto colossal.
Do Amazonas não tens a calha imensa
Nem a forte e
brutal floresta densa
De
rica seiva plena.
Não tens do Minho luso o curso ameno,
Os castelos feudais do velho Reno
Nem pontes como o Sena.
Em tuas águas, porém, rola a memória
De mais de quatro séculos de história
Honrada e varonil.
E és, na Pátria
amada do Cruzeiro,
Entre todos os rios o primeiro,
Orgulho do Brasil
Na ousada tessitura das
bandeiras
Uniram-se as terras brasileiras
Ao longo da tua pista.
E foste, da unidade nacional,
O fator soberano e natural.
Na fase da conquista
Esta lua mineira
em tua corrente
Refletida, poética e dormente,
A mim me faz pensar
Na calejada mão dos teus vaqueiros
No sofrimento destes barranqueiros,
Heróis do labutar.
Cansados já de tanta e vã peleja
Despegam-se da riba sertaneja
E emigram para o sul.
Limpa deles, Senhor, as cicatrizes!
Dá que vivam, meu Deus, aqui, felizes,
Sob este céu azul!
Embora, a força do progresso, um dia
Irrompendo por toda a tua bacia,
Há de trazer aqui
Os elementos de felicidade:
O
pão, a paz e a tranquilidade
Que em teu vale não vi.
Deixa-te, pois, estar e não lamentes
Que o futuro repousa em tuas
vertentes
Oh! meu rio cristão.
Serás, neste planalto de verdura,
O rio da esperança e da fartura
Do homem do sertão.
Como se vê, este
poema não é apenas uma composição antológica, que se expressa e
encanta na feição de sua bela e inspirada tessitura, transmitindo ao leitor a
imagem viva dessa dádiva da Natureza, tão majestosa em si mesma, e tão generosa
nas suas potencialidades.
Se esse admirável
poema fosse tão somente o hino de amor
ao Velho Chico, ao louvar e festejar a glória de sua existência milenar,
a suntuosidade de seu porte sobranceiro, a virtuosidade de seus saltos de vigor
e energia e a impetuosidade de suas águas a rasgar, soberano, o território do
sul ao norte, para gerar vida e
fecundidade até lançar-se ao mar, sendo testemunha ocular da História de
um povo – já teríamos a consagração do
autor como poeta de primeira água.
Todavia, o autor,
além de expressar-se como poeta genuíno, teve a visão profética ao antever um futuro promissor para as populações
ribeirinhas do Velho Chico, ironicamente ainda deserdadas da sorte, por
carência de meios para o aproveitamento
dos seus recursos hídricos. Eis que
exorta:
Deixa-te, pois, estar e não lamentes
Que o futuro repousa em tuas vertentes
Oh! meu
rio cristão.
Serás, neste planalto de verdura
O rio da esperança e da fartura
Do homem do sertão.
Segundo poema
Vejamos agora, do
grande e insuperável Machado de Assis, -
dono de estilo inconfundível e um dos
maiores nomes da literatura da língua portuguesa - o notável poema que chegou a criar a imagem da pessoa à qual
foi inoculada uma idéia visionária, ou a ilusão
de um sonho dourado.
Ei-lo:
A Mosca Azul
Era uma mosca azul, asas de ouro e
granada,
Filha da China ou do Indostão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa
encarnada
Em certa noite de verão.
E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua, - melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.
Um poleá
que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
“Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?”
Então ela, voando e revoando, disse:
“Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças. o padrão das eterna
meninice,
E mais a glória, e mais o amor.”
E ele deixou-se estar a contemplá-la,
mudo,
E tranquilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de
tudo
Sem comparar, nem refletir.
Entre as asas
do inseto, a voltear no espaço,
Uma coisa lhe pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um
paço,
E viu um rosto, que era o
seu.
Era ele, era um rei, o rei da Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada do corpo de Visnú.
Cem mulheres em flor, cem nairas
superfinas
Aos pés dele, no liso chão
Espreguiçam, sorrindo, as suas graças
finas,
E todo o amor que têem, lhe dão.
Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios.
Com grandes leques de avestrus,
Refrescam-lhes
de manso os aromados seios,
Voluptuosamente nus.
Vinha a glória depois: - catorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.
Mas o melhor de tudo é que no rosto
aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.
Então ele, estendendo a mão calosa e
tosca,
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.
Quis vê-la, quis saber a causa do mistério;
E, fechando-a na mão,
sorriu
De contente, ao pensa que ali tinha um
império,
E para casa se partiu.
Alvoroçado
chega, examina e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.
Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte,
que ela,
Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaíu-se-lhe
aquela
Visão fantástica e sutil.
Hoje, quando ele aí vai, de aloé e
cardomo
Na cabeça, com ar taful,
Dizem que ensandeceu, e que não sabe
como
Perdeu a sua mosca azul.
Terceiro poema
Por ultimo, temos a fulgurante poesia de Olavo Bilac - referido como o príncipe dos
poetas brasileiros.
Antes,
porém, vejamos um ligeiro comentário sobre célebre episódio
em que se inspirou o vate, numa fase em que sua poesia se impregnava de
erotismo, mas em estilo elevado e brilhante.
A
frase cherchez la femme, que sintetiza tema inesgotável da
dramaturgia, nos lembra que, a despeito
da inferiorização da mulher , ela em
todos os tempos teve o condão de monopolizar a atenção e o interesse dos
homens, a ponto de atribuir-se a ela
toda a responsabilidade por tudo que acontece de mal, em função de seus
irrecusáveis atrativos e beleza.
Uma
das mais famosas cortesãs gregas, Friné, formosa em extremo, que viveu no
quarto século antes de Cristo, certa vez, no
festival dedicado a Afrodite,
desfez-se de suas vestes e caminhou totalmente
nua para o mar, diante da
população inteira de Elêusis.
Praxiteles o grande escultor,
achava-se entre os presentes e mais tarde tomou-a como companheira. E
inspirado na perfeição de suas formas
harmoniosas e belas, veio-lhe a inspiração para esculpir
as estátuas da deusa Afrodite (Venus, para os romanos), tendo-a como modelo. Assim, deu
ao mundo obas-primas da arte grega: Afrodite de Téspias, Afrodite de Cós
e Afrodite de Cnido, a mais célebre, com
réplicas no Museu do Vaticano, na Galeria de Arte de Firenze, no Louvre, em
Paris, e no Museu de Munchên.
Ela
foi amante também de potentados
atenienses, dos quais auferiu riqueza, tendo oferecido sua fortuna para
construir os muros de Tebas.
Num
dos julgamentos mais célebres da história, Friné, ou Frineia, foi acusada de
causar a ruína de vários nobres de Atenas. Hipérides, na defesa, lançou mão de muitos argumentos, para
inocentá-la, mas os juízes estavam decididos
a condená-la definitivamente. Então, como último recurso, o advogado dirigiu-se
ao Aerópago, onde se encontrava Frineia
e, num gesto heróico arrancou-lhe toda a roupa, deixando-a completamente nua, diante da multidão atônita
e surpresa. e pasmando subitamente os Juízes deslumbrados.
Foi o Triunfo da Beleza!
Uma
enciclopédia espanhola resume, assim, seu verbete alusivo a Friné: Cortesana
griega del s. IV a. de J.C., famosa por su hermosura, que fué amante de Paxiteles,
al que sirvió de modelo para sus estatuas de Venus. Acusada de impiedad, fué desnudada por su defensor, el
orador Hipereides, ante los jueces, y,
admirados éstos de su belleza, la absolvieron por unanimidad. Este hecho fué
debido a que los griegos creían en la correlación etre la belleza coporal y la
espiritual, y, por tanto, Friné no podia
ser culpable del delito que se le imputaba.
Narrando
magistralmente esse episódio, Olavo Bilac compôs o magnífico poema que se segue:
O Julgamento de Frinéia
Mnezarete, a divina, a pálida Frinéia,
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxíteles,
De Hiperides à voz e à palheta de Apeles.
Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.
Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis...
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo...
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, - e a seus pés roja-se humilde Atenas...
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça,
cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa...
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:
"Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! É má!" (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
"Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!"
Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma...
Mas, de pronto, entre a turba Hiperides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige... O Areópago não cede.
"Pois condenai-a agora!" E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca...
Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frinéia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza .
Comparece ante a austera e rígida assembléia
Do Areópago supremo. A Grécia inteira admira
Aquela formosura original, que inspira
E dá vida ao genial cinzel de Praxíteles,
De Hiperides à voz e à palheta de Apeles.
Quando os vinhos, na orgia, os convivas exaltam
E das roupas, enfim, livres os corpos saltam,
Nenhuma hetera sabe a primorosa taça,
Transbordante de Cós, erguer com maior graça,
Nem mostrar, a sorrir, com mais gentil meneio,
Mais formoso quadril, nem mais nevado seio.
Estremecem no altar, ao contemplá-la, os deuses,
Nua, entre aclamações, nos festivais de Elêusis...
Basta um rápido olhar provocante e lascivo:
Quem na fronte o sentiu curva a fronte, cativo...
Nada iguala o poder de suas mãos pequenas:
Basta um gesto, - e a seus pés roja-se humilde Atenas...
Vai ser julgada. Um véu, tornando inda mais bela
Sua oculta nudez, mal os encantos vela,
Mal a nudez oculta e sensual disfarça,
cai-lhe, espáduas abaixo, a cabeleira esparsa...
Queda-se a multidão. Ergue-se Eutias. Fala,
E incita o tribunal severo a condená-la:
"Elêusis profanou! É falsa e dissoluta,
Leva ao lar a cizânia e as famílias enluta!
Dos deuses zomba! É ímpia! É má!" (E o pranto ardente
Corre nas faces dela, em fios, lentamente...)
"Por onde os passos move a corrupção se espraia,
E estende-se a discórdia! Heliastes! condenai-a!"
Vacila o tribunal, ouvindo a voz que o doma...
Mas, de pronto, entre a turba Hiperides assoma,
Defende-lhe a inocência, exclama, exora, pede,
Suplica, ordena, exige... O Areópago não cede.
"Pois condenai-a agora!" E à ré, que treme, a branca
Túnica despedaça, e o véu, que a encobre, arranca...
Pasmam subitamente os juízes deslumbrados,
Leões pelo calmo olhar de um domador curvados:
Nua e branca, de pé, patente à luz do dia
Todo o corpo ideal, Frinéia aparecia
Diante da multidão atônita e surpresa,
No triunfo imortal da Carne e da Beleza .
Apêndice
Abastado cidadão da alta sociedade mandara seu melhor carpinteiro fazer primorosa estante para a biblioteca de sua
bela mansão, na qual seriam exibidos os livros ricamente encadernados, de
lombadas vistosas, com o título da obra e o nome do autor gravados a ouro.
Mas as
prateleiras do móvel se excederam, em espaço, às vistosas coleções já adquiridas.
Por isso teve que encomendar mais tantos centímetros de livros para encher os
espaços vazios...
Por sua vez, este modesto escriba, ao elaborar este
volume com seus poemas outonais, houve
por bem engordá-lo ao final com alguns contos, para que o livro não
ficasse tão magro como um pífio folheto.
Além disso, veio-lhe à mente o velho
adágio, segundo o qual, quem não tem jeito para a poesia, que se contente com a prosa...
E agradece a boa acolhida.
Percalço eleitoral
Logo que foi inaugurado o novo Clube da cidade, a Diretoria nomeou uma Comissão
composta de cinco membros associados, da qual tomei parte, para a
organização de sua Biblioteca.
Era um clube social, não esportivo, mas com muitas
opções de lazer e entretenimento. Além do amplo e bem mobiliado salão para bailes, com palco para espetáculos, e amplo auditório para conferências e palestras,
tínhamos o scotch bar, salões para
bilhares, bingos e outros jogos, tudo
com excelente decoração; e até copa e
cozinha. Por assim dizer, um
Clube completo, que era o orgulho da cidade.
Faltava apenas a Biblioteca, já com amplos
espaços reservados, incluindo
anexos para leitura e televisão. As
prateleiras , de madeira entalhada, e o mobiliário adequado, já estavam prontos. A Comissão
ficou encarregada de receber as doações espontâneas ou em espécie, realizar
eventos artísticos e outras promoções para levantamento de fundos, fazer a
seleção e aquisição de obras de autores de nomeada, nacionais e estrangeiros, e
ainda providenciar a encadernação dos livros
ainda em brochura e a informatização da
Biblioteca.
Havia, portanto, muito por realizar, e a Comissão se
reunia quinzenalmente, à noite. Muitas vezes as reuniões se estendiam como
verdadeiras tertúlias, no curso das quais, se servia o chamado chá literário, com
a participação de outros associados.
O Edgard , membro atuante da Comissão, era um
comerciante comunicativo e muito bem relacionado na sociedade local. Dele podia-se dizer, um cidadão pacífico e
respeitado.
Mas um belo dia ele apareceu-nos no Clube penso de um
lado ao peso de algo volumoso sob a aba do seu jaquetão. Naturalmente despertou
com isso a curiosidade de todo mundo.
- Que negócio é esse Edgard? -
perguntou alguém.
E ele não se fez de rogado, abrindo o seu paletó, para
mostrar um tresoitão, cabo de
madrepérola.
“ O caso é simples e complicado - iniciou ele a sua história - Vocês todos sabem que nunca
fui político. E tenho até certa prevenção contra essa atividade que vem sendo
exercida por velhacos, aventureiros; uma corja de corruptos, que deslavadamente só visam o interesse próprio.
É claro que há exceções honrosas, mas
geralmente as pessoas de bem se esquivam
de competir com essa cambada de aproveitadores que está
por aí e que nos causa
vergonha...
Mas acontece que dei ouvidos a alguns amigos que, numa campanha de renovação do
nosso legislativo, instaram a que eu me candidatasse ao cargo de vereador de
nossa cidade. De princípio não admiti essa idéia. Todavia, tanto me falaram a respeito da necessidade da
moralização dos nossos costumes políticos, que acabei me acedendo, ingenuamente, a essa aventura que, de resto, só está me
trazendo aborrecimentos inaudíveis, além
de despesas imprevistas..”
- Mas afinal, por que esse trinta e oito na cintura, a uma hora dessa?
Que está acontecendo? - inquiriu outro companheiro.
“ Estou arrenegado de dois casos, que seriam apenas cômicos, se não envolvessem
certa dose de tragédia - prosseguiu ele. -
Vejam bem. Uma vez que foi oficializada a minha candidatura, passei a receber apoios que me deram
satisfação pessoal e a expectativa de vitória. Cheguei a me entusiasmar com a
minha suposta popularidade. Mas depois, dentre tais apoios, dois deles só
me trouxeram desapontamento e
preocupações. Acho que caí numa esparrela dos diabos! Estou sendo explorado por um, e ameaçado de morte
pelo outro. Tenho que me defender como posso e
aonde quer que eu vá...
No primeiro
caso, um meu freguês da zona rural procurou-me na loja para dizer, em
princípio de conversa, que adorou a minha candidatura e que todos os votos de
sua família eram meus E a seguir acrescentou
que ali viera para oferecer-me um comício em sua propriedade, na qual
tinha uma venda, freqüentada por muitos amigos da redondeza, eleitores que seguiam a sua orientação... Se eu
concordasse, bastava marcar a data,
preparar o discurso e ele providenciaria tudo mais.. Para animar a festa,
haveria uma cervejada, fogos de artifício e um churrasco. Para isso ele mataria uma vaca...
Na verdade, o tal comício foi um sucesso. Muito
concorrido. Comes e bebes à vontade e muita animação. O cara, jeitoso e falante como ele só, fez até um
discurso, me cumulando de elogios. Só faltou dizer que eu era santo... Mas alguns dias depois da farra ele voltou a
procurar-me na loja, para cobrar o preço
super-faturado da vaca e das bebidas... E entre dentes dizia ter sacrificado o
leite das meninas, pois a vaca era a única que ele possuia...
Caí das nuvens. Fazer o que? Tive
que engolir a seco e pagar a conta.
Mas esse caso não foi o único. O pior veio depois.
Outro freguês, por sua vez, procurou-me depois, com
oferecimento semelhante. Já escaldado e escolado como estava, deixei que o
homem falasse. Disse-me ele que tinha
visto meu retrato e minha plataforma política no jornal, que apreciou o
meu empenho de disputar a eleição e que
desejava apenas colaborar, apoiando os
bons candidatos. Oba! - pensei
com meus botões: até que enfim arranjei um correligionário desinteressado. Ele
não se propôs abater vaca nenhuma para
churrasco, e isso me animou, foi um alívio. Ainda assim, meio desconfiado,
mas precavido e de olho aberto, pedi que me informasse, prèviamente, se haveria alguma despesa que devesse correr
por minha conta. Com surpresa, respondeu-me ele que não, acrescentando apenas
que, se eu quisesse, poderia levar alguns
foguetes, para abrilhantar a festa. Depois dos discursos haveria apenas um forró, de que
o povo tanto gosta, e o sanfoneiro nada cobraria.
Conclui que esse freguês era um homem de boa fé, e
tenho a impressão de que assim procedia, porque algum dia, na loja, eu teria
lhe prestado um favor qualquer, ou mesmo
uma simples gentileza. Como vocês estão vendo, esse caso foi bem diferente do
outro. O forró foi de fato muito animado, tinha muitas moças bonitas e varou a
madrugada...
Mas, por
gentileza e só para demonstrar o
meu reconhecimento, pensando em prestigiar a família do dono da casa, com todo respeito tirei a mulher
dele, (uma coroa até simpática e muito dada), várias vezes
para dançar, sem perceber que
estava causando o feroz ciúme do
marido.. Foi ai que o caldo entornou.
Por causa disso, segundo fui advertido, o ferrabrás, puto da vida, instigado
por fofoqueiros, adquiriu uma pistola para lavar a sua honra tão exigente, e quer me matar!...”
A Flor do
Pântano
Quando recentemente conheci Darliene, uma morena sarada, no esplendor de
seus dezesseis anos, fiquei sabendo que ela era irmã de João Paulo, o garoto
que um dia, cerca de quatro anos atrás, se identificou a mim como trazedor do
almoço para o meu amigo Joaquim, o
carroceiro que me fornecia areia, apanhada do rio, para obras na Jurema.
João Paulo me disse que Joaquim era seu vizinho e
padrinho. E ao referir-e a ele com certa dose de familiaridade e respeito,
convenceu-me do seu caráter dócil e
afável . Eu gostei de seu
temperamento jovial e de sua espontaneidade, e desde então tornamo-nos
bons amigos. De vez em quando na rua, quando eu passava de carro, ele me
acenava e eu parava para cumprimentá-lo
e dar-lhe uns trocados, lembrando-me dos tempos em que, ainda criança, eu também gostava de ganhar
um dinheirinho de algum parente.
Darliene e João
Paulo são filhos de Do Carmo, mas não do mesmo pai. Do Carmo é uma
mulher parda de pele lisa, um pouco
gorda. Ela aposentou-se como desassisada, vive ao léu, perambulando pelas
ruas, e pode-se imaginar que não é dos mais organizados o dia-a-dia de sua
família. Noutros tempos, com os atrativos próprios da mocidade, foi uma
cabrocha arrumada e boa parideira. Mas hoje, inteiramente largada, foi-se o
tempo em que era requestada.
Curioso é que,
apesar de um tanto airada, seu instinto maternal é aguçado, como o das vacas paridas de novo.
Com suas doidices, certa vez me pediu ajuda, porque estaria alguém
tentando tomar-lhe um dos filhos, ou
filha. Na época tranqüilizei-a, garantindo que ninguém podia fazer isso, e ela
se acalmou.
Mas Darliene,
que não recebe dela bons tratos nem tantos mimos, vive mais com a
vizinha, que lhe proporciona o
afeto maternal que lhe falta em casa.
Além de Darliene e João Paulo, Do Carmo tem outros filhos e filhas,
uma ninhada, de pais diferentes e até desconhecidos. A filha mais velha é quem recebe o benefício da
aposentadoria, para o seu sustento e pequenas despesas.
Darliene, dócil e inteligente, de aspecto agradável,
herdou da mãe alguns traços fisionômicos, mas bastante melhorados. É produto
apurado. Morena de corpo esbelto, silhueta elegante, busto bem proporcionado,
lábios e dentes perfeitos, é dona de um sorriso franco e charmoso. No conjunto,
é uma afrodite digna de ser perpetuada no mármore.
Com tais atributos, perguntei-lhe se tinha coragem de
posar nua para a revista Playboy e ela
respondeu que não. Mas deixou escapar um
sorriso enigmático, além do brilho diferente nos olhos, como quem sonha
com algo intrigante, desconhecido e temeroso, mas fascinante... Ela tem
trabalhado ocasionalmente em eventos sociais e
tem queda para isso. E como tal, não passa despercebida dos convivas, de
olho nela.
Apesar de sua plástica feminil e sensual, ela prefere os divertimentos próprios dos
homens. Por exemplo, gosta de jogar futebol e de sinuca, passando horas
acertando as bolas que rolam no pano verde, ao tentar encaixá-las na bolsa. Gosta, também, de tomar banho no rio,
no açude, em contato direto com a natureza, para sentir na própria pele
bronzeada as carícias de uma brisa camarada.
Um mancebo
abelhudo, fanatizado pela perfeição de suas formas, conta que não
resistiu à tentação de ir espiá-la ao banho, de longe, escondido numa moita de
assa-peixe... Com a respiração
entrecortada, viu-a emergindo das águas com a anágua colada ao
corpo...
Certamente, de biquíni faria boa figura numa piscina,
ou na praia, e despertaria os olhares cobiçosos dos homens.. E não se sabe até
quando ela resistiria aos assédios a que
se expusesse.
Do Carmo e
filhos (ela não tem um companheiro permanente) moram numa casa modesta,
em bairro da periferia. No seu ambiente doméstico, com algumas carências e pouco
conforto, falta uma boa orientação e mais autoridade materna no quotidiano e encaminhamento dos filhos.
Enfim, com um comando à matroca, frouxo, o matriarcado não funciona a contento.
Darliene e seus irmãos têm baixa escolaridade, não
gostam de estudar, sobrando-lhes mais tempo para o a ociosidade. Mas, salve-se
o instinto da vida, apesar de tudo.
Eu quis saber quem era o seu pai. Respondeu-me que não
o conheceu e acredita que nunca o viu, nem lhe interessa vê-lo. Mas
disseram-lhe que era filha de um tal de Federal. E, por isso, chamavam-na também
de Federal.
Em tais condições, pode-se dizer que Darliene, bonita,
saudável, de temperamento sereno, sem traumas ou complexos aparentes, é como
uma flor pura e viçosa que nasceu ao acaso, no pântano.
O fato é que, se de um lado o pai sequer tomou conhecimento
da existência da filha, por outro lado ela jamais sentiu a falta dele, isto é,
se praticamente nunca o teve, também não experimentou a sensação de perdê-lo,
ou o desejo de identificá-lo, ou reivindicá-lo.
É provável que
Federal, a exemplo de outros parceiros de Do Carmo, teve com ela, em algum
canto, uma relação libidinosa apenas
instintiva e ao acaso, como acontece
com os animais. Não se sabe onde, nem como, mas o suficiente para
enxertá-la. Nenhum comprometimento disso resultou. E Darliene, nascida
desse acasalamento fortuito,
não teve a oportunidade de qualquer convivência com o pai. E se ela
algum dia chegou a vê-lo, não tomou ciência
disso.
Eu conheci Federal como vendedor de alavancas,
mas não sabia que ele tinha esse apelido. Quem acidentalmente mo revelou foi o
meu amigo Minervino - o açougueiro - que conhece todo mundo. Mas até hoje não
sei qual é o nome próprio de Federal,
nem porque ele ganhou tal apelido.
As alavancas que ele vendia, muito apropriadas para serviços na roça, compunham-se de uma
haste, mais ou menos comprida, de ferro oitavado (a que chamavam de
barra-mina), soldada a uma lâmina de aço temperado, feita de molas de caminhão,
tendo na base o gume bem afiado.
Eram um tipo de ferramenta muito bom, de produção limitada, do tamanho adequado
para abrir buracos; uma especialidade dele (made by Federal) e não se
encontravam à venda nas lojas. Ele mesmo as vendia na rua, ou a
domicílio, a adquirentes habituais -
eu inclusive. Eis porque, para
muitos dos seus fregueses, Federal era
mais conhecido como vendedor de
alavancas.
De certa forma essa ferramenta veio a simbolizar a
eficiência genesíaca de Federal, ao alavancar, na descuidada Do Carmo, um
produto tão bem acabado, embora feito ao acaso.
Não me lembro bem
da última vez que o vi e lhe
comprei a ferramenta, mas isso já faz alguns anos.
Não sei do que
foi feito dele. Provavelmente já morreu. Era um tipo meio desajeitado, rosto ligeiramente
alongado, altura mediana, magro, braços descarnados e rijos, lábios de rebordo, lembrando a boca de peixe, ou uma salsicha fina. Mas boa pessoa.
Quero crer - mas disso não tenho certeza - que Federal
foi o menino que Dinha Nena criou e que
conheci quando eu morava fora. Ele era
então um rapazote calado, quase sempre de pés no chão e calça arregaçada até o meio da canela, de boa índole, meio arredio e muito
prestativo. Servia para dar recados, entregar leite e varrer a casa, além de
outros afazeres domésticos.
Entretanto, por longos anos não me lembrava dele, seja como possível
serviçal de minha mãe, seja como vendedor de alavancas.
Só recentemente, ao conhecer a sua filha, - que saiu mais à mãe, - é que, especulando,
recompus a memória e veio-me à mente sua fisionomia, envolta em considerações
sobre o enigmático sentido da vida e o
imponderável destino das pessoas. Fiquei admirado de ser Darliene sua filha...
Afrodite, a deusa do amor que emergiu das ondas do
mar, segundo a mitologia greco-romana, é o ideal da beleza feminina, e foi descrita na Ilíada com o sortilégio de”transformar
todos os mortais e os deuses pelo desejo”.
Darliene, que nasceu de uma relação sexual, marcada
pelo instinto animalesco de seus pais,
veio ao mundo sob o signo desse ideal de beleza - beleza que decerto não
herdou de seu pai, para tornar-se alvo
do desejo ardente dos homens.
Se ainda é virgem? É provável que não, pois na sua
idade, com os atributos de sua feminilidade, e seus
atrativos sensuais, não lhe teriam faltado, além da curiosidade instigante das donzelas bem
nascidas, os apelos da carne, nem a
oportunidade para uma fugaz
aventura romanesca, e muito menos ainda
quem lhe tentasse, sedutoramente,
experimentar as delícias do fruto proibido.
Mas, em
qualquer hipótese, tudo indica
que ela, com total discrição
e senhora de sua conduta pessoal, ainda
se mantém nos limites da ponderação e do
recato.
Certamente, um dia se entregará, prazerosamente e
sem reservas, àquele que a tomará
por esposa, ou por sua amante, seja para
valer, em caráter definitivo, como merece, ou transitório, como aconteceu com sua mãe. Afinal, é mulher...
Se tiver sorte, atraído por sua plástica e moreneza,
por sua exuberância e docilidade, terá o
companheiro ideal, que lhe proporcionará
tranqüilidade e conforto, em troca dos
prazeres que é capaz de lhe prodigalizar. Se não, cumprindo um destino implacável, como objeto do prazer e
sempre cobiçada pelo bicho homem, poderá ficar como joguete, de mão em mão, sem
rumo certo, até que o tempo e as asperezas da vida federal se
encarreguem de desgastá-la. E fatalmente
fenecerá como as flores do
pântano...
O Anel de Madame
Juro que o Zu não era e nunca foi um tipo vulgar,
desses desenxabidos, reles e
arapuqueiros, tão encontradiços nas pequenas
cidades do interior. Ao contrário, sempre foi um sujeito lealdoso, arrumado (vestia-se
bem), alegre e de boa paz. Qualquer um poderia pôr a mão no fogo por sua
retidão e compostura. Os fados é que às vezes lhe pregavam uma peça.
Pertencia ele à família dos Biscoitos, apelido que se transmitia de pais a filhos e que
configurava uma homenagem um tanto
maliciosa a seu bisavô Rafael Luiz de
Campos, pasmem, só porque ele gostava
muito de biscoito... É certo que os
descendentes não se conformavam muito com essa alcunha, inda mais porque, só
para tesar, maldosamente ainda a deturpavam para Biscoito de Sebo... Mas o Zu não estava nem aí por essas irreverentes ninharias.
Com efeito, ele era um cara espirituoso, brincalhão e
finório. Sabia sair-se bem das encrencas involuntárias. De certa forma, lembrava
a figura lendária de Degas Maciegas, que
“pisa na folha e não escorrega” - como
antigamente se dizia no jargão popular -, e as aventuras do famoso Pedro
Malasartes, personagem que desfrutou de invejável simpatia popular.
Suas ladinezas, se assim podemos dizer, eram limpas,
sem a intenção de engambelar a quem quer
que seja. Dele, na pior hipótese, poder-se-ia
dizer que foi um trambiqueiro honesto, já que, sem ser ingênuo, não
botava maldade nas coisas.
Se não teve a sorte de nascer de pais ricos - em berço
de ouro, como se diz - nem de ter
amealhado bens de fortuna de seu trabalho, todavia conseguia manter um trem de
vida razoável, contentando-se com o suficiente, ajudado pela esposa, que era
professora. Aliás, é bom que se diga, ela foi a minha primeira professora.
O traço marcante do seu caráter foi a sua veia de
bom humor. Aos amigos ele contava coisas do arco-da-velha, de sua vida prosaica, aventureira.
Macio e espontâneo, todo mundo gostava de ouvi-lo e se
divertia com as suas façanhas. Um misto de Bocage e do famoso barão de
Munchhausen.
Não digo que foi o meu tipo inesquecível, só meu,
porque não é justo monopolizar um direito que é de todos os que tiveram o privilégio de conviver com ele,
ou mesmo apenas de conhecê-lo de perto.
Muito dedicado à família, quando ainda morava na sua
cidade natal, criava uma vaca malhada da raça holandesa e mansa como um cão, só para dar leite aos filhos. A bem dizer,
ela era a mãe de criação deles.
Certa vez,
tinha chovido muito, a vaca estava do outro lado do rio e este, sem ponte, pegara uma cheia e não dava passagem a vau. Mas ele foi buscá-la assim mesmo, passando pela
pinguela que o Sr. Schimidt mandara fazer. Laçou o animal pelos chifres e, para voltar, galgou aquele
tronco que servia de ponte e puxou-o para atravessar o rio a nado. Mas a forte correnteza levou a vaca rio abaixo e ele, levado pela corda enrolada no
braço, despencou de lá de cima, para um mergulho nas águas revoltas.
Foi salvo pela própria vaca amiga que,
saindo na outra margem, o arrastou pela corda...
Algum tempo depois, com a família, transferiu-se,
de armas e bagagem, para Montes Claros,
onde montou uma pensão monitorada pela esposa, que praticamente cuidava de
tudo, ficando o marido a cargo das
relações públicas.
Ali vieram a ter a
preferência dos
caminhoneiros e demais
conterrâneos que demandavam a capital do Norte de Minas. A casa era antiga mas,
com suas instalações adaptadas e em
ponto central, era razoavelmente confortável e todos os seus hóspedes se compraziam do excelente
passadio. A comida era preparada em extenso
fogão de lenha.
Naquela cidade,
conhecido e conhecendo todo
mundo, o Zu desfrutava de enorme
popularidade, tornando-se uma figura
quase folclórica por suas brincadeiras e trato amigável..
Tanto me falaram daquela pensão - uma espécie de consulado de minha terra natal -, que
certa vez, de passagem pela cidade, fui visitar o Zu e minha professora Nicó,
velhos amigos.
Foi um encontro muito agradável e o Zu se excedeu em gentilezas. Eu já tinha jantado no
hotel em que me hospedara, mas ele não
acreditou. Como já tivesse passado da hora, ele mandou buscar num restaurante
próximo uma refeição completa para mim. E ele ainda foi à cozinha
para trazer um vidrinho de óleo
de pequi, para “adubar a comida”, como
disse.
Naquela noite, para não decepcioná-lo, acabei jantando
duas vezes! Mas não ficou só nisso. Ele
mandara vir um cara seu amigo,
violonista e seresteiro, que me brindou
com modinhas românticas do repertório
sertanejo.
Quanta honra para um
pobre Marquês! - confabulei com meus
botões...
Contaram-me depois um caso interessante desse meu
amigo, sempre brincalhão.
Uma senhora da sociedade local teve sua residência
assaltada por um larápio que levou-lhe
as jóias, inclusive um rico anel de brilhante. A Polícia foi acionada e estava
cuidando do caso.
Naqueles dias
um cara de fora havia abordado o
Zu, para vender-lhe um anel, -
que dizia ter pertencido a sua avó -, ignorando, talvez, o valor da jóia. O cara,
fingindo de simplório, tinha uma lábia tão apurada que o Zu acreditou nele.. E
de boa fé, sem saber do roubo, acabou fechando o negócio, a preço de
banana. O pior é que andou a
comentar a aquisição, com diversas pessoas..
O Delegado soube disso e, para averiguações, mandou convocar o nosso amigo, que compareceu à Delegacia, já
desconfiado do que se tratava.
Tendo ouvido falar das artimanhas do Zu, e procurando
amenizar as coisas, para facilitar a solução tranquila do caso, o Delegado disse que a Madame Tal havia perdido um anel, e contaram-lhe que ele, Zu, havia achado um na rua. Era
verdade?
- É verdade, Dr.Delegado - respondeu, e metendo a mão no bolso tirou dele um anel, que
entregou ao Delegado, perguntando-lhe: - será este?
Surpreso, ao recebê-lo, vendo que era apenas a
garra, o Delegado disse já em tom
incisivo:
- Sim, deve ser, mas cadê a pedra dele?
- A pedra ... eu
perdi, Dr....
- Perdeu? Não
pode ter perdido! Como explicar isso?
- Ora, Sr. Delegado, eu perdi a pedra. E essa Madame aí não perdeu o
anel com pedra e tudo?
O homem de fato dava nó em pingo dágua...
O Casamento de Manoel Sinhô
Isso aconteceu há muitos anos. Naquele tempo, em Lençóis do Rio Verde, os casamentos eram aguardados
e festejados com muita badalação,
principalmente quando o pai da noiva era
homem de posses e o casamento lhe fazia o gosto.
Assim, quando os noivos eram de famílias mais
importantes, as solenidades civil e religiosa realizavam-se na residência dos
pais da noiva, perante o Juiz e o Padre, que
para ali se deslocavam. Nas
cerimônias, o Juiz quase sempre era
lacônico, e falava o estritamente necessário, conforme a lei. Mas a prédica do
Padre celebrante era proporcional ao prestígio das famílias envolvidas. Algumas
vezes, após o ato religioso, os
convidados espargiam arroz à passagem dos nubentes, augurando-lhes prosperidade e alegrias.
Seguia-se a recepção, com felicitações aos recém casados. E depois, lauto
jantar.
O melhor era quando a cerimônia religiosa se realizava na
Igreja e a festa era na roça, onde nunca faltava um animado forró,
seguido de quadrilha, ou contradança, sem faltar os comes e bebes, - churrasco, leitão assado,
quentão e pinga da boa, como convém. Dançava-se até ao raiar do dia seguinte.
Mas, no caso de Manoel Sinhô, a coisa foi mais
simples. Simples e diferente, a exemplo do que aconteceu quando se casou o seu irmão
Joaquim Cachorrinho, também gente
boa, modesta, trabalhadora
e de
bons costumes e cuja noiva, ainda muito jovem e inexperiente, fugiu
apavorada na noite de núpcias.
Manoel Sinhô, já avançado em anos, era homem meio
rude e curtido de sol, falante,
camaradão e raparigueiro. Ao ficar viúvo, ainda esquentado e assanhado nos
forrós, vivia arrastando azas por mulheres, como galo de terreiro, parecendo um
verdadeiro Sátiro. Para os desocupados
filhos da Candinha, valia a pena ver se Manoel Sinhô ainda dava no couro...
Puseram-lhe na
cabeça que, com tanto fogo nas veias, devia casar-se novamente e até lhe
arranjaram a noiva. Era a filha mais velha de Tião Pescoço.
Ela, madurona e acanhada, tinha caído no barricão, pois quase todas as suas irmãs mais novas, umas
até bonitinhas, tinham-se casado, e ela
não, embora vivesse sonhando com os esponsais, apegada a Santo Antônio, o Santo
casamenteiro.
O fato é que a
moça, virgem, casta e pura, se não era um tanto de se jogar fora, embora encarquilhada e só afeita às lides
domésticas - uma boa cozinheira, vá lá -
, podia fazer-lhe a felicidade, quem sabe?
Depois dos entendimentos com o pai dela, homem severo
e de costumes à antiga, ficou decidido que o casamento seria realizado com simplicidade e parcimônia, tudo conforme as
circunstâncias. Por exemplo, a noiva não precisava ir toda apetrechada, como de costume, dispensando-lhe
até o vestido branco. Tudo o estritamente necessário. Não haveria festa, com
comes e bebes. Apenas um café. Mas, à
boca pequena, não faltariam as fofocas.
No dia do casamento, à tardinha, os noivos, parentes,
padrinhos e convidados reuniram-se
previamente na casa do futuro sogro, e de lá partiram, a pé e em procissão a
passo moderado, rumo à Igreja, no largo da Matriz.
À frente do cortejo, dando-lhe um toque festivo,
ia o sanfonista, que se esbaldava com a sua surrada sanfona de oito baixos, tocando uma polca buliçosa e
cadenciada, à guisa de marcha nupcial. E de braços dados, a noiva, um pouco
desajeitada, seguia com o noivo, também meio encabulado.
Aliás, foi a musica arrancada desse instrumento
popular, o que mais chamou a atenção das pessoas, muitas das quais, encontradas
pela frente, se incorporavam ao séquito.
E foi assim que aconteceu um caso interessante.
Meu tio afim Azemar, era um comerciante ladino, muito
importante e experiente na vida, e em sua
loja eu, ainda menino, trabalhava
como caixeiro.
Naquela tarde tranqüila, logo que do canto da praça, à esquerda de sua loja
e um pouco mais abaixo, irromperam-se os primeiros acordes daquela macha
nupcial, coincidentemente o tio Azemar
assomou à porta da casa e curioso perguntou-me assustado: “ O que é aquilo?”
Ele mesmo certificou-se do que estava acontecendo.. O
fato é que tinha sido convidado para padrinho de casamento de
seu amigo Manoel Sinhô, mas não anotou a data. Quase caiu de susto, e perplexo exclamou gaguejando: “Meu Deus, me
esqueci do casamento dele!”
Mas não perdeu
tempo. Num piscar de olho, correu lá dentro e
voltou com capuchos de algodão em
caroço nos ouvidos. Na falta de algodão hidrófilo, foi aquilo que ele arranjou...Quem não tem cão,caça com gatos...
Quando o cortejo passou ao largo, tio Azemar, em pé na
calçada, se virava de um lado para
outro, para mostrar que não compareceu, porque estava com dor de ouvidos...
Não duvido de ter
o noivo percebido que seu
convidado estava mesmo dodói...
Já na Igreja, onde chegaram atrasados, lá
encontraram o Padre, que estava
visivelmente cansado e impaciente com a demora. Em tais circunstâncias, ele
costumava alinhavar os passos rituais, tantas vezes repetidos nas celebrações a
seu cargo.
Tio Vigário era
um Padre respeitado, carismático, mas
bravo e consciente de sua autoridade. Dentre suas
virtudes, era amante do vinho e tinha o condão de ser generoso nas suas ironias, ante as fraquezas da
natureza humana. Nos seus sermões,
costumava verberar os sepúlcros caiados, mas
também tinha seus ditos e adágios
espirituosos e sempre oportunos.
No curso do ato religioso, o Padre não se preocupou
com a posição dos nubentes, no pequeno grupo
que se formou ao pé do
altar, e a noiva, de vestido comum, não
se distinguia das acompanhantes. Afinal, aquela era uma rotina de que já estava
cansado.
E quando ordenou que a noiva colocasse a aliança no dedo da mão esquerda
do noivo, este estendeu-lhe a mão direita. Visivelmente contrafeito, o Padre
lhe indicou:
- A outra!
Manoel Sinhô, que era um pouco surdo, não entendeu,
mas respondeu afobado:
- A noiva é essa mesmo, seu Padre...
- É a outra mão, seu Manoel! - Mas o homem insistiu em
impor a mão direita.:
- Já falei, é a outra mão, o Sr. não está ouvindo?
Então, o noivo estendeu-lhe a mão esquerda, com ar
de súplica, quase como se tivesse
cometido um pecado, mostrando que, infelizmente, nela não tinha o dedo anular, no qual se usa pôr o anel... Desfeita a confusão, o
celebrante esboçou um leve sorriso de aquiescência, e o ritual prosseguiu.
Ao encerrar a cerimônia, Tio Vigário - que era
observador finório - diante daquele casal tão retardado, esboçou um gesto de
quem iria comentar alguma coisa, mas limitou-se a dizer com bonomia, sem medir
o que falava:
- Vá em paz, e o Senhor o acompanhe. Cumpra a sua
obrigação e sejam felizes! O dedo
vizinho do midinho, que o Sr.
perdeu, não é tão importante, não serve
para nada, e certamente não lhe fará
falta nenhuma...
A história
terminaria ai, se o casamento de Manoel Sinhô não tivesse outro
desfecho. Dois dias depois, ao devolver a noiva ao sogro, disse -lhe apenas:
- Ela não serve
mais pra casamento. Mas, se o Sr. quiser, posso aceitar a outra, a mais nova..
O Guarda-chuva
O tranqüilo e correto cidadão da Rua Felipe dos
Santos, após o café da manhã, pegou a
sacola de pano e saiu com sua filha
para abastecer-se de frutas no”Sacolão”
a um quarteirão de sua casa.
Como o tempo estava
chuvoso, em vez da bengala, para apoiar-se, levou consigo o seu
guarda-chuva de fabricação portuguesa, objeto de estimação.
Lá chegando,
encontrou a casa cheia de fregueses, que se acotovelavam para as compras.
Então foi direto a um dos estandes de frutas, onde
uma distinta senhora estava a escolher laranjas, e passou também a selecionar as que ia levar,
colocando-as na sacola, tendo pendurado
o seu guarda-chuva na borda da banca.
Uma vez cheia a sacola, deixou-a na própria banca, junto ao guarda-chuva,
enquanto foi buscar um carrinho lá fora, para nele reunir todas as frutas que
foi comprar.
Ao voltar ao interior
da loja, um indivíduo moreno,
alto e magro, que provavelmente também
se encontrava há mais tempo no
recinto, o interceptou para perguntar-lhe se eram seus os óculos que estavam no
carrinho, e que não tinham sido notados antes.
- Não, não são meus
- respondeu, ao verificar que os óculos eram escuros, artigo barato.
- Então alguém os esqueceu ahi - e assim dizendo tomou a iniciativa de entregá-los ao caixa,
num gesto de aparente colaboração. A pessoa
que os esqueceu, voltaria ali, para procurá-los - fez crer.
Conduzindo o carrinho de mão, o cidadão da rua Felipe dos Santos foi
escolher as outras frutas - pepinos e bananas - no curso de poucos minutos.
Mas ao voltar à banca das laranjas, só encontrou
a sacola cheia que ali deixara. O
guarda-chuva, num átimo, foi-lhe surripiado. E não mais estavam no recito, nem
a distinta senhora, nem aquele senhor dos óculos...
O fato foi levado imediatamente ao conhecimento
do gerente da loja e da moça que
trabalhava no “caíxa”, mas ambos nada puderam fazer. Todavia, todo mundo, com a
casa cheia, ouviu os comentários a respeito, admitindo-se duas hipóteses: de
roubo, ou de mero engano.
É possível que tenha sido um dos dois o autor da
façanha, pois ambos, logo a seguir,
desapareceram do local. A
distinta senhora é suspeita, porque estava próxima do objeto subtraído; e o
cara dos óculos, com suspeita maior, porque provavelmente teria armado um estratagema diversionista, para dar impressão de probidade.
Voltado para casa, o dono do guarda-chuva roubado
digitou, em letras grandes, um apelo a quem o teria “levado por engano”,
esclarecendo que era de fabricação
portuguesa, raríssimo no Brasil, com uma faixa azul, facilmente identificável. E esse aviso foi
colocado na loja em posição bem visível.
Imaginemos
então, hipoteticamente, o que
poderia ter acontecido a seguir, com o principal suspeito.
Ao chegar em sua residência, o cara, trazendo um novo
guarda- chuva , diferente e vistoso, seu filho foi logo lhe perguntando:
- Uai, pai, o
senhor foi às frutas e acabou comprando essa jóia de guarda-chuva, heim?
Deixe-me vê-lo! Que bacana... Onde o senhor o comprou?
Sem nada responder, dando de ombros, apesar do seu
descaramento embutido, no fundo de sua alma o homem, que abominava mentir,
sentiu um calafrio. E foi ao quintal, com pretexto de dar comida ao seu cachorro, na expectativa de que a curiosidade
do filho se desvanecesse.
Três dias depois, ele volta ao “Sacolão”, para compras
e vê, pendurado junto às pencas de bananas, aquele aviso que lhe feriu a vista,
como coisa sinistra.
Depois, com chuva, três vezes precisou de sair, mas
pegava sempre o guarda-chuva velho e já com uma vareta quebrada.
Não teve coragem de
usar imediatamente o guarda-chuva roubado. Toda vez que ele saia com chuva, a mulher insistia, inutilmente, que o
levasse. E na medida em que o fato se
repetia, mais estranheza causava em casa. O homem se sentia encurralado. Tinha
um belo guarda-chuva, mas lhe faltava coragem para usá-lo.
E ainda houve um detalhe intrigante. O filho insistia em saber onde o pai o adquirira e
qual foi o preço pago, porque
desejava comprar outro igual... Mas o
homem desconversava...
Noutro dia, a mulher pretendeu ir ao “Sacolão”
usando o
já fatídico guarda-chuva, mas o marido,
apavorado, opôs tal resistência, que chegaram a se desentender.
- Não entendo o seu ciúme por esse “trem” que ninguém
pode usar. Será que você o roubou?
- Mulher, me respeite!...
Também o filho
ficou grilado com o problema. Até os vizinhos tomaram conhecimento do caso.
Tantos foram os
problemas que iam surgindo, que o homem passou a imaginar uma forma de
desfazer-se do guarda-chuva. Pensou em devolvê-lo, mas, que explicação daria em casa? Como seria
recebido no “Sacolão” depois de vários dias,
tendo estado lá tantas vezes?
Sim. poderia alegar que não o devolvera antes porque se esquecera de levá-lo, mas isso lhe
soava falso. Imaginava cenas deprimentes, constrangedoras. Será que acreditariam
que o levara “por engano”?
Sua mente baralhava. Sentia-se num beco sem saída. Com
tal coisa metida na cabeça, sonhava
constantemente. Sonhos horríveis, tachado de ladrão, às voltas com a
polícia. A cada dia sentia-se mais
deprimido. Perdera o apetite e
definhava. Ficou doente, macambúzio.
Dando tratos à bola, afinal teve uma idéia salvadora. Com o pretexto esfarrapado de
consultar-se com um médico especialista, em cidade vizinha, indicado por um
amigo, inventou uma viagem misteriosa de trem, sozinho, sem admitir acompanhante, e
sempre muito cabreiro, levou consigo o maldito
guarda-chuva, tendo o cuidado de envolvê-lo numa capa, para não ser
notado ou identificado por quem quer que seja. E no caminho, já bem longe, o
atirou pela janela.
Ufa! Quando voltou, sentindo-se aliviado, e
esforçando-se por dar a impressão de ter
sofrido perda irreparável, alegou
em casa que o guarda-chuva tinha sido roubado - o que era a expressão da
verdade...
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